HQ sobre transtornos alimentares é íntima, didática e dolorosamente necessária
Por Claudio Yuge |

Quadrinhos autorais têm se consolidado como espaço de testemunhos íntimos — e poucos títulos recentes traduzem de maneira tão direta o peso da experiência pessoal quanto Comendo com Medo. Lançada no Brasil pelo selo Principis, da Ciranda Cultural, a graphic novel da ilustradora sueco-espanhola Elisabeth Karin Pavón Rymer-Rythén mergulha corajoamente sem filtros na luta contra os transtornos alimentares, especialmente a anorexia.
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Dizem que os artistas realmente constróem sua assinatura quando se expõem, e aqui a autora faz isso de maneira valente e também mais leve, transformando sua vivência em um diário ilustrado carregado de metáforas. O destaque é Nore, um monstro sombrio que dá corpo e voz à doença, encarnando a pressão constante, a culpa e a autocrítica que corroem a protagonista. O recurso não é novo na Nona Arte, mas funciona com potência: o traço simples e direto dá espaço para que as emoções saltem da página e ampliem o impacto da leitura.
O ponto forte de Comendo com Medo está justamente nessa combinação entre relato cru e linguagem visual acessível. Rymer-Rythén evita floreios desnecessários e aposta em uma narrativa honesta, que por vezes chega a ser desconfortável — e é exatamente aí que a HQ acerta. Ela não suaviza a dor, mas a organiza em uma jornada que pode ajudar leitores a entender a complexidade dos transtornos alimentares.
Por outro lado, leitores acostumados a narrativas mais experimentais ou a construções gráficas elaboradas talvez sintam falta de ousadia estética. O foco aqui é a clareza da mensagem, quase pedagógica, o que reforça o caráter didático da obra, mas pode limitar sua força como arte vanguardista.
Aliás, a escolha pelo formato mais sóbrio e discreto, que remete mais à literatura infantojuvenil do que aos quadrinhos, exige que o boca a boca e posicionamento estratégico nas prateleiras encontrem mais facilmente o olhar dos jovens, principalmente as garotas adolescentes que precisam se ver e encontrar em meio a tanto silêncio sobre um assunto tão importante.
Ainda assim, o saldo é extremamente positivo. Assim como Fun Home, de Alison Bechdel; ou Persepolis, de Marjane Satrapi, Comendo com Medo cumpre o papel de usar a autobiografia para iluminar temas sociais urgentes — neste caso, as doenças alimentares que afetam milhões de pessoas no mundo.
Comendo com medo, de Elisabeth Karin Pavón Rymer-Rythén, é uma edição da Principis/Ciranda Cultural com tradução de Eva Rampazo e tem 176 páginas, com preço médio entre R$ 24,90 e R$ 39,90, dependendo da loja e promoções.
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