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Entenda por que é errado usar dias frios para negar as mudanças climáticas

Por| 12 de Julho de 2019 às 16h19

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Com a onda de frio intenso que atingiu diversas regiões do Brasil nesta semana, mais uma vez tivemos aquele velho debate de “se existe um aquecimento global, por que então está tão frio?”. A velha frase dos negacionistas (pessoas que negam as mudanças climáticas) pode até soar como verdadeira para muitas pessoas, mas ela na verdade é um sofisma — um argumento que se utiliza da lógica para apresentar uma ilusão, mas que no entanto possui uma estrutura interna inconsistente ou até mesmo falsa. E, no caso desta frase específica, a inconsistência está na confusão que muitas pessoas fazem entre os conceitos meteorológicos de “clima” e de “tempo”.

Basicamente, o “tempo” é relacionado às condições atmosféricas em um curto período — como o frio extremo que fez nas regiões Sul e Sudeste do Brasil esta semana. Enquanto isso, “clima” é um conceito usado para um panorama mais abrangente e completo dos padrões de tempo, e é definido pela análise das tendências do tempo de uma região ou do planeta inteiro.

Fazendo uma comparação, é como se o “tempo” fosse o resultado de um jogo, enquanto o “clima” fosse a análise de todo o campeonato. Podemos comparar com o Vasco, que em seu mais recente resultado no Campeonato Brasileiro conseguiu uma vitória sobre o Ceará, mas que atualmente se encontra na 15ª posição no campeonato, apenas um ponto fora da zona de rebaixamento. Apesar de a última partida da equipe cruz-maltina ter sido uma vitória, é um completo erro afirmar “só por curiosidade: quando o time perde ele está em perigo de rebaixamento, e quando ele ganha como é que chama?” porque uma coisa não é excludente da outra: o Vasco ganhou sim uma partida, mas isso não muda o fato de que, no panorama geral do campeonato, ele ainda corre risco de rebaixamento. E é a mesma coisa com as temperaturas: não é porque fez um frio de lascar durante uma semana que isso irá mudar o panorama geral do clima, que mostra um aumento crescente e significativo das temperaturas médias de toda a Terra desde a Revolução Industrial.

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Aumento da temperatura média do planeta

O que caracteriza esse aquecimento da temperatura média da Terra — que é largamente provocado pelos gases de efeito estufa produzidos pela queima de combustíveis fósseis — não é apenas uma alta da temperatura diária, mas sim a ocorrência de efeitos climáticos extremos. Isso porque, como o planeta possui um ecossistema complexo, um aumento das temperaturas não quer dizer que, de repente, todos os diferentes eventos climáticos irão deixar de existir e viveremos sob um sol sem fim ao estilo Mad Max. Ainda que um mundo desértico como o do filme seja uma possibilidade após décadas de um aquecimento global desenfreado, o caminho até lá será marcado por condições extremas de todos os eventos climáticos conhecidos. Isso quer dizer que não apenas os dias quentes serão mais quentes, mas também que os dias frios serão mais frios, que as chuvas serão mais fortes, os tornados mais intensos, as marés mais altas, os furacões mais destruidores, e por aí vai.

Por exemplo, o aumento das temperaturas na região do Ártico dá mais força para as massas de frio polar que saem dali, permitindo que elas cheguem mais longe e deixando extremamente frias regiões que, historicamente, nunca passaram por esse tipo de queda na temperatura. Essa explicação, dada por um estudo publicado no ano passado na revista Nature Communications, também descobriu que, durante o período de aquecimento acelerado, quando o calor do Ártico chega à troposfera superior (mais ou menos do meio pro fim do inverno), o aumento das temperaturas tem criado algo que os cientistas chamas de “vórtice polar”, pois faz com que as massas de ar polar, que antes que concentravam em poucas regiões e se movimentavam de forma regular e previsível, passem a ziguezaguear ao longo de todo o hemisfério norte (ou sul, no caso das massas de ar antárticas), chegando até mesmo à regiões as quais elas nunca alcançaram, tornando o inverno mais frio não apenas nas áreas mais próximas do pólo, mas em praticamente todo o hemisfério.

Há um outro motivo que também deixa clara a existência do aquecimento global apontado por Martin Beniston, ex-diretor do Instituto de Ciências Ambientais da Universidade de Genebra (Suíça) e um dos maiores especialistas em clima do mundo: desde a década de 1980, há uma maior quantidade de dias com recorde de temperatura máxima do que de dias com recorde de temperatura mínima.

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Beniston aponta que, desde os anos 1980, a temperatura média do mundo subiu 1º C, enquanto em algumas regiões (como a Suíça) esse aumento de temperatura foi de 3º C. Além disso, os dias com recorde de temperatura máxima não só têm acontecido com mais frequência, mas também são mais prolongados — o que deixa clara a existência de um aquecimento generalizado.

Aquecimento natural X ação do ser humano

Mas como os cientistas têm certeza de que esse aquecimento acelerado tem sido mesmo provocado pelos seres humanos, e não seria algo natural do planeta? Afinal, a Terra já enfrentou diversas mudanças climáticas extremas ao longo de bilhões de anos, não é mesmo?

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Pos bem: essa certeza se dá através de estudos científicos, claro. Durante os últimos anos, especialistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) realizaram um amplo estudo utilizando modelos matemáticos para calcular o impacto de fenômenos naturais (como erupções vulcânicas ou o fenômeno El Niño) no aumento da temperatura média global, e foi constatado que o aquecimento registrado no último século seria impossível de ocorrer apenas por causa desses eventos naturais, o que torna claro que a ação humana foi o principal responsável por este cenário.

Entre os principais responsáveis por esse aquecimento, os cientistas apontam a queima de combustíveis fósseis (combustíveis derivados do petróleo como gasolina e diesel, ou ainda o carvão utilizado em usinas termoelétricas), a poluição industrial (gases soltados na atmosfera pelas chaminés das fábricas) e a atividade pecuária (gases liberados por bovinos que são extremamente nocivos para a camada de ozônio e causam efeito estufa — parece piada, mas é verdade).

E, apesar de existirem alguns negacionistas do aquecimento global até mesmo no governo brasileiro, nosso país tem se mostrado preocupado com esse fenômeno. Tanto que, na última quarta-feira (10), a Comissão de Meio Ambiente (CMA) aprovou um plano de trabalho para monitorar, ao longo de todo o ano, a execução da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).

Criada em 2010 como parte dos compromissos firmados pelo país ao assinar o Acordo de Paris, a PNMC tem como objetivo a redução de até 39% das emissões de gases causadores do efeito estufa no país até 2020, e é composta por diversos planos que focam em ecossistemas específicos (como a Amazônia e o Cerrado) e em setores econômicos específicos (como indústria, mineração, energia, etc).

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Fonte: BBC, Senado