Cientistas brasileiros devolvem parte dos movimentos de pacientes paraplégicos
Por Nathan Vieira • Editado por Melissa Cruz Cossetti | •

Na última terça-feira (9), cientistas brasileiros apresentaram os resultados de uma pesquisa que pode transformar o tratamento de lesões na medula espinhal. A iniciativa, desenvolvida há mais de 25 anos pela professora Tatiana Coelho de Sampaio, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o laboratório Cristália, mostrou que uma proteína extraída da placenta, a polilaminina, foi capaz de devolver movimentos a animais e a alguns pacientes humanos em fase experimental.
- Como é feita a doação de medula óssea?
- Neuroprótese com robótica devolve movimentos a pacientes com paralisia
A polilaminina é uma versão recriada em laboratório da proteína laminina, abundante no corpo humano durante a fase embrionária e essencial para a comunicação entre neurônios. Após o nascimento, a presença dessa proteína diminui drasticamente.
A equipe da UFRJ descobriu que, quando reaplicada, ela pode estimular os neurônios a criarem novos caminhos de comunicação, restabelecendo parcialmente os impulsos elétricos interrompidos por uma lesão na medula.
Essas lesões, frequentemente causadas por acidentes de trânsito, quedas ou mergulhos, interrompem a conexão entre cérebro e corpo. O resultado pode ser paraplegia (perda dos movimentos dos membros inferiores) ou tetraplegia (comprometimento dos movimentos do pescoço para baixo).
Resultados em animais e primeiros pacientes
Os primeiros testes foram feitos em cães e ratos com lesões medulares. Em alguns casos, os animais voltaram a andar em poucos dias, resultado publicado em 2024 na plataforma MedRXiv.
Depois, a equipe avançou para um estudo acadêmico experimental em poucos pacientes humanos que sofreram acidentes recentes. Um deles foi Bruno Drummond de Freitas, que após uma grave lesão cervical conseguiu recuperar gradualmente os movimentos dos pés, das pernas e dos braços. Outro caso foi o da atleta paralímpica Hawanna Cruz Ribeiro, que relatou recuperar entre 60% e 70% do controle do tronco.
É importante destacar que ninguém “voltou a andar normalmente” de imediato. Houve ganhos motores relevantes, mas parciais, o que já representa um avanço inédito para casos considerados irreversíveis.
Iniciativa público-privada e desafios regulatórios
O desenvolvimento do medicamento é fruto de uma rara colaboração entre universidade pública e setor privado. O Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular da UFRJ, liderado por Tatiana Sampaio, forneceu a base científica, enquanto o laboratório Cristália trabalha na produção do composto.
No entanto, a Anvisa informou ao Canaltech que os dados apresentados até agora ainda pertencem à fase pré-clínica (sem uso em seres humanos dentro dos padrões regulatórios). Ou seja, não há solicitação referente a este estudo aguardando aprovação da Anvisa. Existe um processo, ainda com dados que precisam ser complementados pela empresa. De acordo com a agência, embora os resultados de laboratórios sejam promissores, ainda não é possível fazer qualquer afirmação quanto a segurança e eficácia da substância.
Apesar do otimismo, precisamos ter cautela. O caminho até que a polilaminina se torne um medicamento disponível ao público é longo e pode levar muitos anos. Ainda serão necessárias várias etapas de testes para comprovar segurança, eficácia e reprodutibilidade dos resultados em larga escala. Mesmo assim, a pesquisa abre uma nova janela de esperança para milhares de pessoas que vivem com limitações severas causadas por lesão na medula.
Leia também:
- Mão biônica controlada pela mente tem toque artificial mais preciso até hoje
- Cientistas testam tratamento de lesões na coluna com células nervosas nasais
VÍDEO | IMPLANTE DE MEDULA
Fonte: Frontiers in Veterinary Science, JN