‘Canetinhas’ para emagrecer: desinformação e manipulados irregulares nas redes
Por Anaisa Catucci | •

A obesidade, doença que já afeta 1 bilhão de pessoas e pode atingir 1,5 bilhão até 2030, abriu um campo fértil para a desinformação e a exploração nas redes sociais. Impulsionado por algoritmos e a busca por soluções rápidas, o mercado de injeções para perda de peso virou um terreno perigoso. A proliferação de fake news e produtos manipulados irregularmente representa um grave risco à saúde pública.
A internet se tornou um caldeirão de conteúdos suspeitos sobre implantes hormonais e medicamentos manipulados. Esses materiais, repletos de promessas milagrosas e sem respaldo científico, se espalham facilmente, impulsionando o problema.
"A gente entra no Instagram, no e-mail, se você procura alguma coisa sobre Semaglutida, sempre vai existir alguma versão manipulada sendo oferecida nos nossos e-mails ou na nossa rede social", explica Ana Miriam Fucci Dias, diretora jurídica, de compliance e qualidade da Novo Nordisk, em palestra no 20º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, em São Paulo (SP), no último sábado (12).
A Semaglutida, princípio ativo de injeções aprovadas como Ozempic e Wegovy, é uma molécula biológica complexa, resultado de mais de 10 anos de pesquisa. "Ela é produzida a partir do DNA com uma etapa de produção a nível laboratorial, depois purificação. É uma coisa muito complexa. Então, não tem como uma farmácia de manipulação entregar a mesma molécula de forma segura e de forma eficaz", explicou sobre a sofisticação desses medicamentos o endocrinologista e chefe do serviço de endocrinologia do exercício e esporte da Unifesp, Clayton Macedo.
A Semaglutida é um análogo agonista do GLP-1, um hormônio que atua na saciedade e diminuição do apetite. A versão oral, por exemplo, possui uma tecnologia patenteada que permite a absorção de peptídeos pelo sistema digestivo, algo que manipulações comuns não conseguem replicar, de acordo com o médico.
A importância do rigor na produção foi reforçada por Rosana Maciel, diretora Técnico Regulatória e Inovação do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos. Ela explicou que, para registrar um medicamento na Anvisa, o processo começa com a certificação do fabricante do insumo.
Medicamentos biológicos, como a Semaglutida, são muito sensíveis à temperatura e exigem uma rigorosa cadeia de frio da produção à entrega. "Se ocorrer algum erro no processo, o destino é a incineração. Não tem perdão", alertou sobre desvios na cadeia de transporte, evidenciando a falta desse controle nos produtos manipulados.
A busca por injeções de emagrecimento baratas ou "milagrosas" na internet esconde perigos que vão muito além da falta de eficácia. Especialistas no debate destacaram os seguintes pontos críticos:
- Manipulação sem individualização: grande quantidade de medicamentos manipulados é oferecida em redes sociais, desrespeitando o princípio de doses individualizadas e a real necessidade de cada paciente.
- Matéria-prima sem aprovação da Anvisa: a procedência e composição das substâncias utilizadas nessas manipulações são desconhecidas, pois não passaram pelas rigorosas análises de eficácia, qualidade e segurança exigidas pela Anvisa.
- Ausência de farmacovigilância: há um grave problema de saúde pública evidenciado pelo aumento de 54% nos relatos de eventos adversos em 2024 para produtos não oficiais. Sem o devido controle e coleta de informações, os riscos incluem dosagem incorreta, contaminação e reações imprevisíveis.
Além disso, há uma preocupação com a transformação de consultórios médicos em negócios de alta rentabilidade às custas da saúde do paciente.
Macedo mencionou a existência de "cursos de monetização de consultório" divulgados pelas redes sociais e a proliferação de "falsos especialistas" em áreas como a inexistente "hormonologia". O médico também criticou a dinâmica: exames desnecessários são solicitados, e a partir daí, são prescritos manipulados nos quais o profissional ganha comissão, criando uma cadeia de lucro milionária. Ele exemplificou que um implante vendido por R$ 500 pela farmácia pode ser repassado por R$ 5 mil pelo médico, resultando em ganhos exorbitantes.
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