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Vale a pena comprar um fone de ouvido por 6 centavos no AliExpress?

Por| Editado por Jones Oliveira | 21 de Maio de 2021 às 20h00

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Captura de tela/Felipe Demartini/Canaltech
Captura de tela/Felipe Demartini/Canaltech

Um desconto de 99,9% no valor de um produto é exatamente o tipo de oferta que poderíamos considerar imperdível — e uma que, no noticiário de segurança do Canaltech, costumamos alertar como golpe. Mas e quando esse tipo de promoção vem de um dos maiores sites de varejo do mundo e um dos queridinhos dos brasileiros na hora de comprar da China, o AliExpress? A junção entre curiosidade e a necessidade de um par novo de fones sem fio levou a reportagem a testar essa mistura que custou R$ 0,06, com resultados impressionantes para o bem e para o mal.

O modelo em promoção que adquirimos é da marca chinesa F9, um bocado desconhecida, é verdade. Na apuração desta reportagem, não conseguimos encontrar um site oficial da marca ou algum tipo de serviço de suporte oficial. Por outro lado, sobram os anúncios de fones de ouvido sem fio da empresa em sites que vendem direto da China e também brasileiros, como Mercado Livre e grandes varejistas, a partir de cadastros feitos por vendedores parceiros. A companhia também tem seu nome atrelado a smartwatches de qualidade duvidosa e power banks, apesar de os equipamentos para áudio serem, de longe, os mais populares.

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Toda pesquisa, entretanto, é dificultada por um fator comum: os produtos da F9 não parecem possuir modelos identificados de maneira clara. Visualmente, nos sites de venda, é possível perceber que existem pelo menos três variações dos produtos, todos com a mesma designação: TWS. Para fazer valer a nomenclatura True Wireless Headset da embalagem, que na tradução significa algo como “fones wireless de verdade”, pagamos para ver se eles são reais mesmo.

Promoções de atração

O valor de R$ 0,06, em nossa abatida moeda, talvez pague, no máximo, o envelope no qual o produto foi acondicionado para envio. Não precisa pensar muito para perceber que, ainda que tenha adquirido um lote gigantesco de produtos, há um prejuízo envolvido na transação. Para o AliExpress, porém, o objetivo é maior, com o foco parecendo estar no cadastro de novos usuários, já que o desconto que baixou o produto para este valor só estava disponível aos novatos.

Essas promoções também surgem de forma limitada, tanto por tempo quanto por quantidade. O site deixa claro ter apenas algumas centenas de unidades do produto — 500, no caso dos fones da F9 —, que estão se esgotando rapidamente, apesar de, a bem da verdade, o contador mostrar um número aleatório de itens restantes a cada vez que a página era atualizada. Ao mesmo tempo, a página mostrava diferentes produtos relacionados, alguns em oferta, mas a maioria não, como uma forma de fazer com que o usuário garantisse a viagem para levar mais coisas para casa.

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De acordo com Felipe Zmoginski, gerente de marketing do AliExpress no Brasil, a proximidade com fornecedores e fabricantes já permite que os preços praticados no site sejam até 39% mais baixos, enquanto o crescimento no mercado nacional também barateou o frete. "A empresa tem quatro voos semanais fretados para o país, cheios de produtos de alto valor agregado. Assim, incluir um fone de ouvido de baixo custo não impacta no custo logístico", explica. Tecnologias de inteligência artificial também ajudam a agregar itens em pacotes únicos, além de garantir agilidade no processo e na entrega até os consumidores.

Nas últimas semanas antes da publicação desta reportagem, notamos que as ofertas, na realidade, são um movimento constante da varejista, que também realizou promoções periódicas de produtos a R$ 5, apenas durante algumas horas, e baixou de forma interessante os valores de outros eletrônicos. Em meio às ofertas, havia alguns produtos sem redução ou cuja baixa não era tão absurda assim, novamente dando a entender que a ideia é trabalhar com uma compra conjunta, quem sabe de forma que o valor perdido em um dos itens seja compensado por outro.

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"As campanhas agressivas são permanentes e fazem parte do compromisso da empresa em oferecer o melhor custo-benefício no Brasil", explica Zmoginski. O executivo destaca ainda o investimento em campanhas como a Pechincha, no qual clientes podem escolher os produtos que desejam e convidar os amigos a acessarem um link compartilhado durante um período de 24 horas, gerando redução no preço para todos de acordo com o número de cliques. O resultado, aponta, tem sido muito positivo.

O teste realizado pelo Canaltech, porém, envolveu apenas o par de fones de ouvido da F9 e uma constatação curiosa: não é possível fazer o pagamento de valores abaixo de R$ 1 no cartão de crédito. Emitimos, então, um boleto de R$ 0,06, acertamos na mesma hora e, então, começou uma espera que durou apenas duas semanas. O produto foi adquirido em 22 de abril e chegou 13 dias depois, em 5 de maio.

A primeira impressão não é a que fica

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O primeiro contato com o modelo da F9 não foi dos melhores. A embalagem externa é de papelão fino e com impressão de má qualidade, além de dizeres genéricos nas laterais que indicam as principais funções dos fones de ouvido, que podem ser usados para ouvir música, atender chamadas e utilizar assistentes de voz. A fabricante também chama bastante atenção para o protocolo Bluetooth 5.0, destacando esse dado na parte da frente e traseira da caixa.

Inclusive, na parte de trás, uma surpresa. A fabricante F9, na verdade, atende pelo nome de Shenzhen Cantianshu Technology, com uma busca rápida, ainda assim, não indicando um site oficial, mas sim o fato de que ela é detentora de diversas marcas comuns em sites de vendas da China. A etiqueta traz até um endereço dos escritórios da companhia, em um prédio comercial no centro da cidade de Shenzhen, cidade conhecida por sediar muitas fábricas e sedes de empresas do setor de tecnologia.

Dentro, continua a sensação de simplicidade, com um blister plástico comum abrigando a base do headset e o próprio par, com a peculiar surpresa de que o modelo recebido tem um lado de cada cor. Não foi um engano, ao que parece, já que etiquetas coladas na caixa indicam a presença de dois itens brancos (a bateria e um dos fones) e um preto (o outro fone). Uma decisão inusitada de design, para dizer o mínimo.

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Além disso, apenas para comparação, deixamos aqui uma imagem dos fones que recebemos em relação às suas imagens oficiais, disponíveis nos diferentes anúncios de headsets da F9 que encontramos por aí. Assim você pode tirar suas próprias conclusões:

O toque também não agradou, com o par sendo feito de um plástico de baixa qualidade e aparência de pouco durável, assim como os conectores USB da bateria e a borracha que protege as entradas. O material é tão fino que, no lado branco, deixa transparecer a iluminação interna que indica a conexão Bluetooth e o carregamento. Luzes brilhantes, aliás, parecem ser uma preferência da F9.

Nas imagens, note a tampa semitransparente do case, que também serve como bateria portátil, outra decisão de design focada no show de LEDs proporcionado pelo produto. A ideia é que seja possível ver os indicadores de bateria de cada um dos fones, assim como da casa em si, mesmo com ela fechada. Aqui também descobrimos mais uma utilização do produto, que pode servir muito bem como uma lanterna de emergência ou sinalizador caso você esteja perdido em um lugar escuro.

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Toda essa potência luminosa, entretanto, não parece gerar grandes prejuízos à autonomia. A embalagem do F9 TWS promete cinco horas de reprodução de música, mas ele acaba entregando até mais do que isso, sendo perfeitamente utilizável durante um dia inteiro, com direito a inúmeras reconexões por perda de sinal ao longo do expediente de trabalho. A bateria do case, apesar de perder carga sozinha a uma taxa de aproximadamente 2% a cada dia, foi capaz de recarregar a bateria de um iPhone XR completamente e ainda sobrou um pouco para carregar os fones — estranhamente, um lado chegou à carga completa antes do outro, ainda que ambos tenham sido removidos da caixa no mesmo momento e usados em dupla durante todo o dia.

Gadget competente, mas com problemas

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A sensação ruim deixada pela embalagem e pela constituição em si também fica de lado quando os fones são efetivamente usados. A qualidade do som chega a impressionar para um produto de aparência tão tosca, entregando uma boa qualidade tanto ao ouvir música quanto ao atender ligações ou realizar gravações de áudio, com som nítido em ambos os casos e clareza equivalente a muitos modelos de entrada de fabricantes consagradas e bem mais caros, mesmo em relação ao valor do produto fora das promoções. A mudança, no caso do microfone, pode ser percebida no review informal acima (desde já, este redator pede perdão pelo palavrão).

Nesse sentido, dá para elogiar até mesmo a baixa qualidade dos materiais já que eles também garantem um gadget bem leve, daqueles que você quase não sente nas orelhas. Isso, claro, exige que o usuário ajuste as borrachas intra-auriculares para o tamanho adequado, algo que pode dar errado em alguns casos. Há, ainda, de se tomar cuidado durante caminhadas mais rápidas ou exercícios de ritmo mais intenso, já que os fones podem cair com facilidade.

Ainda nesse quesito, falhas de conexão puderam ser sentidas quando o par foi utilizado na rua, durante uma caminhada. Mesmo com o celular no bolso da calça e os fones do ouvido, foi possível sentir intermitências de sinal sincronizadas com as passadas, não a ponto de o gadget se desconectar do smartphone, mas atrapalhando a experiência sonora de forma bem perceptível. Durante o dia a dia de trabalho na redação, poucos problemas além de desconexões eventuais; um notebook com Windows 10 se conectou ao gadget sem problemas, mas o PlayStation 4 simplesmente não quis conversar com os fones de ouvido, nem mesmo sendo detectado pelo console.

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O par de fones não tem botões físicos e, sinceramente, não foi exatamente possível determinar onde está a área de detecção dos toques do usuário. Assim, não foram raros os casos em que um simples movimento da cabeça fez com que a música fosse pausada, enquanto tentativas de tirar o headset gerou resultados nunca precisos, com direito a ativações da Siri, desconexões ou nenhuma ação, ainda que diferentes pressionamentos na parte central do aparelho fossem realizados.

O pareamento inicial não foi dos mais fáceis, exigindo algumas tentativas até que os dois lados funcionassem de forma simultânea. Uma vez sincronizados, porém, esse processo se tornou um bocado simples, bastando tirar os fones do case para que eles já estivessem conectados ao celular, com sinais sonoros nos próprios alto-falantes indicando o sucesso na operação.

Aqui, entretanto, outro fato curioso: o usuário tem que ser rápido se quiser usar os dois lados ao mesmo tempo, aproveitando uma “janela de oportunidade” de detecção. Caso demore para tirar um lado após o outro, somente o primeiro estará conectado, e não encontramos uma forma de completar o processo sem colocar ambos de volta no case e sendo rápido para tirar eles de lá. O manual não nos ajudou, com o processo citando um botão que, como dito, não existe no dispositivo. Pelo mesmo motivo, e devido à dificuldade de entender como o modelo identifica os toques, optamos por realizar todos os controles de pausar música, atender ligações ou alterar o volume diretamente pelo celular.

Colocando as coisas em perspectiva

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Como já era de se esperar, não existem recursos adicionais no F9 TWS, como cancelamento de ruído ou detecção de movimento. É um modelo simples, até demais, mas que, falando de forma sincera, entrega uma performance bem acima do esperado, mesmo se tivéssemos adquirido o produto pelo seu valor normal, que no momento em que esta reportagem é escrita é de R$ 68 — que o AliExpress afirma ser também promocional, 67% abaixo do preço sugerido de R$ 207. Durante as semanas de testes, entretanto, nunca vimos o produto custando isso, a não ser em varejistas brasileiras que, provavelmente, estão revendendo os itens trazidos da China.

Quando se fala em precificações desse tipo, a qualidade de som é apenas um dos fatores que devem ser levados em conta. Afinal de contas, como dito, o modelo entregou um áudio até impressionante para o preço e sua construção, sendo que esse segundo aspecto é, justamente, o que nos leva à discussão. O par de fones foi barato, mas até que ponto esse valor vale a pena?

O preço é mais baixo que o dos modelos de entrada disponíveis no varejo brasileiro por marcas reconhecidas. O JBL TUNE 115BT, com controles físicos e, apesar de sem fio, com cordão conectando os dois lados, por exemplo, pode ser encontrado a partir de R$ 109; o headphone mais barato da marca, o Tune 500, sai por pelo menos R$ 139. Os Xiaomi Redmi AirDots 2, queridinhos de muitos, custam R$ 110 na loja de compras internacionais da Amazon.

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São valores de, no mínimo, o dobro da opção da F9 que temos em mãos, mas também produtos reconhecidos e com durabilidade garantida, além de construção bem superior. Utilizamos o par de fones de seis centavos por duas semanas de forma contínua, sem sinais de desgaste, mas até quando essa satisfação vai durar? Esta, no final das contas, é sempre a questão a ser levada em conta na hora de adquirir produtos baratos demais: eles podem sair mais caros no longo prazo.