O que é hentai? Tudo sobre os famosos quadrinhos eróticos
Por Claudio Yuge |
Os quadrinhos japoneses são uma constante febre mundial desde os anos 1990, quando o material oriental invadiu as prateleiras estadunidenses para preencher a lacuna deixada pela má fase dos super-heróis da Marvel Comics e DC Comics. Daquela época para cá, o número de leitores só aumenta em todo o mundo, assim como o crescente interesse por outra vertente dos mangás: o hentai.
Para comprovar esse interesse, basta observar a lista de categorias mais procuradas no relatório 2022 Year in Review, divulgada no ano passado pelo site adulto Pornhub. “Hentai” está entre as mais buscadas, assim como “japonês”, que, embora não seja especificamente sobre os quadrinhos eróticos japoneses, também evidencia essa alta nos últimos anos.
Mas o que é hentai? Quando se tornou popular? E por que tanta gente se interessa por esse conteúdo? Vem comigo que explico logo abaixo.
O que é hentai?
Na cultura japonesa, os quadrinhos são conhecidos como mangá, enquanto os desenhos animados são chamados de animes. Os orientais não costumam se referir ao conteúdo adulto como “hentai”, e sim de “ero anime”, uma abreviação de erotic anime. Isso porque “hentai” significa, literalmente, “perversão” ou “anormalidade”.
Não se sabe exatamente quando o termo passou a ser usado, mas há registros de ter sido difundido com mais frequência a partir de um anime chamado Lolita, que se popularizou em 1984. Desde então, o que era um nicho alternativo explodiu, especialmente porque os desenhos animados e séries orientais começaram a fazer sucesso em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Então, com a “invasão nipônica” nas prateleiras de comic shops estadunidenses, a partir do começo dos anos 1990, o interesse por outros subgêneros ligados aos mangás também cresceu. E, bem, como a busca por conteúdo erótico esteve em alta no mundo todo desde sempre, não demorou até que os fãs também buscassem esse filão.
O hentai ficou famoso por mostrar representações sexuais envolvendo criaturas, objetos e outras coisas, como tentáculos, feras, robôs, monstros e alienígenas. Isso porque, para driblar as leis de censura, os artistas evitavam as representações humanas e usavam esses elementos para tentar caminhar entre a tênue linha sobre o que é permitido ou considerado obsceno no Japão.
Hentai é uma extensão da secular arte erótica japonesa shunga
Embora possa parecer apenas vulgar ou obsceno para muita gente, o hentai reflete bastante sobre a história da arte erótica japonesa e o próprio comportamento dos orientais, que costumam ser mais silenciosos e tímidos ao falar sobre sexo e relacionamentos.
Há uma longa tradição de arte erótica no Japão, e somente quem vive a cultura de lá compreende exatamente seu significado. Da mesma forma que a lasciva ficção científica europeia pode parecer “pornográfico” para nós, brasileiros, as xilogravuras shunga, as “imagens eróticas de primavera”, podem soar também da mesma forma, embora sua concepção não tenha exatamente a ver com essa ideia.
Os artistas shunga, que prosperaram no Japão, de 1600 até 1900, tentavam captar as expressões de êxtase e puro prazer. As obras retratavam atos sexuais ou de nudez na vida cotidiana, muitas vezes com toques humorísticos ou até mais sérios. Foi uma expressão que influenciou também a literatura e até hoje serve como referência para os artistas do mundo todo.
Um dos expoentes é Katsushika Hokusai, mais conhecido por sua icônica série de xilogravuras Trinta e seis vistas do Monte Fuji, que inclui a famosa A Grande Onda de Kanagawa. Ele também é bastante conhecido por suas contribuições de arte shunga, com representações explícitas de atos sexuais em meio ao humor. Uma de suas obras de shunga mais famosas é O Sonho da Mulher do Pescador, que retrata uma mulher sendo tocada dois polvos.
Outro artista famoso por shunga foi Kitagawa Utamaro, com obras que frequentemente retratavam mulheres em momentos de intimidade, como tomando banho ou vestindo-se.
As artes shunga chegaram a ser banidas do Japão no século XVIII, mas, ao longo do tempo, passou a ser reconhecido como parte da arte histórica oriental, então, atualmente, são consideradas obras-primas. Muitas delas estão em museus e são exibidas em galerias de todo o mundo — e, claro, até hoje influenciam os artistas de hentai.
Hentai também reflete o comportamento dos japoneses
Não é segredo para ninguém que a sociedade japonesa lida de uma forma, digamos, muito mais tímida e discreta quando se trata de sexo ou mesmo quaisquer tipos de relacionamentos afetuosos. Embora as gerações mais recentes tenham quebrado algumas barreiras, leis de censura e a educação tradicional ainda mantêm muitos tabus.
Essa educação acaba por reprimir muitos desejo, sentimentos e emoções, e os hentais acabam por se tornar uma fuga, oferecendo uma forma de entretenimento que permite aos leitores explorarem suas próprias fantasias em um ambiente seguro e consensual.
Embora muitos hentai possam extrapolar alguns limites ou até serem obscenos demais, a maioria mostra uma tênue linha entre a obscenidade e o fascínio pelo sexo — e até com algumas discussões éticas e morais.
No final das contas, o hentai é um reflexo da própria cultura e da sociedade japonesa, assim como de seus leitores, que usam um estilo de arte e de narrativa únicos para confrontar tabus, fantasias e desejos de forma acessível.