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Coronavírus pode impedir limpeza de células mortas no pulmão — e isso é perigoso

Por| Editado por Luciana Zaramela | 22 de Março de 2021 às 09h40

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kjpargeter/ Freepik
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Passado mais de um ano da descoberta do coronavírus SARS-CoV-2, a ciência ainda não descobriu quais mecanismos estão ligados aos casos graves da infecção e uma ideia é que isto ocorra a partir de um desequilíbrio do sistema imune. Em outras palavras, o quadro do paciente da COVID-19 piora quando o próprio organismo atua se auto-atacando. Agora, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apresentam algumas respostas deste quebra-cabeça.

Em preprint —  estudo científico ainda não revisado por outros pares — divulgado na plataforma meRxiv, os pesquisadores da USP apontam que o contato com o coronavírus pode alterar o funcionamento dos macrófagos. Estas células agem no organismo como uma espécie de “gari” do sistema imune e elimina, através da fagocitose, restos de células mortas e outras partículas estranhas do corpo. Com sua função desregulada, as "sobras" se acumulam, como lixo, dificultando recuperação.

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Coronavírus e os macrófagos

“Milhões de células morrem em nosso organismo todos os dias e elas precisam ser eliminadas de forma eficiente. Caso contrário, poderiam ser interpretadas como um sinal de perigo ou gerar autoantígenos, favorecendo o surgimento de doenças autoimunes [que ocorrem quando o próprio corpo ataca determinadas partes dele mesmo]", explica a professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenadora da pesquisa, Larissa Cunha, para a Agência Faspesp.

"No caso do pulmão afetado pelo SARS-CoV-2, a remoção contínua das células mortas pelos macrófagos é essencial para a regeneração do tecido. Se a presença do vírus em uma célula fagocitada subverte essa função dos macrófagos, possivelmente contribui para o dano tecidual extenso característico da COVID-19”, afirma Cunha. Em outras palavras, com as células mortas se acumulando no tecido, o risco de danos pulmonares aumenta junto com a gravidade da infecção.

Através de experimentos in vitro, é que o grupo de pesquisadores conseguiu entender essa lógica de funcionamento do coronavírus. De acordo com os testes, em uma célula infectada pelo SARS-CoV-2 ativo, o macrófago passa a produzir quantidades excessivas de moléculas pró-inflamatórias. E essas moléculas podem contribuir para o quadro conhecido como tempestade de citocinas, o que é comum em pacientes com a forma grave da COVID-19. Nessa condição, o sistema imunológico entra em um modo alfa e passa a atacar tudo o que vê pela frente, incluindo as partes saudáveis do corpo do indivíduo. 

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Pesquisa in vitro

Para entender as mudanças do funcionamento dos macrófagos, os pesquisadores estudaram tanto células originárias do pulmão humano (Calu-3) quanto células vindas do rim de macacos (Vero CCL81, um dos principais modelos para estudo do SARS-CoV-2). Um grupo foi infectado pelo coronavírus e um segundo grupo recebeu radiação ultravioleta, ambas as situações induziram à morte celular. Em condições normais, quando uma célula é afetada por um evento externo, ela não desperta uma reação inflamatória no organismo.

Após serem infectadas ou receberem radiação, as células afetadas foram coletadas e colocadas para interagir com culturas de macrófagos derivados de monócitos humanos —  um dos tipos de leucócitos do sangue. Pensando nas células mortas pela radiação, os macrófagos assumiam um fenótipo anti-inflamatório, que favorece a reparação do tecido lesado. Por outro lado, no grupo infectado pelo coronavírus, os macrófagos passavam a secretar altas quantidades de moléculas pró-inflamatórias, o que favorece reações autoimunes do corpo.

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“Para promover o reparo eficiente de lesões e evitar o acúmulo de material necrótico no organismo, os macrófagos devem ser capazes de reconhecer e remover continuamente as células mortas, uma na sequência da outra. Contudo, nossos experimentos mostraram que, ao internalizar uma célula apoptótica [uma célula morta] que contém o SARS-CoV-2, essa capacidade fagocítica é significativamente reduzida”, comenta a pesquisadora Cunha.

Dados preliminares confirmam importância do bom funcionamento dos macrófagos

Em análises feitas em amostras sanguíneas de pacientes com casos da COVID-19 moderados ou graves, os pesquisadores observaram altos níveis de moléculas pró-inflamatórias, ou seja, os macrófagos não funcionavam da forma esperada dentro do organismo desses pacientes. Dessa forma, é muito provável que o estudo tenha revelado uma das principais causas que levam à gravidade da infecção. 

De acordo com os pesquisadores, essa falha na remoção de células mortas pode contribuir para o extenso dano aos tecidos observado nos pulmões de pacientes com a COVID-19. “Isso, dentre outros fatores, pode favorecer complicações respiratórias desenvolvidas por indivíduos com a forma grave da doença e aumentar a suscetibilidade a infecções bacterianas secundárias”, apontam no artigo.

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Para acessar o estudo completo, publicado na plataforma meRxiv e que recebeu apoio da FAPESP, clique aqui.

Fonte: Agência Fapesp