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Identidade de gênero influencia na forma de lidar com dependência alcoólica

Por| Editado por Luciana Zaramela | 10 de Maio de 2022 às 15h51

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rawpixel.com/Freepik
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Pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) fizeram um estudo qualitativo em grupos de alcoólicos anônimos (AA) para verificar a influência da identidade de gênero na forma como o indivíduo lida com a dependência da substância.

Os resultados, publicados no periódico científico Drug and Alcohol Review, apontam que sim, há uma diferença na abordagem da condição a depender do gênero — Edemilson de Campos, professor da universidade, frequentou reuniões exclusivamente femininas de um grupo AA da cidade de São Paulo, com apoio da FAPESP e colaboração da professora Nádia Narchi, da mesma instituição, para chegar às suas conclusões.

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Gênero e alcoolismo

Em seu estudo, Campos constata que há muitas reuniões do AA estritamente femininas nos EUA, mas não no Brasil. Aqui, os grupos desencorajam essa atitude por considerar que o alcoolismo é um só, afetando homens e mulheres igualmente: segundo o pesquisador, no entanto, as mulheres entrevistadas pensam diferente, relatando ter se sentido intimidadas em reuniões mistas, sofrendo até mesmo assédio e piadas machistas nos encontros.

Dos 120 grupos de AA na cidade de São Paulo, apenas dois promovem reunião apenas de mulheres, um na zona norte e outro no bairro Santa Cecília. Sem estrutura hierárquica, os grupos são bastante autônomos e têm coordenação rotativa. Apenas um destes dois permitiu que o cientista frequentasse e entrevistasse as participantes, o da zona norte, especificamente.

O grupo consistia em 15 mulheres, que se reuniam todo sábado, mesclando participantes com dois meses de AA e veteranas com 30 anos de frequência. O padrão econômico, em geral, é baixo, relata Campos, e algumas delas são casadas com participantes do AA. A instituição considera o alcoolismo uma doença crônica e incurável, caracterizada por uma predisposição física que propicia uma obsessão mental pelo consumo de álcool.

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A rede de apoio que o AA forma tem o objetivo de dar suporte para um convívio sóbrio com a condição, já que considera-se não haver força de vontade individual que a vença. Os pesquisadores, que já haviam analisado reuniões mistas, foi pesquisar etnograficamente os relatos dos grupos femininos, o que resultou em relatos individuais sobre relacionamento, trabalho, família e interesses gerais das participantes.

A condição foi caracterizada pelas mulheres como "dor da alma", que, segundo elas, é marcada por sentimentos fortes de rejeição e solidão decorrentes do estigma social. Nas reuniões mistas, os homens costumam focar os relatos no trabalho e aspectos impessoais da vida prática, enquanto as mulheres preferiam falar de sua intimidade. Reuniões exclusivamente femininas, dizem os cientistas, oferecem um espaço seguro de expressão, devolvendo a dignidade às frequentadoras.

Enquanto a opinião social de um homem alcoólatra que neglicencia as obrigações paternas é bastante condescendente, para as mulheres, ela é implacável. Campos comenta que o sentimento de que o álcool as impediu de cumprir o papel esperado pela sociedade pesava demais às mulheres entrevistadas.

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A conclusão do estudo é de que, apesar de que os critérios para se definir um alcoólatra e classificação geral da condição serem iguais para todos os gêneros, a vivência do alcoolismo e o tratamento da condição têm forte influência pelo marcador social de gênero: indo na direção contrária das definições dos AA, os cientistas consideram que as mulheres precisam de um espaço seguro para expor a "or da alma" que sentem.

Segundo a Fiocruz, cerca de 2,3 milhões de brasileiros entre 12 a 65 apresentavam dependência alcoólica nos 12 meses anteriores à sua pesquisa, realizada em 2017. A incidência da condição é 3,4 vezes maior nos homens (2,4% de toda a população masculina) do que nas mulheres (0,7% da população feminina), muito embora especialistas acreditem que o último número é uma subestimativa, dado o estigma social que pode levar as dependentes a esconder sua condição.

Fonte: Drug and Alcohol Review, Fapesp