Como são feitas as vacinas?
Por Augusto Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |
Vacinas são uma forma de ensinar ao sistema imune do corpo como lutar contra infecções, sejam elas de vírus ou bactérias. Para fabricá-las, são usadas partes do agente infeccioso, ou até mesmo todo ele, o que chamamos de antígeno - que ativa a resposta imune. Mas há, também, outros ingredientes nessa fórmula, e todo um processo de cultivo para os materiais necessários à fabricação do imunizante..
Após os testes laboratoriais e fabricação da vacina em si, são feitos testes em cobaias animais, que, mediante sucesso, passam para os ensaios em humanos. A partir dessa etapa, o número de participantes do teste aumenta, chegando finalmente à aprovação da eficácia da vacina. Em tempos de pandemia, com o novo coronavírus solto por aí e uma população em processo de imunização, é interessante sabermos como são feitas as vacinas, exatamente.
Quais os ingredientes das vacinas?
Para começar, vamos lembrar de que vacinas são produtos biológicos. Assim, material biológico é necessário para abrigar e cultivar o componente viral do imunizante: para isso, podem ser utilizados ovos de galinha, levedura ou culturas bacterianas, por exemplo. Primeiramente, é feita uma pesquisa para determinar qual princípio antigênico será o melhor para integrar a vacina, ou seja, qual parte do vírus é a ideal para a fórmula.
Após selecionar o vírus e deixar que ele se replique no material biológico, ele deve ser coletado, purificado e inativado. Vacinas mais recentes podem ser fabricadas a partir de um modelo de DNA, que dá origem ao RNA da vacina, o que acelera e barateia a produção.
Mas a instabilidade das moléculas biológicas pede mais ingredientes: para evitar a degradação delas, a fabricação de vacinas recebe aditivos. São eles:
- Conservantes, para evitar que a vacina seja contaminada após a abertura do frasco;
- Estabilizadores, prevenindo que reações químicas ocorram e modifiquem os componentes. Eles podem ser açúcares, como a lactose ou a gelatina;
- Tensioativos, que evitam a mistura dos componentes da vacina;
- Diluentes, para diluir a vacina até a concentração correta (geralmente água esterilizada);
- Resíduos, componentes não propositais da receita. São os resíduos de ingredientes que acabam ficando no imunizante, como proteína dos ovos ou fragmentos das bactérias de cultivo.
Vale dizer que algumas vacinas ainda precisam de adjuvantes, que estimulam uma resposta imune melhor, como o hidróxido de alumínio.
Fase de testes
Após a fabricação, ainda há muito a ser feito até a aprovação de uma vacina. Aí entra a famosa testagem, que se inicia na fase pré-clínica. A candidata a vacina é aplicada em material celular, como culturas de células de órgãos animais (in vitro), ou nos bichos propriamente ditos (in vivo). A partir da aprovação nessa etapa, é hora de testar em humanos: são os chamados ensaios clínicos.
Ensaios com humanos
Na primeira fase, grupos pequenos, de 20 a 80 pessoas, em média, são vacinados, a fim de identificar possíveis efeitos adversos. Nessa fase, ainda não há testes cegos — ou seja, os pesquisadores (e, às vezes, as cobaias também) sabem se estão recebendo ou não placebos.
Assim, o tipo e a eficácia da resposta imune são avaliados, e tentativas de infectar os participantes com o patógeno, após as vacinas, já podem ser realizadas — muitas vezes, com versões enfraquecidas do vírus em questão. Se tudo correr bem, começa a fase 2, onde um grupo de centenas de participantes é vacinado, com randomização e um controle estrito, incluindo um grupo que recebe placebo para o teste. A segurança, método de transporte e calendário de vacinação são testados nessa etapa, também.
Agora, chega a fase 3: é nela que milhares de pessoas participam da testagem, e onde se aplica o teste duplo-cego, ou seja, parte dos participantes recebe placebo, e nem eles, nem os pesquisadores sabem quem foi.
Alguns dos aspectos avaliados nessa etapa de larga escala incluem a descoberta de efeitos adversos mais raros: se uma reação ocorre em 1 a cada 10.000 pessoas, isso poderá ser verificado. Com os dados de todas as etapas em mãos, é possível verificar a eficácia e segurança da vacina, e então finalmente encaminhá-la para registro e aplicação na população. No Brasil, a responsável por isso é a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Enquanto algumas vacinas podem levar anos para receber o registro final, por conta do monitoramento e revisão por pares para garantir a segurança da vacina para os humanos casos excepcionais — como o do novo coronavírus — são adiantados para uma imunização mais rápida da população.
Tipos de vacina
Dependendo do tipo de patógeno ao qual a vacina é destinada, o método de fabricação da vacina pode incluir o vírus em questão em diferentes estágios de modificação. São eles:
- Vacina inativada: para despertar a resposta imune, grande parte das vacinas convencionais usa o vírus vivo, mas enfraquecido, que consegue se replicar, mas não causará a doença. Os devidamente inativados têm material genético danificado, que não consegue se replicar;
- Ácido nucleico: as vacinas dessa categoria usam material genético para instruir as células na produção dos antígenos. Algumas vacinas do novo coronavírus, por exemplo, usam tecnologia de RNA mensageiro (mRNA);
- Vetor viral: vacinas desse tipo também usam material genético para auxiliar as células na defesa, mas utilizam um vírus inofensivo, diferente daquele que é o alvo da vacina, como vetor (ou portador);
- Vacina de subunidade, polissacarídeo, conjugada ou recombinante: essa categoria utiliza um ou mais antígenos, como proteínas ou açúcares, para despertar a resposta imune ao germe em questão;
- Toxoide: esse tipo de vacina usa quantidades controladas da toxina produzida pelo germe da vez para criar a imunidade, que nesse caso imuniza o sistema utilizando apenas a parte do germe que causa a doença. A vacina do tétano é um exemplo deste tipo.
E as vacinas novas?
Agora é o momento em que você deve estar se perguntando como novas vacinas são selecionadas — afinal de contas, a pesquisa para um imunizante contra o novo coronavírus, por exemplo, deve ter vindo de algum lugar. Bem, de início, é bom procurar vacinas que funcionam contra doenças parecidas.
No caso da Covid, vacinas contra a MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) já existiam e puderam dar uma base para começar as pesquisas.
Há, também, proteínas patogênicas que podem gerar uma boa resposta imune, e que podem ser encontradas em bibliotecas biomoleculares já existentes. Tudo isso deve ser feito encontrando um equilíbrio entre a habilidade da proteína de gerar respostas do sistema imune com a sua habilidade de sofrer mutações. Afinal, patógenos que passam por mutações e geram novas cepas podem inutilizar a eficácia do imunizante em análise.
Encontrar o núcleo proteico é uma das saídas para evitar problemas como esse, e, felizmente, tecnologias modernas de bioinformática conseguem acelerar essa busca, que antigamente podia durar meses ou até mesmo anos. Ao longo dos anos, tecnologias como essa vêm aumentando não só a velocidade das pesquisas, mas também a base de dados que temos sobre patógenos e suas proteínas, facilitando a produção de novos imunizantes.
É importante lembrar que vacinas passam por um processo de regulamentação e testagem, como toda droga e remédios comercializados, às vezes de forma até mais estrita, já que a quantidade de cobaias humanas envolvidas em testes costuma ser maior do que imunizantes não-vacinais. Isso, por si só, já é um motivo robusto o suficiente para confiar na eficácia e segurança de qualquer vacina aprovada pela Anvisa.
Fonte: Gavi; History of Vaccines; Fiocruz