Como Kojima cria seus jogos? Diretor revela inspirações e processo criativo
Por Diego Corumba • Editado por Jones Oliveira |

Em uma coletiva exclusiva para a imprensa na BGS 2025, o Canaltech teve a oportunidade de conhecer e conversar com Hideo Kojima. O assunto, claro, é o último jogo lançado pelo icônico diretor — Death Stranding 2: On the Beach.
Durante a ação, ele revelou dezenas de detalhes do título produzido pela Kojima Productions e pela PlayStation, falando desde suas inspirações e ideias que queria transmitir com a experiência, até como enxerga o game.
Para Hideo Kojima, Death Stranding 2: On the Beach possui vários significados e você pode conferir alguns dos conceitos que trabalhou durante o seu desenvolvimento abaixo:
Inspirações para Death Stranding 2
Se no primeiro título vemos Sam completamente sozinho, em Death Stranding 2 o diretor Hideo Kojima decidiu que ele se uniria a uma equipe. E isso dita o tom da história para onde ele queria direcionar estes personagens.
Para abranger diversas origens e pessoas tão diferentes na equipe, ele confessou que desde criança gostava de assistir filmes e ouvir músicas de todos os países. Porém, a maior inspiração dele foi a série Star Trek.
“Meu sonho era criar algo similar com o que via em Star Trek, com uma equipe com muita gente de várias origens. Todas juntas para enfrentar algum desafio. Eu quis colocar uma tropa multicultural para encarar um grande tema. E tenho de pedir desculpas, porque não entrou um brasileiro ainda, não é?”, diz Kojima.
Direção de Hideo Kojima
Em entrevistas no passado, Hideo Kojima já afirmou que temia que Death Stranding 2 não fosse aprovado e quase não finalizou a experiência. Porém, suas decisões levaram a produção adiante e trouxeram outra obra-prima.
Na coletiva durante a BGS 2025, ele relatou que várias ideias que teve foram questionadas — inclusive pelos membros da equipe. Alguns aspectos ele teve de mostrar na prática para garantir a sua presença em Death Stranding 2: On the Beach.
Ele afirma que o próprio sistema de likes recebeu muita resistência. Porém, conforme o projeto avançou, sua equipe viu que Hideo Kojima tinha razão ao incluí-lo ali sem que precise se integrar a outras mecânicas.
“No início a equipe não entendeu por que você ganha likes e não pode trocar por item ou dinheiro. Eu não queria gerar um sistema econômico. Esses likes só você sabe, seria seu orgulho ter muitos. Com paciência e tempo consegui passar isso para minha equipe. Aí, nos primeiros protótipos, eles começaram a entender”, revela o diretor.
Ele também comentou as ideias que tinha do primeiro jogo e quis expandir na sequência, atrelando ao próprio sistema de propriedades intelectuais (IP). Para ele, não é por ter a mesma marca que precisa ser a cópia do anterior.
“Queríamos expandir o conceito, então por isso tivemos a necessidade de criar a sequência. Quando fizemos Death Stranding, um jogo de entregas não existia no mercado, então expandimos este sistema inovador. Mas não queria fazer isso com o DS2, porque é um jogo novo. Tive de ampliar a visão”, afirma Hideo Kojima.
De acordo com ele, é diferente do que era feito em Metal Gear Solid. Na época, ele trabalhava na Konami, com a exigência de ter a aprovação dos executivos para prosseguir com seus projetos.
Hideo Kojima afirma que é por isso que muitos dos títulos soavam tão distantes de seus antecessores. Afinal de contas, parte das decisões não era do próprio diretor.
“Na época do Metal Gear, eu fazia cada jogo muito distante, diferente. Porém, eu não queria fazer isso com Death Stranding. É meu jogo, um título novo. Eu teria de dar continuidade para ele, expandir o que criamos no 1º para projetar o 2º”, revela.
Ele também revela qual era a ideia dele para os dois Death Stranding, que permitiu manter a franquia conectada — mesmo com grandes diferenças entre os dois títulos.
“Na minha cabeça, existia a ideia de que o primeiro jogo traçava a ‘Rota de Seda’. Não existe caminho, você mesmo cria um. Às vezes dá certo, às vezes não. No segundo, quis replicar o movimento histórico de circulação de navios ao redor do mundo, com aventuras e exploração de novos continentes”, reforça Hideo Kojima.
Para ele, isso ditaria o tom de Death Stranding 2 de formas únicas. Mesmo ligado ao primeiro sistema, ele teria uma abordagem completamente distinta para o público.
“Estas aventuras mostravam grandes companhias marítimas que dominavam o comércio global. Quem tinha poder de navegar, dominava o mundo. Esta é a forma como eu quis explorar o conceito de Death Stranding 2, com dominação e dependência”, diz o diretor.
As mudanças não existiram apenas nos conceitos, mas também através do salto tecnológico que existiu entre a produção do primeiro com o que vimos em Death Stranding 2. Além de serem produzidos para videogames diferentes, os recursos também evoluíram.
Ele ressalta que usou ferramentas como a inteligência artificial para entregar uma alta fidelidade gráfica, sem perder o tom da narrativa e entregar um gameplay que era esperado de um projeto de sua autoria.
“No primeiro jogo eu tentei e tomei muito cuidado para a imagem ser a mais real possível, mas o resultado não foi satisfatório. Em Death Stranding 2, utilizamos a IA e fizemos tudo para ser mais realista. Porém, tomamos muito cuidado ao utilizá-la e refinamos muito do material obtido”, diz Kojima.
Além disso, ele revela os conceitos de ter projetado o Social Strand System para ambos os jogos. Para o diretor, o propósito era apresentar algumas das contradições que vivemos em nossa vida fora dos jogos.
“Hoje em dia é tudo online, não é possível ficar sozinho por ter conexão para o mundo todo. Mesmo assim, existe a solidão. O Strand System surgiu disso. Nos outros jogos, você se conecta a outros, mas para lutar. Porém, não era o que eu queria. Em Death Stranding você se conecta a alguém, mas é um pouco mais indireto por não haver uma batalha ou luta direta”, afirma Kojima.
Jogo se conecta ao mundo real
Ainda que o primeiro título apresente um mundo quebrado, é importante lembrar que ele foi produzido antes da pandemia. No entanto, o 2º foi projetado durante este período, o que mexeu com os sentimentos do diretor e de toda a equipe de desenvolvimento.
Hideo Kojima revela que foi muito impactado nos anos que o COVID-19 ganhou forças, porém isso serviu para ver alguns dos grandes problemas que a sociedade enfrenta atualmente.
“Fui muito influenciado pela pandemia. Ali, todos estávamos conectados, mas isolados. Porém, a conexão demais também pode ser algo ruim. A distância é necessária. Muitos de nós esquecemos do valor dos encontros reais ao estar sempre online. Essa é a reflexão que eu quis trazer para Death Stranding 2”, diz o diretor.
Ele também encarou desafios em sua vida pessoal na época da pandemia, com problemas que moldaram a forma como desenvolveu toda a trama e progressão do seu último jogo.
“No meu caso, fiquei doente e na solidão. Foi um pacote muito pesado. Sofri bastante, mas nessas condições eu tive de continuar a desenvolver Death Stranding 2. Ia no escritório, mas não tinha ninguém lá. Reuniões eram apenas online. Refleti muito para onde o mundo vai. Será que continuaria tudo à distância?”, indagou Kojima.
O diretor aponta que o desejo era transmitir esses sentimentos, enquanto expandia o conceito que trabalhou no seu antecessor. Desta forma, aproximava ainda mais a arte do mundo real.
“Antes, o foco era solidão e isolamento. Em Death Stranding 2 quis mostrar a mesma solução, mas de outra forma. Ela tem aspectos mais compreensíveis e humanos”, revela o fundador da Kojima Productions.
Para melhor compreensão, Hideo Kojima explicou na coletiva o que queria transmitir com os sentimentos mistos que eram expostos através de Sam dentro da trama do seu último jogo.
“Você pode pensar em um pai ou mãe que trabalha o dia todo e chega em casa com cansaço, enquanto a família descansa. É essa sensação de estar lutando sozinho, o que é muito real e é exatamente o que Sam sente. Mesmo em família, às vezes é possível sentir solidão. Quis traduzir isso de forma sentimental”, afirma o diretor do jogo.
Em determinado ponto da trama de Death Stranding 2, também é possível ver um incêndio em grande escala — que destrói árvores, afugenta animais e causa grandes problemas. Hideo Kojima revela que isso foi inspirado nas constantes tragédias que vemos todos os dias, no mundo inteiro.
“O planeta está em desequilíbrio contínuo. Vemos acidentes, enchentes, pessoas que perdem suas casas. Não dá para ignorar isso. A intenção não é explorar isso do ponto de vista moral, mas mostrar que eles fazem parte do contexto da sociedade em que vivemos. As conexões não são apenas entre pessoas, mas também entre o homem e o planeta”, reforça.
Bastidores de Death Stranding 2
Hideo Kojima também expôs alguns detalhes dos bastidores de Death Stranding 2, com curiosidades sobre a forma como o jogo se desenvolveu e da participação dos atores no processo de captura de movimentos.
Ele reforça que Norman Reedus teve problemas para interpretar Sam Bridges no novo jogo, por momentos mais delicados e que exigiam uma forma única de atuação.
“Começamos a gravação e havia uma cena em que Sam acordava e chorou. Foi logo no início da manhã e ele perguntou ‘tem que chorar?’. Ele ficou revoltado, sem conceber como alguém consegue começar a manhã chorando. E este desconforto traz boas atuações para o jogo”, diz Kojima.
A parceria com o ator vem desde a demo P.T., o que garantiu grandes projetos para Reedus longe de The Walking Dead. Ele estrelou tanto o primeiro jogo quanto Death Stranding 2.
Agora, o ator e Hideo Kojima se tornaram amigos e ele até ajuda o diretor a alinhar a equipe durante as gravações. Ele é descrito como um grande aliado no processo de produção.
“Trabalho com ele há muitos anos, já comemos juntos várias vezes e conhecemos as famílias um do outro. Ele é uma pessoa muito atenciosa. Ele é o tipo de gente que, se há alguém nervoso no set, ele vai até a pessoa e brinca com ela para aliviar as tensões”.
No fim das contas, ele revela que o profissional é um ser humano que ele admira e que pode contar — seja para atuar, auxiliar ou para liderar os demais atores entre as gravações.
“No primeiro jogo, ele não entendia por completo o que eu queria. Porém, em Death Stranding 2 ele compreende cada aspecto e até ajuda na orientação com os outros atores do elenco”, revela Kojima.
O diretor também afirma que não chama os atores por questões como popularidade ou fama. Ele indica que trabalhar com pessoas famosas nem sempre é a melhor experiência e ele se decide através de uma série de fatores.
“Só trabalho e escolho atores que admiro. Eu considero o caráter de cada um. Trabalhar com celebridades dá muita dor de cabeça. São questões como cronograma apertado, expectativas e muita pressão envolvida. Mas eles trazem algo importante: profundidade emocional. O jogo depende deste aspecto”, afirma Hideo Kojima.
Ele destaca outro momento das gravações, com a atriz Léa Seydoux. Para o diretor, nenhuma cena sai da forma como ele previu — justamente por confiar plenamente no profissionalismo dos atores de trazer emoções que ele sequer escreveu.
Na coletiva da BGS 2025, ele revela que mesmo ao sair do roteiro, Seydoux teve uma performance que era compatível com o que esperava da atriz e de sua personagem.
“Era cedo e tínhamos começado as filmagens. Em uma cena, Fragile precisava demonstrar vulnerabilidade. Porém, o roteiro não dizia para ela chorar. A partir disso, Léa se emocionou de verdade e chorava espontaneamente. Foi uma cena genuína, tocante. Eu mandei deixarem ela da forma como gravamos, não fizemos ajustes”.
Já sobre os personagens, ele revela ter criado codinomes como Heartman, Fragile, Rainy e outros para manter o impacto de todos intacto. Para Kojima, nenhum deles poderia se destacar mais que o outro.
“Não queria que os personagens chamassem a atenção demais. Cada nome reflete uma característica e eu quis que todos tivessem um peso dramático similar — sem que nenhum se sobressaísse ao outro. Isso também influenciou o design deles, para manter tudo equilibrado”.
Essa filosofia, no entanto, segue diferente para os vilões. Para Hideo Kojima, personagens como Neil Vana e Higgs precisavam de um destaque maior para o público compreendê-los.
“Não gosto de vilões que só fazem maldade. Eles chegam, ameaçam o herói e perdem. Queria que os jogadores entendessem por que e como eles se tornaram desse jeito. Todo vilão tem uma história por trás, um passado, uma razão”.
Por fim, ele conecta o jogo com a cultura em uma mensagem que pode fazer muitas pessoas refletirem.
“Um jogo sempre reflete o tempo que foi criado. Jogadores trazem bagagem e experiências. Algumas vezes assistimos um filme antigo e ele parece outro, mas é porque o mundo é outro. O mesmo vale para os games. A arte sempre dialoga com o momento em que vivemos”, diz Hideo Kojima.
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