AWS fora do ar | Ausência de queixas de grandes clientes tem fundo jurídico
Por João Melo • Editado por Melissa Cruz Cossetti |

Uma falha operacional atingiu a Amazon Web Services (AWS) nas primeiras horas desta segunda-feira (20), fazendo com que sites e aplicativos de empresas globais fossem afetados. Mesmo diante da instabilidade em seus serviços, as companhias que utilizam o sistema não emitiram queixas públicas contra a Amazon.
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A AWS é uma das principais plataformas de armazenamento em nuvem do mundo. Por isso, empresas de grande porte como Mercado Livre, Snapchat, Duolingo e Perplexity hospedam seus dados nesse serviço.
No entanto, diante do incidente causado pela queda da AWS, essas empresas se limitaram a confirmar a instabilidade e informar que trabalhavam para restabelecer a normalidade. E essa postura tem um fundo jurídico.
De acordo com Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em direito digital e proteção de dados, é comum encontrar, nos contratos com grandes provedores de serviços de nuvem, cláusulas que limitam a forma como os clientes podem se comunicar sobre o serviço.
“Isso faz parte de uma estratégia de proteção da imagem e da segurança dessas empresas, mas levanta debates importantes sobre liberdade contratual e obrigações legais de transparência”, explica o advogado ao Canaltech.
Críticas públicas e comunicação de incidentes
Esses contratos muitas vezes incluem cláusulas de não difamação (non-disparagement), cujo principal objetivo é impedir que os clientes publiquem críticas negativas à empresa fornecedora do serviço.
“Se por um lado busca evitar danos reputacionais injustificados, por outro pode ser interpretada como uma restrição à liberdade de expressão e um desincentivo à transparência”, ressalta o especialista em direito digital.
Coelho acrescenta que esse tipo de cláusula pode colocar o cliente em uma posição de vulnerabilidade, já que menções públicas a falhas podem ser interpretadas como atitudes que prejudicam a marca.
Seguindo essa mesma linha, o especialista afirma que muitos contratos também determinam como as empresas contratantes devem se posicionar em caso de incidentes de segurança ou falhas no serviço contratado.
Essas diretrizes podem incluir coordenação prévia de comunicados públicos e até limitações na forma como as companhias podem relatar incidentes a órgãos reguladores.
O "Contrato do Cliente AWS" (aws.amazon.com), por exemplo, estabelece limites sobre a publicação de comunicados oficiais sobre o uso dos serviços da plataforma.
"Você não emitirá nenhum comunicado à imprensa nem fará qualquer outra comunicação pública relacionada a este Contrato, ao seu uso dos Serviços ou ao Conteúdo da AWS", informa o texto do documento.
Sigilo de informações
Coelho destaca ainda que é comum que contratos de grandes empresas com provedores de nuvem incluam cláusulas de confidencialidade (NDAs), que obrigam as companhias contratantes a manter sigilo sobre informações técnicas, comerciais e de segurança obtidas durante a relação contratual.
“Embora sejam legítimas para proteger segredos comerciais e infraestrutura sensível, muitas vezes os NDAs são redigidos de forma ampla demais, o que pode impedir até mesmo críticas fundamentadas sobre falhas do serviço”, pontua o advogado.
Neste ponto, o documento assinado entre a AWS e seus contratantes determina que devem ser tomadas "medidas razoáveis" para evitar disseminação de informações confidenciais.
"Você tomará todas as medidas razoáveis para evitar a divulgação, disseminação ou uso não autorizado das Informações Confidenciais da AWS, incluindo, no mínimo, as medidas que você tomar para proteger suas próprias informações confidenciais de natureza semelhante", destaca o texto.
Autorização para uso de imagem
Também é comum encontrar cláusulas de publicidade nesses contratos. Esses dispositivos determinam que qualquer uso do nome, marca ou logotipo da provedora de serviços seja previamente autorizado.
De acordo com Coelho, esse controle é natural do ponto de vista da propriedade intelectual. Contudo, quando combinado com outras cláusulas, pode reforçar um ambiente de comunicação controlada, no qual o cliente só fala o que é de interesse da big tech.
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