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Uma análise da obsolescência programada e o acúmulo de lixo eletrônico no mundo

Por| 19 de Outubro de 2017 às 14h26

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Uma análise da obsolescência programada e o acúmulo de lixo eletrônico no mundo
Uma análise da obsolescência programada e o acúmulo de lixo eletrônico no mundo

Você já ouviu seus pais ou avós falando que "antigamente, as coisas duravam muito mais"? Pois isso não é somente uma impressão que as gerações mais maduras têm dos eletrodomésticos e eletrônicos da atualidade: os aparelhos de hoje são fabricados com componentes que têm uma espécie de data de validade reduzida, e isso se chama "obsolescência programada".

É isso mesmo: fabricantes projetam aparelhos que quebrarão rapidamente, ou, ao menos, passarão a funcionar com menos eficiência depois de um tempo, tudo para que você precise comprar outro logo mais. E, apesar de ser algo observado nos tempos mais recentes, em 1928 uma revista direcionada ao setor publicitário publicou um texto dizendo que "um artigo que não estraga é uma tragédia para os negócios".

Não por coincidência, essa ideia começou a criar força justamente na época da Grande Depressão dos Estados Unidos, que enfrentou uma das maiores crises econômicas da história nesse período. As empresas começaram a decidir fabricar produtos com menor qualidade, que durariam menos tempo, a fim de fazer os clientes comprarem novos itens com mais frequência e, assim, agitar a economia. Mas, ainda que essa crise tenha sido superada nas décadas posteriores, esse pensamento se aliou ao capitalismo desenfreado e, cada vez mais, produtos programados para estragar começaram a chegar às prateleiras.

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Mas pode ser que uma luz no fim do túnel esteja começando a surgir. Em julho deste ano, o Parlamento Europeu aprovou o Relatório sobre Produtos com Uma Vida Útil Mais Longa: Vantagens para os Consumidores e Empresas, que ainda será avaliado pela Comissão Europeia para que medidas contra a obsolescência programada sejam tomadas. Ainda, a França já chegou a denunciar fabricantes de impressoras que adotam essa prática, incluindo grandes marcas como a Epson, HP, Canon e Brother.

A obsolescência programada e o lixo eletrônico

Além de forçar a população a comprar cada vez mais, a obsolescência programada causa um outro problema: o acúmulo de lixo eletrônico. Anualmente, cerca de 215 mil toneladas de aparelhos eletrônicos provenientes dos Estados Unidos e da Europa são despejados em Gana, sendo que, na região de Agbogbloshie, 129 mil toneladas de resíduos são acumulados todos os anos, fazendo com que essa região ficasse conhecida como "o lixão do mundo".

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A indústria da tecnologia produz, sozinha, 41 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano, de acordo com uma pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. E algo entre 60 a 90% desse lixo acaba sendo retirado por quadrilhas, que comercializam resíduos ilegalmente. Além de Gana, outros países que são destinos comuns de aparelhos eletrônicos descartados são a Índia e o Paquistão.

Estimativas da ONU acreditam que, até o final de 2017, 50 milhões de toneladas de eletrônicos serão descartadas em todo o mundo, e cerca de 1,4 milhões dessas toneladas vêm do Brasil, que, atualmente, recicla apenas 2% do total produzido. A organização também prevê que, em doze anos, o lixo eletrônico mundial acumulado pesará mais do que o Pão de Açúcar, que pesa mais ou menos 580 milhões de toneladas. Se fosse possível reunir todo esse material descartado sem reciclagem em um só monte, é como se criássemos um ponto turístico de um cenário pós apocalíptico.

O descarte indevido de equipamentos eletrônicos favorece a contaminação do solo, da água e do ar, graças a seus metais pesados e substâncias tóxicas, que acabam afetando também plantas, animais e nós, humanos. Metais como chumbo, cádmio, cobre, bromo e níquel fazem parte desses componentes, e uma grande quantidade desses metais no meio ambiente pode causar problemas como feridas, cânceres, doenças respiratórias e demência.

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Há quem defenda a prática, ainda assim

Defensores da obsolescência programada alegam que a prática, sem abusos excessivos, faz com que o mundo siga funcionando nos moldes que conhecemos, sendo uma fonte de criação de empregos, já que, com a alta demanda por novos produtos, as fábricas precisam estar sempre bem munidas de pessoal qualificado.

Além disso, essas pessoas acreditam que a necessidade por novos produtos eletrônicos em um curto período de tempo faça com que a competitividade entre as empresas aumente, impulsionando os avanços tecnológicos e, consequentemente, fazendo a humanidade evoluir a passos largos.

E também existe quem acredite que tudo não passa de uma teoria da conspiração, e que a culpa seria dos próprios consumidores, que querem produtos mais baratos para acompanharem as últimas modas, mesmo sabendo que um item de baixo custo certamente não será construído com componentes duráveis e de qualidade. Ainda, de acordo com os teóricos da conspiração tecnológica, mesmo que os produtos mais acessíveis fossem mais duráveis, a população acabaria os jogando fora de qualquer maneira, para comprar novidades recém lançadas e ostentar seus dispositivos como um símbolo de status.

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A dificuldade de obter reparos em produtos danificados

Além do consumismo desenfreado estimulado pela cultura capitalista ocidental, outro problema que colabora para com o acúmulo de lixo eletrônico é a dificuldade para se obter reparos em aparelhos que se quebraram. De acordo com o levantamento do Eubarômetro de 2014, 77% dos europeus gostariam de consertar seus aparelhos em vez de fazer uma nova compra, mas acabam não levando os dispositivos às assistências técnicas por fatores como preços elevados de peças de reposição, ou falta de suporte a modelos mais antigos.

Um exemplo são os preços cobrados pela Samsung por displays de smartphones para reposição. Pela tela do Galaxy S8+ a fabricante cobra R$ 1.174, o que representa cerca de 30% do valor do aparelho novo, que custa cerca de R$ 4 mil. Já no caso do Galaxy S7 Edge, uma nova tela sai por R$ 1.099, 50% do valor do aparelho. Ou seja: o consumidor acabará preferindo comprar um aparelho inteiramente novo, deixando o reparo de lado, e um smartphone ainda funcional, que poderia ser usado por mais tempo, acabará indo para a lixeira.

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As mudanças precisam partir do poder público

Ainda que não se possa ignorar a responsabilidade da população no que diz respeito ao descarte indevido de aparelhos eletrônicos, uma verdadeira mudança somente acontecerá a partir de iniciativas do poder público, bem como com as fabricantes de dispositivos. E algo chamado "economia circular" já vem sendo debatido em fóruns globais, com a ideia de que, ao fabricar um bem, é preciso levar em consideração o resíduo que ele gerará, e sua capacidade de ser reutilizado parcial ou totalmente.

Uma legislação internacional e rígida a esse respeito significaria obrigar as fabricantes a estender prazos de garantia; fabricar produtos que permitam uma fácil extração de peças; incentivar a oferta de reparos em lojas, além de assistências técnicas autorizadas; reduzir impostos a empresas que adotem medidas do tipo, e multar quem desrespeitar as novas políticas.

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E algumas grandes empresas já estão começando a se conscientizar quanto a esse problema global e crescente. A IBM, por exemplo, recentemente desenvolveu um processo de reciclagem que é capaz de transformar lixo eletrônico e policarbonatos em um tipo de plástico atóxico para ser usado no setor médico. Esse plástico seria ainda mais resistente em termos de temperatura e resistência química, sendo seguro para o uso em purificação de água, equipamentos médicos e fibras ópticas.

Mas, por outro lado, também não podemos ficar de braços cruzados aguardando a chegada de leis e a atitude das fabricantes de aparelhos eletrônicos. Nós, enquanto consumidores, precisamos nos preocupar com o descarte adequado desses produtos e, mesmo que não exista uma coleta seletiva passando de porta em porta para recolher pilhas e baterias, por exemplo, há cooperativas nas grandes cidades que se dedicam exatamente à coleta, separação e destino desse tipo de componente. Cada um fazendo a sua parte, incluindo a classe política e empresarial, a luz no fim do túnel ficará cada vez mais brilhante.

Com informações de The Guardian, El País