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Análise | Dandara representa muito bem o cenário indie brazuca

Por| 13 de Fevereiro de 2018 às 09h29

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Análise | Dandara representa muito bem o cenário indie brazuca
Análise | Dandara representa muito bem o cenário indie brazuca

Considerando os games independentes lançados desde o grande boom dos títulos indies, existem poucos, porém, ótimos exemplos de estúdios nacionais que conseguiram ganhar notoriedade na indústria, seja com Chroma Squad e Knights of Pen and Paper, do Behold Studios; ou outros títulos como Horizon Chase, da Aquiris; e Oniken, do JoyMasher.

Indo um pouco além, se nos atermos apenas aos games que realmente assumem uma identidade inspirada na rica e vasta cultura e história brasileira, fica ainda mais difícil lembrar de bons exemplos de títulos que realmente representem o Brasil lá fora, sendo os dois únicos exemplos que eu me recordo: Aritana and the Harpy’s Feather, do estúdio Duaik; e o mais recente Dandara, do qual falaremos nesta análise.

Desenvolvido pela Long Hat House, Dandara é o segundo jogo de grande escopo do estúdio independente mineiro, trazendo a principal estrutura dos games do gênero metroidvania. Com leves inspirações na figura histórica homônima, Dandara é uma guerreira que é despertada para restabelecer equilíbrio e libertar os espíritos do mundo de Sal das garras de um líder autoritário e opressor.

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Ao adentrarmos no mundo de Sal, logo percebemos que não há força gravitacional, uma característica que dá abertura para a principal habilidade de Dandara: saltar livremente em direção a determinadas superfícies, sinalizadas normalmente pela cor branca, em um sistema em que é necessário mirar e saltar para o local desejado.

Dessa forma, não há os movimentos tradicionais de pular e correr que estamos acostumados, o que pode causar uma sensação de estranhamento nos primeiros minutos de jogo. No entanto, ao dar esse toque único à jogabilidade, Dandara consegue impressionar e inovar com cenários que exploram ao máximo as interações com as plataformas, além de oferecer uma espécie de assistência de mira para proporcionar movimentações mais rápidas pelo mapa.

Para lidar com os inimigos, Dandara pode disparar projéteis de energia de alcance limitado que se dispersam no ar como tiros de espingarda. Apesar de causar muito dano aos adversários, é preciso ter muita cautela, pois esse ataque básico exige alguns instantes para ser carregado, deixando a personagem vulnerável por um curto intervalo de tempo.

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Tendo em vista os conceitos de movimentação e de ataque do game, e que ambos trazem abordagens pouco convencionais, leva um tempo para se adaptar completamente às mecânicas e utilizar cada uma delas de forma realmente eficiente, pois é preciso saber o momento exato de atirar e se aproveitar dos saltos para escapar de ataques do inimigo ou reposicionar-se durante os combates.

Neste caso, ainda que tais características possam ser encaradas como um atrativo ou diferencial para os que gostam de desafio, elas podem facilmente afastar jogadores mais casuais, uma vez que não há um ajuste de dificuldade, bem como ocasionar alguns pequenos problemas de orientação no mapa, dos quais falaremos mais adiante.

Uma mistura que deu certo

Por mais que a definição mais justa para Dandara seja a de um metroidvania, os pontos em que ele ganha mais destaque são justamente aqueles em que ele não segue os fundamentos do gênero. Temos um mapa relativamente grande para explorar, baús que escondem itens e poderes, áreas com visuais distintos e diversas partes que só podem ser exploradas ao desbloquear habilidades específicas — e tudo isso representa apenas o alicerce do que o game tem a oferecer.

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A primeira diferença conceitual em Dandara está nos pontos de Sal, que são as “almas” que podem ser obtidas ao destruir objetos ou ao eliminar inimigos e podem ser utilizadas para desbloquear melhorias para a personagem nos acampamentos, local responsável também por salvar o progresso e restaurar toda a energia e a vitalidade da guerreira.

Ao morrer, o jogador perde os pontos de Sal, tendo a oportunidade de recuperá-los indo novamente ao local em que a personagem foi derrotada. Porém, vale notar que caso a derrota ocorra duas vezes consecutivas, tais energias não podem ser mais resgatadas.

Isso adiciona uma dinâmica muito mais estratégica ao jogo, exigindo que o jogador planeje os caminhos que irá percorrer e considere todos os perigos em cada um dos trajetos para evitar mortes desnecessárias. Se neste momento você estiver pensando em Dark Souls, saiba que a comparação é totalmente válida, pois o game pega emprestado algumas características da influente série da From Software.

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Exploração, poderes e chefes

Retornando um pouco aos moldes dos metroidvanias, no começo do game é possível acessar apenas uma área muito limitada. À medida em que novas habilidades são desbloqueadas, Dandara recebe novos poderes que permitem manipular diferentes tipos de plataformas, cada uma delas representada por diferentes atividades artísticas, como pintura e música, algo que torna possível a exploração de áreas do mapa que ainda não foram descobertas.

O game acerta em cheio na forma como trabalha as ações de salto e de ataque, ocasionando em puzzles inteligentes e em momentos em que é preciso mesclar agilidade com raciocínio para superar obstáculos. Um dos exemplos práticos de uso criativo das mecânicas únicas que o jogo possui é o de utilizar o poder de disparo para impulsionar Dandara para os lados ou girar plataformas flutuantes.

A variedade de habilidades também agrada, com um leque de abordagens ofensivas contra os diferentes tipos de inimigos. Tais opções de ataque permitem que cada jogador defina a sua combinação favorita de poderes.

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Outra coisa muito esperada de metroidvanias, e que não poderia faltar em Dandara, são os chefes. Neste ponto, devo dizer que os subchefes não impressionam muito, com ataques que se resumem a investidas ou disparos rápidos, enquanto os bosses principais realmente oferecem batalhas distintas e com abordagens próprias.

De longe, um dos maiores problemas de Dandara está na forma como ele aborda a navegação pelo mapa, sobretudo nos momentos em que o game faz o movimento de rotação com a câmera, ocasionando situações em que é difícil saber em qual das saídas seguir para chegar ao local desejado.

Outra questão que deixa a experiência um pouco cansativa é tentar retornar a um ponto muito distante no cenário, uma vez que a habilidade de “viagem rápida” (fast travel) é desbloqueada somente nos últimos trechos do game, forçando o jogador a percorrer todo o caminho.

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Um toque de brasilidade

Incorporando cenários que combinam ambientes variados como florestas, desertos, cidades e até mesmo um pouco do sci-fi de Metroid, Dandara oferece uma bela arte no estilo 16 bit que alia o fantástico com o surreal e o tecnológico para compor sua própria identidade. Tudo isso, claro, sem deixar de lado os detalhes que não negam as origens brasileiras do estúdio Long Hat House, que vão desde a presença de placas de ruas com a cor azul a referências mais óbvias como a aparição da personagem Tarsila, em uma homenagem à artista Tarsila do Amaral e à sua maior obra, Abaporu.

A trilha sonora do título indie também não deixa nem um pouco a desejar. Ainda que sem inspirações na musicalidade brazuca, ela ambienta muito bem o game com melodias variadas de ação e algumas que traduzem muito bem o clima de constante mistério e isolamento.

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Veredito

Depois de desbravar o mundo de Sal por mais de 20 horas, e considerando todos os aspectos mencionados ao longo dessa “breve” análise, tenho de admitir que Dandara não acerta em todos os aspectos, com problemas pontuais no sistema de navegação, mas que, de modo geral, não chegam nem perto de diminuir ou ofuscar todo o potencial do game.

Embora Dandara seja apresentado como um metroidvania, o que mais me surpreendeu nele é a forma como o jogo consegue unir referências de diferentes origens, seja em aspectos de narrativa ou de jogabilidade, e, a partir disso, criar a sua própria identidade sem apelar para o óbvio.

Mesmo se eu desconsiderasse toda a minha parcialidade, ignorando o fato de que o game é o resultado de um trabalho árduo de um estúdio independente brasileiro (sim, em um país que não oferece todo o incentivo necessário), ainda assim diria que Dandara é um jogo que merece ser jogado por todos os fãs de metroidvania e aqueles que se interessam por jogos indies em geral, seja por sua originalidade artística ou por sua jogabilidade singular marcante.

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* Dandara está disponível para Nintendo Switch, PlayStation 4, Xbox One, PC e dispositivos móveis. No Canaltech, ele foi analisado no Nintendo Switch com cópia gentilmente cedida pela Long Hat House.