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Zuckerberg: “Parem de trocar ‘Black Lives Matter’ por ‘All Lives Matter’!"

Por| 26 de Fevereiro de 2016 às 18h32

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Certo mural antigo tem causado alguma tensão social dentro das instalações do Facebook em Menlo Park, na Califórnia (EUA). Embora o espaço seja aberto ao compartilhamento de pensamentos – ou simplesmente de coisas como “Fulano de Tal esteve aqui!” –, alguns funcionários têm sistematicamente riscado o nome do movimento Black Lives Matter (vidas de negros importam) e acrescentado “All Lives Matter” (todas as vidas importam).

De fato, a coisa tem sido tão recorrente que Mark Zuckerberg acabou se manifestando e pedindo para que os responsáveis parassem. Como o fato tornou a ocorrer, o CEO enviou um memorando expressando sua indignação diante do acontecido. “Nós jamais tivemos regras sobre o que as pessoas podem escrever nas nossas paredes”, disse Zuckerberg em texto obtido pelo site Gizmodo. “Nós esperamos que todos se tratem com respeito.”

Confira abaixo o texto na íntegra:

“Recentemente, tem havido diversos casos de pessoas riscando ‘Black Lives Matter’ e escrevendo ‘All Lives Matter’ nas paredes do [edifício] MPK.

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“Apesar do meu comunicado claro de que isso é inaceitável durante a sessão de perguntas e respostas da última semana, e também das mensagens de diversos outros líderes por toda companhia, isso aconteceu novamente. Eu já estava bastante desapontado com esse comportamento desrespeitoso antes, mas, depois do meu comunicado, agora já considero isso malicioso também.

“Há questões específicas que afetam a comunidade negra nos Estados Unidos, herança de uma história de opressão e racismo. ‘Black Lives Matter’ não implica que as demais vidas não importam – ele simplesmente pede que a comunidade negra alcance a justiça que merece.

“Nós jamais tivemos regras sobre o que as pessoas podem escrever nas nossas paredes – esperamos que todos se tratem com respeito. A despeito do conteúdo ou da localização, riscar algo ali significa silenciar uma voz, ou considerar que a voz de uma pessoa é mais importante do que a de outra. O Facebook deveria ser um serviço e uma comunidade onde todos são tratados com respeito.

“Essa tem sido uma experiência prejudicial e cansativa para a comunidade negra e para toda a comunidade do Facebook, e estamos agora investigando os últimos incidentes. Eu espero e encorajo as pessoas a participarem do Black@ town hall no dia 4 de março, a fim de que eduquem a si próprias sobre o que trata o movimento Black Lives Matter”.

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Uma herança dos “clubismos”

A boa e velha liberdade de expressão nos permite lançar (praticamente) qualquer coisa no ventilador – embora seja razoável esperar pelo rebote. Não haveria por que ser diferente no caso do mural instituído nos escritórios do Facebook.

Verdade seja dita, entretanto. É fácil entender a motivação do(s) sujeito(s) que tentou suprimir o reforço de uma marca ali. Afinal, atualmente não são necessários mais do que alguns cliques nas redes sociais para se deparar com manifestações do que vem sido informal e pejorativamente chamado de “mimimi”.

Conforme mais e mais “clubismos” surgem na esfera social travestidos de direitos de minorias, mais e mais o cidadão mediano – e realmente ignorante da História, como insinuou Zuckerberg – se sente constrangido pela obrigação de vestir uma carapuça que não sente como sua. Mesmo que muitas vezes seja.

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O joio e o trigo

Justiça seja feita: no caso do Black Lives Matter, o desconhecimento de causa parece ser mesmo o principal motivo para o desrespeito promovido por funcionários do Facebook. Afinal, trata-se de um movimento surgido na efervescência de acontecimentos de grande impacto social.

Formado em 2013, o Black Lives Matter foi uma reação legítima à absolvição de George Zimmerman, acusado do assassinato em segundo grau de Trayvon Martin, de 17 anos, em Sanford (Flórida, EUA). Após uma discussão entre os dois, Zimmerman, um vigilante de bairro, termina por disparar fatalmente contra o adolescente desarmado. Não obstante, segundo as leis do estado, a reação com força letal é um direito do cidadão – e foi impossível reunir provas que endossassem qualquer crime de ódio ou intolerância.

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Desde então, o movimento passou a estampar #BlackLivesMatter nas redes sociais, dando início a um ativismo baseado no Movimento dos Direitos Civis dos Negros nos Estados Unidos – organização de natureza pacífica, da qual participaram luminares como Martin Luther King Jr. e Malcolm X. A bandeira abriga não apenas a comunidade negra, mas também questões de respeito a orientações sexuais

“Zuckerberg foi fascista!”, disse um sujeito

A frase acima foi disparada por um sujeito em uma das reações inflamadas ao memorando internet afora. Naturalmente, trata-se do momento de autarquia do chefão do Facebook, que achou por bem intervir por meio do que claramente é um discurso de autoridade – mesmo que firmado em preceitos morais.

Bem, ocorre que Mark Zuckerberg é a própria cara do Facebook, o que é bastante natural. Igualmente natural, entretanto, são diversos dados estatísticos que comprovam – ao ativista que se interessar – que sua companhia ainda é predominantemente composta por empregados caucasianos.

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Para ser mais exato, conforme dados da própria companhia, ao final de 2014 havia 36 funcionários negros, 73 hispânicos e 603 “brancos” – por falta de denominação mais específica. Há, necessariamente, algum problema nisso? Bem, se a companhia possui um viés tão inescapavelmente social como o Facebook, e se você é a cara dela, há pelo menos uma situação delicada nas mãos.

Dessa forma, por mais que a pura meritocracia tenha definido o quadro de funcionários de Menlo Park, convém certamente a Zuckerberg atenuar a questão da distribuição étnica dentro das suas instalações ao fazer soar indubitavelmente o caráter multirracial da proposta do Facebook.

Em suma, um memorando não apenas natural, mas também bastante necessário. Além do que, cá entre nós, toda corporação sempre tem um quê de fascismo – jamais poderia ser uma democracia, mesmo com murais espalhados em todo canto e a despeito dos tradicionais discursos de inspiração estilo “Vamos lá, time!”.

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O elefante na sala de estar

Por si só, a atitude de seja lá quem for que resolveu rabiscar sobre o Black Lives Matter é completamente indefensável – desrespeitosa, imoral mesmo. Mas realmente não é difícil entender o que motiva um sujeito a aproveitar o anonimato para esboçar uma espécie de contramovimento.

Em vários pontos da internet, o que se vê são discursos sobre o quão “racista” e “intolerante” foi a atitude. Sério mesmo? Não parece ser o caso – a menos que se pintasse algo como “White Lives Matter”... Vá lá.

O que ocorre é que movimentos sociais genuínos têm sido muitas vezes prejudicados por certo tipo insidioso de descontentamento sem foco e invariavelmente baseado em argumentos generalistas e frases acusatórias prontas, quase sempre atirando primeiro e perguntando depois – isso quando perguntam.

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Em uma era em que todos são “ativistas”, convenhamos, no fundo, ninguém o é. Ou pelo menos a grande maioria não passa da tradicional verborragia que transforma praticamente qualquer coisa na imagem do seu diabo particular; basta dar qualquer coisa parecida com um motivo.

Afinal, a despeito das boas intenções, a avalanche de movimentos sociais atuais – boa parte deles menos organizada do que o mural de Menlo Park – parece ter incutido no sujeito mediano a ideia de exclusão, de truculência verborrágica e da mais completa falta de argumentos lógicos (já que tudo é emoção e indignação). Com isso, sofrem os raivosos, sofrem os ignorantes e sofrem os movimentos sociais que realmente possuem algum foco.