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Dexametasona: o que você precisa saber sobre ela e por que não se automedicar

Por| 23 de Junho de 2020 às 18h49

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GCN
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Após o anúncio da última semana, em que a Universidade de Oxford ter conseguido, em um estudo, reduzir a mortalidade por COVID-19 nos pacientes participantes em 33%, uma movimentação positivista ao redor de um anti-inflamatório emanou de vários países, inclusive da própria Inglaterra — que, diante dos resultados, mudou sua política pública de enfrentamento à doença nos hospitais.

O feito gira em torno do medicamento dexametasona, um anti-inflamatório esteroide amplamente difundido pelo mundo e usado contra inflamações das mais variadas ordens. O remédio é um corticoide comum, de baixo custo, usado desde a década de 1960 e que pode ser encontrado em qualquer farmácia brasileira, e foi atribuído a ele a melhora dos quadros graves de pacientes com COVID-19.

A pesquisa randomizada liderada pela Universidade de Oxford investigou  2.104 pacientes que receberam o medicamento e foram comparados com o quadro de outros 4.321 doentes, não medicados com o anti-inflamatório. Após quatro semanas de uso, a dexametasona reduziu as mortes em 35% nos pacientes que precisavam de tratamento com aparelhos respiratórios e em 20% naqueles que precisavam apenas de oxigênio suplementar. Pacientes com quadros mais leves de COVID-19 não apresentaram melhoras significativas com o medicamento, no entanto.

O Brasil foi um dos países que receberam com entusiasmo a notícia. Para entender melhor o mecanismo de ação da dexametasona e a possibilidade de uso do medicamento por aqui, conversamos com o infectologista Artur Brito, do corpo clínico da Beneficência Portuguesa de São Paulo e do Hospital Santa Paula, e perceptor do ambulatório de Infectologia Geral e Doenças Negligenciadas da Unifesp.

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Para que serve a dexametasona?

Segundo o médico, a dexametasona é um hormônio sintético, semelhante a um hormônio produzido pelo corpo humano, o cortisol. Como parte do grupo de glicocorticoides, é considerado um remédio de ação mais prolongada, ou seja, ele age por mais tempo no organismo do paciente. 

Segundo Brito, a Sociedade Brasileira de Infectologia reagiu positivamente e até mesmo de maneira um pouco eufórica à divulgação científica inglesa. "Pelo fato de a Universidade não ter liberado os dados da pesquisa, só ter adiantado os resultados dos dados preliminares, foi até um pouco otimista demais a resposta. Já teve, inclusive, uma nota da própria Sociedade Brasileira de Infectologia indicando o uso de corticoides nos pacientes graves com a COVID-19. 

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A nota a qual Brito se refere diz o seguinte:

Temos o primeiro tratamento farmacológico para COVID-19 que mostrou impacto em reduzir amortalidade! Finalmente temos uma “boa nova”! Como temos insistido desde o início da pandemia de COVID-19, os estudos clínicosRANDOMIZADOS e COM GRUPO CONTROLE é que devem nortear nossa conduta de “comotratar COVID-19”. O estudo RECOVERY da Universidade de Oxford acaba de publicar os resultados preliminaresde estudo randomizado com grupo controle que comparou dexametasona x grupo controle quedemonstrou que a dose de 6mg de dexametasona por via oral ou por via endovenosa 1x/dia por10 dias que demonstrou: 1) redução de mortalidade (em 28 dias) de 1/3 (33,3%) nos pacientes com COVID-19 emventilação mecânica (VM);2) redução de mortalidade (em 28 dias) de 1/5 (20%) nos pacientes necessitando deoxigênio e que não estão em VM;3) não houve diferença nos pacientes que não necessitam de oxigênio. Conclusão prática: todo paciente com COVID-19 em ventilação mecânica e os que necessitamde oxigênio fora da UTI devem receber dexametasona via oral ou endovenosa 6mg 1x/dia por 10dias. Medicação barata e de acesso universal. Dia histórico no tratamento da COVID-19!

"Claro que, na prática, o racional do uso do corticoide [é comum] em doenças em que a atividade inflamatória esteja aumentada. Isso já estava sendo rotina na maioria dos hospitais brasileiros", revela o infectologista, afirmando que esse remédio já está nos protocolos de atendimento como tentativa de amenizar os efeitos inflamatórios decorrentes da COVID-19, mas apenas como adjuvante.  

No entanto, neste momento em que o Brasil se encontra, é preciso ter cautela. A dexametasona é um remédio que pode causar imunossupressão dose-dependente, ou seja, se tomada em elevadas doses, tem um efeito que derruba a imunidade do paciente — algo que pode ser vantajoso em determinados quadros, quando, por exemplo, uma pessoa apresenta uma reação inflamatória exacerbada por conta de seu próprio sistema imunológico. Já no caso de um agente externo, como o coronavírus, Artur recomenda total cautela, principalmente agora, que não temos, ainda, acesso aos dados detalhados da pesquisa de Oxford. O que sabemos é que, nos pacientes da pesquisa, a droga foi usada em doses baixas de 6 mg e apenas em quadros graves. 

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Contra-indicações

Tal como todo remédio do grupo dos esteroides, a dexametasona possui contra-indicações, apesar de seu efeito benéfico anti-inflamatório. Isso acende um alerta ao administrar o fármaco, por exemplo, para pessoas do grupo de risco da COVID-19, os chamados pacientes com comorbidades.

"Esteroides, de maneira geral, têm contra-indicações para pessoas que já possuem doenças crônicas, que podem ser descompensadas pelo uso dos corticoides, como hipertensão arterial sistêmica ou diabetes mellitus, que por acaso são alguns dos fatores de risco para desenvolvimento de quadros graves da COVID-19. Por isso precisamos esperar os dados para entender se essa redução de mortalidade aconteceu em todos os grupos da pesquisa, se alguns grupos não se beneficiaram, quais foram e por quê, comportamento nos pacientes com doença renal crônica, que costumam responder mal a corticoides… isso tudo precisa ser avaliado", comenta, afirmando que, especificamente no caso de COVID-19, é necessário entender como a dexametasona age no organismo. 

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Brasileiros vão poder usar a dexametasona?

Se os resultados preliminares foram tão positivistas, como será que fica o tratamento da COVID-19 no restante do mundo, e, principalmente, aqui no Brasil? Segundo o infectologista, a esmagadora maioria dos hospitais já usava corticoides para auxiliar nos quadros de infecção pulmonar da COVID-19, então isso não é, de todo, uma novidade. Quando mais detalhes do estudo forem publicados, um novo protocolo de tratamento deve, sim, ser oficializado. 

Brito admite que, mesmo sem esses dados, e ainda com base em uma divulgação de imprensa, tudo leva a crer que teremos um novo aliado contra a COVID-19 em ambiente hospitalar. "Se houve uma redução tão importante na mortalidade dos casos graves, não tem por que a gente não usar uma medicação barata, amplamente disponível, e que já tinha um racional teórico para seu uso na COVID-19". 

Mas e aí, se a movimentação em torno do corticoide tem sido de grande otimismo, será que o brasileiro poderá ir às farmácias, comprar o remédio e fazer uso em casa? Isso acende um novo alerta e já temos, inclusive, precedentes com drogas que foram até mesmo menos "estudadas", como os antiparasitários, e tiveram de ter sua venda restrita no Brasil.

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Cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina...

Assim como foi com a cloroquina, hidroxicloroquina e a ivermectina, a ANVISA precisou controlar a venda dos remédios nas farmácias, pois as pessoas estavam correndo para os estabelecimentos, comprando os remédios e fazendo estoque em casa, como forma preventiva, sem qualquer receita ou embasamento médico. 

A bula do remédio diz o seguinte: Alguns dos efeitos colaterais de Dexametasona podem incluir retenção de líquidos, aumento de peso, pressão alta, níveis elevados de açúcar no sangue, aumento da necessidade de medicamentos para controlar a diabetes, osteoporose, aumento do apetite, menstruação irregular, dificuldade em cicatrizar feridas, problemas ou doenças na pele, inchaço nos lábios ou língua, convulsões, problemas psicológicos como alterações de humor ou dificuldade de julgamento, aumento da sensibilidade para contrair infecções, fraqueza nos músculos e úlcera gastrintestinal. Além disso, deve-se considerar qualquer sensibilidade que uma pessoa possa ter a um dos componentes da fórmula. Por isso, torna-se ainda mais necessário bater na tecla dos perigos da automedicação e desencorajar esse comportamento rumo às farmácias, sem receita ou prescrição médica. 

De acordo com a revista Science, essa procura desenfreada pela dexametasona já parece ter começado. De acordo com Emer Cook, diretora de regulação de fármacos e outras tecnologias de saúde da OMS, "A procura especulativa parece já ter começado".  

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"O estudo não mostrou benefício nos pacientes com doença leve, sem necessidade de internação. Nesses pacientes, não houve diferença. O uso para prescrição domiciliar não me parece uma alternativa, apesar de a medicação ter formulação oral e a gente usar em várias outras situações. A priori, o grande uso vai ser, de fato, para pacientes hospitalizados, com intubação orotraqueal", enfatiza o infectologista, que desencoraja qualquer aplicação do fármaco para pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19, porém sem sintomas ou com quadros leves. Além disso, em ambiente hospitalar, a droga é usada na sua forma injetável.

Apesar de sinalizar que a dexametasona é promissora no tratamento da COVID-19, Brito afirma que mais estudos, com novos corticoides, também precisam ser realizados para que se amplie o leque no tratamento contra o coronavírus. "Não só a dexa; deve ter outros corticoides,como a prednisolona e a hidrocortisona que possuem o mesmo efeito na redução de mortalidade", acredita o médico.

OMS pede aumento na produção

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Temendo a falta do remédio após a divulgação científica de Oxford, nesta última segunda-feira (22), a Organização Mundial da Saúde pediu, por meio de coletiva de imprensa, aumento na produção global de dexametasona, já que a notícia foi recebida com tamanha empolgação na semana passada.

“O próximo desafio é aumentar a produção e distribuir a dexametasona de maneira rápida e equitativa em todo o mundo, concentrando-se em onde é mais necessária”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. No entanto, a OMS reiterou que o corticoide não deve ser usado em casos leves, e apenas em ambiente hospitalar, sob supervisão médica. “Não há evidências de que este medicamento funcione em pacientes com condições benignas ou como medida preventiva, e pode causar danos”, completou.

Com informações: Sociedade Brasileira de Infectologia, Organização Mundial da Saúde, Science Magazine

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Um corticoide tão comum e amplamente disponível nas farmácias brasileiras parece ser a droga da vez, capaz de reduzir a mortalidade em pacientes com COVID-19. O que dizem os especialistas sobre seu uso?