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Análise | Mooseman é uma linda história sobre mitos russos com pouca gameplay

Por| 27 de Julho de 2018 às 13h38

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Wagner Wakka/Canaltech
Wagner Wakka/Canaltech

The Mooseman é um jogo que compõe uma série de narrativas solitárias e intimistas recentes. Em um universo de lançamentos como Shape of The World e FAR: Lone Sails, este novo título chega para somar a histórias nas quais o jogador é colocado completamente isolado. Uma campanha para ser vivida na companhia de nós mesmos e mais ninguém.

Não à toa, The Mooseman é um jogo tão solitário e introspectivo. Ele é baseado em mitos de tribos isoladas da Rússia. Aqui, os desenvolvedores da gigantesca cidade de Perm, localizada a nordeste da parte europeia do país, usam as histórias locais para criar o game.

Muito da experiência de vida deste time está no jogo: animais, longos montes como os Urais, muita neve e, claro, solidão. O jogo foi desenvolvido por um pequeno time do estúdio Morteshka. “Mort, que é morte em francês, e Matreska, a famosa boneca russa”, explicam os desenvolvedores.

Essas ligações de morte estão bem presentes neste título. O jogador controla Mooseman, um personagem baseado em mitos levantados pela Morteshka e que é referência de objetos e animais da região de Perm. Aqui, este ser humano, com partes de animal e um toque místico, precisa caminhar por um ambiente 2D em rolagem lateral e passar por todos os universos propostos pelo curto jogo.

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The Mooseman não deve durar mais de uma hora em gameplay: o que são 60 minutos de muita beleza e história em profundidade, e falta de criatividade em gameplay. Vamos aos pontos.

Colírio

Jogar The Mooseman é caminhar por uma série de quadros muito belos e limpos. Baseado em uma paleta de cores entre azul, cinza e branco, toda a pintura coloca o jogador quase que automaticamente no universo solitário e gélido de uma Rússia siberiana. Se o jogo em si não explícita onde o jogador está, ao menos situa as sensações que gostaria de passar.

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Isso acontece pela habilidade de Vladimir Beletsky, o lead designer do game, que mostra destreza não somente em conhecer paletas e desenhos, mas também sabe brincar com a criação de objetos e formas quase que antepassadas.

Neste sentido, o visual é obviamente o ponto alto de The Mooseman. Não raro, é possível que você se pegue andando a esmo, esquecendo do personagem e olhando para tudo que está na tela.

Por vezes, a câmera se afasta para bem longe, dando uma dimensão minúscula a Mooseman. Uma técnica visual muito bem empregada aqui para verter um sentimento ambíguo de fraqueza e empoderamento. Como o jogador não é munido de muitas ferramentas para se defender ou atacar (em um raro momento, você ganha um arco-e-flecha), é este jogo de câmera que brilhantemente dita o sentimento de força e fraqueza, ao aumentar e diminuir o personagem em seu mundo.

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Fica claro aqui que Beletsky conhece e sabe implementar muito bem seus conhecimentos visuais no jogo e trabalhar em favor da história que quer contar.

Ainda, o título utiliza uma técnica de construção de cenário chamada de parallax scrolling. Isso é, o desenvolvedor divide o ambiente em várias camadas que, sobrepostas, montam o cenário que ele quer apresentar. Com isso, é possível movimentar as diferentes camadas em diferentes momentos para criar a sensação de um mundo mais dinâmico.

Em The Mooseman, há pelo menos três camadas constantes de construção: a mais próxima “da tela”, constantemente trazem árvores e outros elementos que cortam a visão, utilizados como transição entre fases; a segunda, o meio no qual Moseman caminha; por fim, lá no fundo, aparecem pinturas, animais e outros objetos que contam a história do jogo. Neste sentido, é um trabalho primoroso.

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Profundidade

Essa mecânica de camadas casa muito bem com a proposta narrativa do game. Mooseman, como o ser mitológico que é, também tem a habilidade de ver para além do mundo dos vivos. Com uma espécie de cabeça de um animal morto, a entidade observa o invisível aos olhos comuns: o mundo dos mortos.

Para além disso, na mitologia dos povos de Perm, a criação humana também permeia três universos. Aqui é preciso caminhar pelo mundo inferior, abaixo do oceano; no mundo em que estamos; e no superior, onde apenas os deuses vão para descansar.

Uma caminhada pacata e letárgica pelos ambientes do game sem que muito seja essencialmente explicado. A história é percorrida por longos textos e muito pouco intrincada com a gameplay. Assim, entre o loading de uma fase e outra, uma voz em russo conta a história traduzida em inglês na tela. Textos arrastados quem nem a voz potente da narradora conseguem cativar, uma vez que o entendimento e o drama se perdem pela desconexão de sentido (isso para os não falantes do russo, claro).

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Essa história é complementada por símbolos que se encontram pelo caminho. Baseados em estudos e textos históricos (inclusive com fonte detalhada no inventário), são estes desenhos que contam efetivamente a caminhada de Mooseman.

Contudo, se o jogador já anda devagar, com pouca ação e sem muita interatividade em tela, este convite para que se pare tudo e vá ao inventário ler os trechos de narrativa fazem com que o jogo se torne ainda mais arrastado do que é.

Falta a The Mooseman a malícia de diluir contexto e história junto com a gameplay, duas camadas de um mesmo jogo que, tal qual tivessem sido feitas em parallax, caminham de forma independente, quase sem se conversar.

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É para jogar?

Isso nos remete ao ponto mais problemático e quase que excludente de The Mooseman: a sua gameplay. Com a utilização de alguns bem poucos botões, a impressão que os controles deste título passam é de que o jogador está somente esperando a próxima imagem bonita a ser admirada.

No controle lateral de Mooseman, o jogador tem apenas um botão para apertar, o que intercala entre a visão do mundo dos vivos e dos mortos. Isso cria uma série de quebra-cabeças interessantes, quando a simples troca de visão denuncia o caminho a ser seguido.

Isso cria um problema sério. A falta de controles faz com que os quebra-cabeças sejam muito pouco desafiantes, de forma que só a mudança de visão já resolve o problema. Aqui vale a exceção de pedras e galhos que se transformam em animais e podem ser transportados na mudança de visão, uma mecânica até que interessante para o gênero.

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Contudo, lá pela milésima vez que você está repetindo esta ação, tal mecânica se torna tão automática quanto simplesmente mudar a visão de mundo.

Ainda, a mistura de falta de informação em tela (em contrapartida com o montante dos menus) e os lindos desenhos cheios de detalhes, por vezes, faz com que o jogador não perceba um puzzle a ser resolvido até que dê de cara com uma parede intransponível. Aí, é preciso voltar todo o caminho com o lento personagem em busca de uma solução.

Ritmo

Junto com o jogo de câmera e os belíssimos desenhos, caminha também uma trilha sonora que dita o ritmo dos sentimentos tanto quanto imagens. Ao se jogar em um grande mundo aberto, em que a câmera se abre e torna Mooseman um minúsculo objeto na tela, a trilha também cresce em um coral. Isso dá todo aquele tom não só épico como convida para uma aventura, mostra o brilhantismo do mundo e por vezes aquece o coração naquele ambiente gelado de tons azuis.

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Em um determinado momento, a ausência de sons dita um aspecto fúnebre, misturado a uma sensação de soterramento: ou seja, uma metáfora do enterro. Toda essa combinação é genial em seus pontos, mas dura tão pouco e é tão singelo que pode passar despercebido aos olhares menos descuidados.  

Por fim, vale destacar o trabalho sonoro muito bom de Mikhail Shvachko, quem coordena o coral de estudantes da Perm Krai College of Arts and Culture da cidade de Perm. As vozes humanas, por vezes mescladas aos instrumentos, dão uma sensação de companhia naquele vasto ambiente de solidão.

Profundo e efêmero

Por fim, The Mooseman é um trabalho de levantamento histórico e apresentação de uma história muito importante para a conservação de mitos russos. A Morteshka mostra preocupação e trabalho a se respeitar para a produção deste jogo. Nos créditos, aparecem ao menos três trabalhos sobre a história do povo da região, além de agradecimentos a pesquisadores e ao museu de história de Perm, mostrando que toda ambientação, iconografia e narrativa foram feitos com muito carinho por quem mora lá.

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Junto disso, vale frisar que a arte é um excelente presente deste jogo, com visões, desenhos, grafias, tudo muito bonito e bem ambientado. Atrelado a pequenos detalhes como jogo de câmera e composição sonora, trazem a devida sensação que o jogo claramente quer que você tenha.

Contudo, o que faltou foi atrelar tudo isso a uma gameplay mais interessante e que abraçasse a narrativa tal qual fazem todos os outros elementos tão bem executados. Como um jogo, talvez este seja um deslize feio e que pode afastar grande parte dos jogadores mais interessados em apertar botões que ler grandes trechos de texto estático. Ainda, pela falta de uma tradução em português, aliado a um texto recheado de terminologias em russo, a compreensão completa por um não-falante nativo pode comprometer o entendimento da história.

Contudo, ainda assim vale mergulhar neste título, até porque não dura mais de duas horas para os mais empenhados leitores. Tempo que é o limite para a letargia de gameplay, mas o suficiente para ter uma boa experiência com o jogo.

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The Mooseman foi desenvolvido pela Morteshka nos PCs e portado para consoles pela Sometimes You com publicação independente. No Steam, ele chegou em fevereiro de 2017 e foi lançado para PlayStation 4, Xbox One e Switch em 18 de julho de 2018.

No Canaltech, o jogo foi analisado com uma cópia para PlayStation 4 cedida gentilmente pelos desenvolvedores.