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X-Men: uma analogia ao preconceito e à intolerância

Por| 30 de Dezembro de 2019 às 16h05

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marvel comics
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"Rótulos arbitrários são mais importantes do que a maneira como levamos a nossa vida? O que supostamente somos é mais importante do que o que realmente somos?", questionou muito sabiamente Scott Summers, o famigerado Ciclope, durante um debate contra Willian Stryker (um pastor que prega em seu programa de tv o extermínio dos mutantes), transmitido pela televisão, sobre a questão a respeito do preconceito contra os mutantes. Isso acontece na HQ Deus Ama, O Homem Mata, uma das edições responsáveis por deixar explícito que o principal inimigo dos X-Men, em meio a tantos vilões e desafios propriamente ditos, é o preconceito. Sendo assim, por trás de todo o universo fantástico com direito a poderes e muita ação, há questões verdadeiramente mais profundas do que se pensa.

Escrita por Chris Claremont e Brent Anderson, a HQ Deus Ama, O Homem Mata gira em torno do poder que a palavra tem e como ela pode influenciar toda uma população. Acontece que Stryker lidera um grupo de pessoas que atende pelo nome de Purificadores, cuja premissa é eliminar a raça mutante do país. Isso porque Stryker acredita que os mutantes são criaturas do Diabo, enquanto os humanos foram criados por Deus.

De acordo com o historiador e sociólogo Eduardo Molina, dono do canal Geek História, no YouTube, onde relaciona momentos da história da humanidade às HQs, se fizermos um recorte histórico, temos em 1954 a Suprema Corte Americana se posicionando com referência à separação entre negros e brancos nas instituições de ensino (High School) alegando inconstitucionalidade nesse ato. A população americana ignorou o fato e continuou com o racismo e o segregacionismo, inclusive, em espaços públicos. Segundo o professor universitário, em 1955, o caso Rosa Parks estourou como uma bomba nos Estados Unidos, uma negra que se recusou a ceder seu lugar no ônibus para um branco e foi presa por isso. Esses eventos levam ao início da década de 60 com o Movimento dos Direitos Civis dos Negros nos Estados Unidos, encabeçado por Martin Luther King Jr. e Malcolm X.

Eduardo conta que as principais inspirações para a criação dos personagens do professor Xavier e Magneto foram King e Malcom X. Xavier é Martin Luther King, em sua postura, seu discurso, em seus sonhos de uma vivência pacífica entre humanos e mutantes, inclusive, tendo falas muito semelhantes ao de King em várias histórias. Magneto é Malcon X, mais radical em sua forma de lidar com a segregação, defendendo que esse separatismo seria benéfico e que a violência era um recurso aceitável para a autoproteção.

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"Essa história é considerada por muitos como uma das melhores histórias dos X-Men. Chris Claremont e Brent Anderson ao roteirizar e ilustrar a graphic novel trazem elementos fundamentais para a compreensão não apenas do contexto histórico, mas, também, sociopolítico dos Estados Unidades em 1982 e que permanecem os mesmos até os dias de hoje", aponta o sociólogo e historiador.

O epecialista observa que Stan Lee e Jack Kirby criaram os X-Men para levar esse debate para a sociedade através da metáfora de seus personagens, seres que sofreram uma evolução genética (o gene X) e adquiriram poderes em decorrência disso. Os mutantes sofrem a mesma segregação, são perseguidos, caçados e até mesmo mortos. Cada personagem criado é uma crítica a sociedade racista estadunidense.

Eduardo aproveita para destacar uma frase do próprio Stan Lee, em uma entrevista em 2013: "Eu queria que eles fossem diversos. O principal objetivo dos X-Men foi tentar ser uma história anti-preconceito, mostrar que o bem e o mal existem dentro da mesma pessoa", e acrescenta que a Marvel, a partir da década de 60, "humanizou" seus personagens para criar um diálogo com a sociedade e mostrar através de suas histórias que não podem existir espaços para o ódio e a intolerância.

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Mutantes: uma metáfora para a população LGBTQIA+

"Nas histórias podemos perceber nitidamente questões racistas, mas, não apenas. Os X-Men também abordam questões homossexuais, feministas. Por exemplo, no filme de 2006 desenvolvem uma vacina para "curar" os mutantes, como se houvesse algo errado em serem o que são. Quantas vezes já ouvimos sobre projetos de branqueamento da população? Extermínio de "raças"? Cura gay? A temática dos X-Men segue muito atual", aponta Eduardo Molina.

O filme a que se refere é X-Men 3: O Confronto Final, baseado no arco A Saga da Fênix Negra. Na trama, em paralelo com a ascensão da Fênix gira em torno de um mutante cujo poder é justamente neutralizar os poderes dos outros mutantes, o que leva os humanos a interná-lo em um laboratório para se apropriar de seu gene X e transformá-lo no que acabam chamando de "A cura", já que eles definem a mutação como uma doença.

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Durante o longa, inclusive, há um marcante diálogo em que a notícia sobre a tal cura aparece na televisão. Tempestade, Wolverine e Xavier estão na sala, e Vampira entra, empolgada com a notícia: "É verdade? Eles podem nos curar?", ao que o professor responde: "Sim, aparentemente, é verdade", mas acaba sendo interrompido pela Tempestade, que diz: "Não, professor. Não podem nos curar. Quer saber por quê? Porque não há nada a curar. Não há nada de errado com você. Com nenhum de nós, na verdade".

É perfeitamente possível relacionar isso com um caso de 2017, quando a "cura gay" foi um assunto que entrou em pauta, uma vez que retornou para a Câmara dos Deputados. Na época, depois de uma grande discussão sobre o assunto que acabou levado ao arquivamento, voltou à tona na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) o PL 4931/2016 — que acaba com a punição do profissional de saúde mental que tratar o paciente com “transtorno de orientação sexual”.

"A sociedade atual resgatou um discurso conservador e tradicional, usando a religião como um pano de fundo moralizante e fundamentalista. Nessa história, o reverendo Stryker conduz uma cruzada contra os mutantes porque eles eram obras diabólicas usadas para atormentar os homens, hoje, por exemplo, temos esse mesmo discurso para com a comunidade LGBTQIA+ ou para com aqueles que não se enquadram no "padrão" moral estabelecido por eles", destaca o historiador e sociólogo.

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No entanto, X-Men não apenas pode ser visto como uma metáfora para a homossexualidade, como também aborda abertamente o tema, como no caso da personagem Estrela Polar (North Star), um dos membros mais antigos do grupo, que assumiu que era gay na década de 1990. A Marvel fez isso com naturalidade. Apesar dos preconceitos, das ofensas recebidas, o personagem se mantém correto em suas atitudes, mostrando sua força, não abaixando a cabeça para ninguém. Tivemos também, em 2013, na edição 10 de X-Treme X-Men (um universo alternativo), um Wolverine, símbolo da virilidade e da masculinidade, protagonizando um beijo gay com o personagem Hércules. Em setembro, o Canaltech fez uma matéria especial sobre a minoria representada nas HQs.

Por sua vez, é possível destacar uma cena do filme X-Men 2, em que Bobby (o Homem de Gelo), conversa com seus pais e conta que ele era mutante e a resposta dos pais foi: "você já tentou não ser um mutante?". Pergunta comum entre pais que descobrem a homossexualidade dos filhos.

O sociólogo conclui que ainda existe muito preconceito, embora hoje se tenha mais acesso à informação e se discuta mais abertamente essas questões, principalmente através dos vários movimentos que ganharam força nos últimos anos: "Ainda vejo que muitos dos que acompanham os X-Men são capazes de defender os mutantes, mas, incapazes de aceitar um negro, mulher ou um algum membro da comunidade LGBTQIAP+ em seu convívio social ou até mesmo familiar".

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