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Análise | O legado do Japão e da história dos videogames em Shenmue I & II

Por| 28 de Setembro de 2018 às 13h35

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Quando Shenmue foi lançado para Dreamcast, praticamente na véspera de ano novo de 1999, o jogo foi bastante aclamado pelas inovações técnicas e gráficas que trazia. Ele era basicamente uma epopeia nipônica cuja história trazia a premissa da vingança, mas que, na verdade, era muito mais do que isso.

A continuação saiu quase dois anos depois, em setembro de 2001; desta vez, Shenmue II chegou também ao Xbox, além do Dreamcast – já que o console da SEGA estava quase no fim de sua breve, porém memorável existência. Em termos estrita e minimamente técnicos, o novo jogo não era tão bom quanto o original, mas era muito mais grandioso em questões de narrativa.

Todavia, apesar de grandiosos e de trazerem inovações de mecânicas de jogo, os dois primeiros games da série foram fracassos comerciais, o que levou o terceiro capítulo da saga de Ryo Hazuki a quase uma década de desenvolvimento. Com a saída do criador Yu Suzuki da Sega, em 2011, as coisas só pioraram.

Na E3 de 2015, finalmente ele apareceu na conferência da Sony para anunciar que Shenmue III poderia ser feito se os fãs ajudassem em uma campanha de financiamento coletivo. O Kickstarter do terceiro game bateu alguns recordes de arrecadações por conta da rapidez com que alcançou suas metas, e, agora, o jogo está previsto para chegar em 2019.

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Enquanto isso, o primeiro e o segundo Shenmue, foram relançados remasterizados para PC, Xbox One e PlayStation 4 em agosto... Ou quase isso. Afinal, os games estão apenas polidos, mas não necessariamente consertados ou aprimorados. Até mesmo os ícones do Dreamcast ainda podem ser vistos no menu. O que é bom e, ao mesmo tempo, terrível.

Copo meio cheio

O fato de Shenmue I & II terem sido praticamente compilados e não terem recebido grandes melhorias em relação ao original é algo peculiar. É bom e ao mesmo tempo é ruim. O lado positivo dessa abordagem é que os jogadores que não puderam experimentar o título como veio ao mundo, em 1999, terão essa chance agora.

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Por outro lado, eles colocarão as mãos em um produto que poderia ter sido melhorado, ainda mais quando os videogames evoluíram tanto e outros produtos, nascidos na carona de Shenmue, foram lançados na última década, como é o caso da franquia Yakuza. Para os jogadores de primeira viagem, fica aquela impressão, portanto, de que o título envelheceu muito mal, o que não é bem o caso.

Em defesa dos remasters, e após ter jogado o primeiro na época do Dreamcast, é possível afirmar que o título envelheceu muito bem. Embora os gráficos não sejam ultrarrealistas, existem inúmeros e preciosos detalhes nos cenários, além de expressões faciais e movimentos corporais repletos de vida, que não deixam a desejar para os games mais atuais.

Além disso, é muito interessante ver como o jogo ainda se destaca com suas mecânicas, as quais inovaram os videogames para sempre quando foram apresentadas. Engana-se quem pensa que, por ter uma premissa baseada na vingança, Shenmue é apenas um jogo de pancadaria.

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O jogo começa com bastante drama, apresentando Ryo correndo em direção à sua casa para, então, perceber que ela está sob ataque. Quando ele adentra o local, vê que um homem misterioso chamado Lan Di está no dojo de sua família, interrogando e torturando o pai do herói.

Após Lan Di obter o que ele queria (um espelho misterioso) e deixar algumas frases soltas que dão a entender que o pai do protagonista e ele têm mais história do que aparenta, o homem finaliza o pai de Ryo com um golpe mortal e vai embora. Passado algum tempo, o herói começa a investigar o que realmente aconteceu para se vingar. Parece simples, mas Shenmue vai muito além.

Simulador da vida

Shenmue, na realidade, é basicamente uma trama investigativa em que o jogador precisa gerenciar o dia-a-dia do protagonista enquanto ele coleta pistas sobre as pessoas envolvidas no assassinato de seu pai. Isso significa que o jogador passará uma parcela do primeiro jogo coletando informações pelos bairros mais próximos, conversando com pessoas e participando de atividades com elas, ajudando-as com algumas tarefas; e aos poucos progredindo na história.

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As informações mais relevantes são armazenadas em um bloco de notas que o protagonista carrega consigo e que pode ser acessado a qualquer momento. Mas, ainda assim, é necessário conversar com todos e, vez ou outra, participar de uma side-quest, ajudando um morador local com algum favor – e claro, recebendo uma recompensa por isso.

O dois Shenmue não são exatamente longos de terminar, mas exigem atenção, e isso, por si só, é um tanto cansativo. Porque basicamente o jogador precisa prestar atenção no que as pessoas da cidade estão falando, nas informações que elas têm, e, ele mesmo ir conectando os pontos da trama.

Além disso, não existe indicador na tela apontando para onde o jogador tem que ir. Existem mapas espalhados pelos locais e é possível visualizá-los, mas não pegar ou guardá-los. Então, nessa parte, o jogador precisa memorizar as localizações e as pessoas que ali habitam, para caso preciso retornar e falar com alguém específico.

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Apesar de isso prejudicar um pouco a progressão da história, dando a impressão de que a trama é arrastada, na verdade é esse fato que torna Shenmue tão único. O game, afinal, não é apenas um game de aventura e porradaria; ele é, na verdade, um simulador da vida.

Raciocine junto: imagine que na vida real você, caso tenha acabado de se mudar para uma vizinhança, também teria de memorizar os nomes das pessoas que moram por perto, fazer amizade com elas e auxiliá-las vez ou outra para que também possa receber ajuda de volta quando precisar. Algumas das bases de um bom convívio são fundadas nesses preceitos. E em Shenmue também é assim.

A hora dentro do jogo, obviamente, passa muito mais rápido do que na vida real, mas isso também afeta como é o convívio com os vizinhos e a interação com eles. As pessoas têm suas próprias agendas dentro do jogo: elas saem cedo para estudar ou trabalhar ou cuidar de qualquer responsabilidade e voltam para suas casas depois de algumas horas.

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Os estabelecimentos também têm seus próprios horários e o jogador precisa respeitar isso caso queira frequentar algum local específico. Quando é tarde da noite, inclusive, é preciso levar Ryo para descansar em sua casa, e ainda há as tarefas básicas que ele precisa fazer, como alimentar os gatos, treinar golpes, conversar com a empregada, etc.

E, por falar em golpes, nos momentos em que existem brigas de verdade dentro do jogo, é preciso usar as técnicas aprendidas e ficar atento com a barra de energia de Ryo no canto inferior esquerdo. Os comandos para os socos e chutes podem ser sempre verificados no menu a qualquer momento e, quando as lutas acontecem, basta apertar os botões do controle e fazer as sequências.

Por fim, há ainda um fator que torna Shenmue icônico no mundo dos videogames, que são os Quick Time Events (QTEs). O primeiro jogo foi praticamente o pai dessa mecânica, onde um botão aparece na tela e o jogador precisa apertá-lo corretamente e na hora certa durante cutscenes especiais para que o game prossiga com a animação.

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Vale apontar que, todas essas partes, de trechos com brigas e de sequências de comandos durante cenas, não acontecem sempre como as pessoas imaginam. Porém, justamente por serem eventos de fato raros de ocorrerem, acabam se tornando mais do que especiais quando finalmente acontecem.

Tá bom, mas tá ruim

Ainda que seja incrível quando os QTEs e batalhas acontecem, é preciso apontar para as pequenas inconsistências desses trechos que, como já mencionado por aqui, poderiam ter sido resolvidos se os dois Shenmue tivessem recebido um tratamento completo e tivessem sido relançados como remasterizações de verdade – muitas vezes dá mais a impressão de que se tem em mãos um port e não um remaster, para se ter uma noção.

Isso porque muitos dos comandos no controle não parecem ter sido aprimorados ou ajustados para os consoles atuais. A movimentação de Ryo ainda é dura e pouco fluída, quase como uma jogabilidade tank (semelhante a Resident Evil, Silent Hill e tantos outros onde é preciso primeiro endireitar o boneco em uma direção e só depois seguir em frente). E ainda existe limitação de espaço, com o personagem travando em alguns cantos.

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Esses detalhes não chegam a fazer o jogador desistir de prosseguir com o jogo, mas atrapalham em diversos momentos. Nas primeiras lutas, é necessário ter paciência para se adequar aos comandos, ainda mais quando a sequência de batalha for contra vários outros bonecos ao mesmo tempo. Chega a ser exaustivo, apesar de recompensador quando se consegue finalizar esse tipo de evento.

O sistema de combate, por sinal, é bastante semelhante ao de Virtua Fighter, que também é da Sega. Então, caso o jogador esteja ao menos familiarizado com a jogabilidade dessa série de luta, se sairá relativamente bem em Shenmue quando “o couro comer”.

Outro aspecto que deixou a desejar nessas remasterizações foi o tratamento dado ao som. A música continua ótima, mas o áudio da dublagem falha aqui e acolá, com o volume diminuindo sozinho em alguns momentos; ou se tornando abafado de uma hora para outra. Mas, dos males o menor: a Sega manteve a dublagem original em japonês e legendas opcionais em vários idiomas, incluindo o inglês (dica: fuja da dublagem americana).

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Legado da Sega, dos videogames e da Ásia

Shenmue I & II Remastered é praticamente um port das versões originais: melhorado apenas em alguns aspectos, mas imaculado em muitos outros. Como já comentado por aqui, não terem modificado drasticamente algumas características é ótimo porque os jogadores vão poder experimentar mais ou menos como era na época que ocorreu o lançamento dos dois jogos. Por outro lado, essa experiência pura pode não agradar muito aos mais novos, que estão acostumados com outra dinâmica em games mais recentes do mercado.

Em todo caso, esse clássico merece ser saboreado (ou revisitado, caso tenha jogado as versões originais dos primeiros capítulos da saga). Esses jogos foram lançados há quase vinte anos e trazem consigo um grande legado dos videogames e da história da Sega e do Japão.

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Foi um projeto ambicioso que literalmente inovou o segmento, seja pela capacidade gráfica de manter a taxa de quadros consistente enquanto apresentava gráficos detalhados e cheios de vida em todo um cenário; seja pela trilha sonora fantástica e emocionante; pelas mecânicas de jogo que apresentou; pelos incontáveis minigames que referenciam a Sega (aquele forte abraço para quem também perdeu horas jogando Super Hang-On DENTRO de Shenmue); ou ainda pelos amplos e críveis cenários com passagem de tempo real e inúmeros personagens que tinham nomes e uma vida própria... Enfim, Shenmue foi praticamente um ecossistema completo dentro de um videogame.

E, por falar em cenários vivos, críveis, abertos e etc.; os dois games também possuem uma grande responsabilidade pela influência que trouxe para games posteriores, trazendo uma progressão de narrativa que acompanhava a exploração dos ambientes. O primeiro Shenmue, afinal, se passa na cidade de Yokosuka, mas o segundo começa com Ryo chegando em Hong Kong, expandindo o mundo e as possibilidades de interação com pessoas e locais.

A Sega inclusive lançou um vídeo de comparação entre alguns cenários que existem dentro do jogo e que foram inspiradas (ou diretamente retiradas) de localidades da vida real, o que pode significar que Shenmue não carrega apenas um legado inovador para a Sega ou para a indústria de videogames, mas também traz consigo um pedacinho do Japão e da China propriamente ditos. Mais do que recomendado, é um título obrigatório para quem gosta de história, seja ela dos consoles ou do nosso mundo.

Shenmue I & II Remastered está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC. No Canaltech, o jogo foi analisado cópia gentilmente cedida pela Sega.