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Posso filmar uma abordagem policial?

Por| 21 de Fevereiro de 2022 às 10h00

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Scott Rodgerson/Unsplash
Scott Rodgerson/Unsplash

Com certa frequência vimos tendo mais e mais acesso a vídeos, quase sempre produzidos a partir de celulares, com registro de abordagens ou ações policiais.

Praticamente que a totalidade dos celulares do mercado, atualmente, são smartphones, pelo que, por concentrarem inúmeras funções além da simples comunicação através da voz, estão sempre à mão, de modo que gravar uma abordagem policial é muito fácil e ao alcance de todos.

Por vezes a gravação ocorre às escondidas, de forma oculta, no entanto, muitos fazem questão de alertar que estão gravando a ação do agente público.

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As razões que levam às gravações são as mais variadas. Pode ser por curiosidade, ou admiração pelo trabalho da polícia e, até mesmo, como forma para que o cidadão se proteja de eventual conduta arbitrária por parte do policial. Como em todas as profissões, existem aqueles que cumprem adequadamente sua função, enquanto uma minoria infelizmente age com abuso de poder, empregando a força excessivamente ou desrespeitando direitos que são a todos assegurados, inclusive a quem se encontrar sob busca pessoal (revista).

Fato é que as gravações em questão circulam através das redes sociais e da imprensa, tornando-se muito populares, sobretudo quando registram conduta inapropriada por parte da polícia, o que acaba incentivando sua produção.

Diante disso, talvez você já tenha se perguntado:

  1. Posso filmar uma abordagem ou ação policial?
  2. Se o policial ordenar que eu pare a gravação, tenho dever de obedecer a tal ordem?
  3. Uma vez gravada a ação ou abordagem, posso ser obrigado a apagar o vídeo?
  4. Tenho o direito de compartilhar meu vídeo com uma ação policial?
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Vamos às respostas:

Uma das garantias do Estado Democrático de Direito é o Princípio da Legalidade (artigo 5º, II da Constituição Federal), segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ora, simplesmente não há lei que proíba um cidadão de filmar uma abordagem policial, portanto, trata-se de prática permitida, na medida em que não existe vedação expressa para tanto.

Ademais, exceção feita ao serviço de investigação e inteligência, o policial, enquanto servidor público, tem seus atos subordinados ao Princípio da Publicidade, cabendo ao cidadão adotar mecanismos de controle da atuação do Estado.

É lícito ao cidadão exercer seu direito de controle social da função do estado e registrar em foto e vídeo a abordagem policial.

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Se o policial ordenar que eu pare a gravação, devo obedecer tal ordem?

Havendo ordem para que se pare de gravar, tal determinação, a princípio, não se mostra legal. Por certo que não podemos deixar de considerar que o policial pode, em tese, ter como intenção proteger quem se encontra ao redor da abordagem, vislumbrando que aquele episódio apresenta risco para a integridade física dos presentes. Aceitável que a ordem seja para afastamento, no entanto, não para que se cesse a gravação!

Uma vez gravada a ação, posso ser obrigado a apagar o vídeo?

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Da mesma forma, uma vez realizada a gravação, inexiste motivação para que o agente público ordene que o registro do vídeo seja apagado.

Por certo que o policial é detentor de direito de imagem, no entanto, não se pode presumir que seu direito de imagem será, de antemão, violado. Assim sendo, tal como explicado nesse outro artigo [aqui, como sugeriu o Felipe, deveremos linkar o texto sobre desbloqueio de celular mediante ordem de policial], não é correto que o agente público exija que se apague um vídeo que registrou sua atuação, muito menos que ele solicite a senha de desbloqueio do aparelho para que possa fazê-lo.

Tenho o direito de compartilhar meu vídeo de uma ação policial?

Aqui o sinal de alerta acende! Não é direito do cidadão veicular indiscriminadamente o vídeo de uma ação policial!

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Admite-se o compartilhamento do vídeo apenas como forma de comprovar abuso de poder ou a defesa daquele que sofreu a busca pessoal por parte do policial. A divulgação do vídeo sem a devida motivação legal e sem que exista autorização do policial é ato ilícito, sujeitando os infratores à indenização por dano moral.

Antes de encerrarmos, vale pontuar algumas questões com o propósito de que abranger a análise do assunto:

  • a gravação da abordagem policial é meio de prova que favorece tanto o agente público, como o cidadão, resguardando direitos de ambas as partes;
    policiais têm recebido orientação e treinamento de como lidar com situações em que suas atividades são gravadas, sendo diretriz institucional que não interfiram nas filmagens;
  • efetivos policiais Brasil afora vêm adotando como prática o registro das suas ações em vídeo (câmeras acopladas às fardas) como meio de aprimorar o serviço, garantir prerrogativas à própria corporação, proporcionar maior transparência e segurança, de modo que cresce o número de policiais que encaram com naturalidade a gravação do seu trabalho por parte da população;
  • a gravação por parte do cidadão, obviamente, não pode ser acompanhada de xingamentos, comentários irônicos ou desrespeitosos, ameaças ou quaisquer obstáculos à ação policial, tampouco é permitido que se questione ordem legal do policial, sob pena de que o cidadão incorra em crime, como por exemplo, desacato ou desobediência;
  • o policial pode exigir que o cidadão responsável pela filmagem de uma abordagem se identifique, fornecendo-lhe dados pessoais e endereço, a fim de que venha tal pessoal a cooperar junto à autoridade policial ou judiciária como testemunha, se necessário. No entanto, não pode conduzir à força a pessoa para a delegacia, igualmente não pode intimidá-la por ter produzido o vídeo. A decisão sobre quem deverá figurar como testemunha não cabe ao policial, mas sim, no primeiro momento, ao delegado de polícia, que se assim entender, determinará a intimação do cidadão para que oportunamente testemunhe;
  • se o cidadão não estiver portando documento de identificação, desde que não esteja no exercício de sua profissão ou de determinada atividade (condução de veículo, por exemplo), não pode ser obrigado a ir para a delegacia de polícia. Não há lei que nos obrigue a andar com documento de identificação, salvo se estivermos no desempenho da nossa atividade profissional ou exercendo certas tarefas cuja identificação seja obrigatória para fins de comprovarmos nossa capacitação;
  • o policial não pode apreender o aparelho celular sob o pretexto de que a pessoa deverá testemunhar sobre o que viu;
  • ao gravar uma abordagem policial, tenha bom senso para não expor a risco desnecessário sua segurança, não atrapalhe o difícil trabalho do agente público cuja missão é proporcionar segurança para a sociedade e, por fim, exercite sua empatia. Coloque-se no lugar do policial, lembre-se de quão perigosa e estressante é a rotina dele e pergunte-se se você estaria tendo a mesma conduta que ele acaso estivesse desempenhando a função dele, naquele momento;
  • ao se deparar com um abuso ou arbitrariedade por parte de policial, lembre-se de que existem bons e maus profissionais em todas as áreas, como também de que a corregedoria de cada corporação tem como função apurar irregularidades e puni-las. Portanto, um erro não justifica o outro. Se necessário, conte com a imprensa para divulgar o caso, dando publicidade à situação, o que, de certa forma, vai ser importante para a sua própria segurança. Porém, encaminhe o assunto à corregedoria e/ou ao Ministério Público, para que as devidas medidas sejam adotadas;
  • policial que age dentro da lei não se preocupa ao ter sua ação filmada.

Concluímos com a certeza de que a gravação da abordagem policial é uma segurança para quem filma e para o agente público que trabalha observando os limites que lhe são impostos pela lei.