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O curioso mercado de venda de platinas no PlayStation 4 e PlayStation 3

Por| 04 de Outubro de 2020 às 19h00

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Divulgação/Sony
Divulgação/Sony
PlayStation 4

Trabalhe com o que gosta e jamais gostará de alguma coisa novamente, já dizia o filósofo. Não é o caso para muita gente, que teve a sorte de transformar um amor pessoal, no assunto desta reportagem, os games, em uma fonte de sustento. Para alguns jogadores, o desenvolvimento de habilidades em jogos consagrados da biblioteca dos consoles da Sony também se transforma em uma ferramenta para ganhar dinheiro, seja como uma renda extra ou, no caso da crise que todos estamos enfrentando, um caminho para manter as contas em dia enquanto a situação do país não melhora.

Afinal de contas, devem existir poucas coisas melhores do que ganhar dinheiro apenas para jogar vídeo game. É a rotina dos vendedores de troféus de platina, que emprestam suas habilidades e tempo para melhorarem a pontuação dos perfis de seus clientes no PlayStation 4 e PS3. Os valores variam, como em qualquer mercado, de acordo com a complexidade do produto ofertado e o tempo exigido para a prestação desse serviço.

A flutuação é significativa, também, de acordo com o perfil de cada vendedor e a procura pelos títulos. Uma procura rápida no Mercado Livre, um dos maiores marketplaces do varejo brasileiro, mostra preços a partir de R$ 15 para games quase desconhecidos e de jogabilidade rápida, como é o caso de Slyde, considerado uma das platinas mais rápidas do PlayStation 4, até mais de R$ 3 mil pelo troféu tão desejado em títulos da From Software reconhecidos por sua dificuldade excessiva, como Dark Souls 2 ou Bloodborne.

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Lançamentos e títulos conhecidos também fazem parte do jogo (e dessa variação). O recente remake de Resident Evil 3, por exemplo, tem platinas sendo vendidas de R$ 50 a R$ 80, enquanto Call of Duty: Modern Warfare sai por R$ 199,90. Um dos maiores lançamentos do ano, The Last of Us Parte II, tem o trabalho sendo vendido por R$ 159, enquanto Dark Souls III pode chegar a R$ 1.000.

Games de mundo aberto, que demandam mais tempo, são mais caros, com o vendedor mais em conta da platina de Red Dead Redemption 2 ofertando seu conhecimento do Velho Oeste do game por R$ 300. Uma jornada completa em The Witcher 3, com direito a 100% em todos os DLCs, custa pelo menos R$ 500, enquanto o valor mais caro encontrado pela reportagem está no anúncio da finalização completa de Dark Souls II, do PlayStation 3 — nada menos do que R$ 3.600.

A comunicação entre vendedores e compradores é direta e acontece por mensagens, com o Mercado Livre servindo apenas como plataforma para comercialização. O processo envolve o envio das informações de login e senha de um perfil na PlayStation Network para o “platinador”, que efetivamente joga o título do começo ao fim na conta do cliente até obter o troféu de platina. Valores menores, por exemplo, podem ser praticados caso o usuário já tenha feito algum progresso ou precise, apenas, de um troféu específico.

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Experiência monetizada

O auxiliar técnico administrativo Ricardo Linhares, de 35 anos, é um dos especialistas em jogos da From Software que citamos no início da reportagem. Ele conta já ter vendido cerca de 50 troféus de platinas a diferentes usuários, em sua maioria games da desenvolvedora como Sekiro: Shadows Die Twice e Bloodborne, mas também outros títulos como The Witcher 3 e Crash Team Racing Nitro-Fueled.

“Sempre que um novo game desse estilo é lançado, o platino na medida do possível para me familiarizar com a mecânica e já começo a vender”, explica, afirmando que esse método também ajuda a manter um fluxo de pedidos ligado diretamente a seus gostos pessoais. Ele explica que, no seu caso específico, a demanda é flutuante, já que ele procura comercializar apenas os títulos que realmente gosta e envolvem um grau alto de desafio, o que torna o perfil mais “bonito” para seus eventuais compradores.

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O perfil de Linhares na PSN é seu cartão de visitas e, também, a vitrine virtual do que ele tem para oferecer. Ele prefere os títulos single player, que dependem apenas da habilidade do jogador para que os troféus sejam obtidos, ao contrário dos títulos multiplayer ou que dependam da sorte. Ele afirma, por exemplo, ter a platina do recente Fall Guys, mas não a vender por considerar a experiência estressante, principalmente, devido à conquista que exige ganhar cinco partidas consecutivas. Quem joga sabe que não é nada fácil.

Essa postura decorre do fato de Linhares jogar os títulos do zero, passando de duas a três horas na frente do console em dias úteis, e os finais de semana quase inteiros. Isso, também, está relacionado ao valor mais alto cobrado por títulos complexos, cujas platinas podem envolver até 100 horas de jogatina. Enquanto isso, usuários de save hacking, um processo em que os dados salvos de um título são manipulados para facilitar a obtenção de troféus e, consequentemente, das platinas, permite obter o mesmo resultado com menos de 10 horas.

“Quanto mais rápido melhor, mas você não precisa de vários clientes, apenas alguns viciados em platinas que estejam dispostos a pagar”, completa. Segundo ele, a fidelização é o melhor caminho para tornar o negócio lucrativo e, por isso mesmo, o Mercado Livre acaba nem sendo o único meio de vender seus serviços, com fóruns de jogos e clientes fieis sendo sua principal fonte de renda. “Muitos já encomendam [o próximo jogo] antes mesmo da finalização do atual trabalho”, completa.

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Não é a mesma postura, entretanto, de D.M., de 28 anos, que preferiu não ser identificado pela reportagem. Para ele, que também é um fã dos games altamente desafiadores da série Dark Souls, a venda de platinas se tornou a única fonte de renda durante a atual pandemia, na qual se viu sem emprego. O console no rack, então, passou a servir não apenas como meio de entretenimento, mas também como uma forma de pagar as contas.

Ele explica ter começado em um grupo de amigos, que sabendo de sua proficiência nos games da From Software, pediam que ele obtivesse troféus específicos. Com o tempo, vieram os anúncios do Mercado Livre, que também foram só o começo. “Meus maiores clientes estão em fóruns internacionais, principalmente em grupos de jogadores europeus no Facebook. Recentemente, também descobri o Reddit como uma boa ferramenta de divulgação e contato com eventuais compradores”, explicou.

Com o período de isolamento, M. pôde se dedicar diariamente e por longas horas a obter platinas, enquanto procurava emprego. Assim, conseguiu manter as despesas da casa em dia e viu sua demanda crescer mais do que nunca, apesar de não estarmos no período de lançamento de novos títulos do estilo Soulsborne. “Existem vários outros jogos bem mais lucrativos, mas não penso nisso como um negócio. Desempregado, eu estaria em casa jogando vídeo game, decidi ganhar dinheiro com algo que já faria de qualquer forma”, conta.

M. fala de si mesmo como um “caçador de platinas”, gostando de completar integralmente os títulos de sua preferência desde os tempos do PlayStation 3. “É interessante jogar com esse objetivo em mente, pois aumenta os desafios além do que [está presente] no próprio game”, completa. Ele ainda cita o alto valor dos jogos no Brasil como uma questão já que, caso curta um jogo, sabe que sempre terá mais o que fazer dentro dele mesmo que já o tenha finalizado pela primeira vez.

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Já empregado novamente, M. conta que tem levado até duas semanas para conseguir entregar uma platina, mas que para os clientes, a espera vale a pena, já que a jogatina é feita sem trapaças. O jogador tem reduzido sua base de clientes, mas não pretende interromper as atividades, guardando o que ganha hoje para um desejo e, de certa forma, também um investimento. “Quero comprar um PlayStation 5 no lançamento e já estou de olho na platina do remake de Demon’s Souls”, afirma.

Zona cinza

Além das questões de segurança que envolvem passar as credenciais de acesso à conta para terceiros, o processo não gera riscos de banimento para os compradores. Na visão dos vendedores, ele se assemelha a registrar a própria conta em outro console e jogar os títulos de um amigo no perfil pessoal. Enquanto isso, os vendedores oferecem como vantagem adicional o fato de que os clientes nem mesmo precisam ter o game em questão para adquirirem a platina. Basta, apenas, a vontade de ter aquele prêmio virtual atrelado ao próprio usuário da PlayStation Network.

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Também não se trata de uma dinâmica que interfere na experiência alheia ou gera uma melhoria artificial em perfis próprios, como acontece em títulos competitivos. Nos games focados no eSports, por exemplo, a prática tem nome, “boost”, e é passível de banimento, uma vez que jogadores mais experientes são unidos, teoricamente, a seus pares, com uma maçã podre podendo gerar reflexos em todo o cesto.

As conquistas não estão presentes apenas nos consoles da Sony, mas também no Xbox e PC, além de programadas diretamente em alguns jogos do Switch. A platina, entretanto, é um troféu específico e exclusivo da linha Playstation, servindo como uma medalha virtual que demonstra o fato de alguém ter completado absolutamente todos os desafios propostos pelos desenvolvedores de um game. O que antes era chamado apenas de 100%, hoje, tem outro nome, e como os entrevistados demonstram, também se tornou fonte de renda.

A Sony, porém, não apoia nem desaprova a prática. Os termos de serviço da PlayStation Network não citam a compra de troféus e platinas e a empresa, quando procurada pelo Canaltech, preferiu não comentar.