Universo Acessível | Observatório do Valongo leva ciência a deficientes visuais
Por João Melo | •

A criação de conteúdos acessíveis é fundamental diante da necessidade de promover, a todas as pessoas, o aprendizado sobre as mais diversas áreas do conhecimento. Com base nessa ideia, o projeto Universo Acessível, criado em 2012 no Rio de Janeiro, disponibiliza conteúdos relacionados à astronomia para pessoas com deficiência visual.
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A iniciativa é fruto de uma parceria entre o Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o Instituto Benjamin Constant (IBC). A proposta central é desenvolver recursos didáticos sobre o espaço adaptados para alunos do ensino fundamental do IBC.
Universo Acessível tinha, inicialmente, o objetivo de tornar o Observatório do Valongo acessível por meio da criação de materiais táteis. A iniciativa foi ampliada e validada a partir de 2017, com o início do convênio com o projeto “Ciência ao Alcance das Mãos”, do próprio IBC.
“A ideia de desenvolver material acessível não surgiu de um evento isolado. Em 2010, tive uma experiência pessoal que me fez pensar em como seria a astronomia para quem tem a visão limitada. A partir daí, comecei a pesquisar e estudar formas de viabilizar materiais que incluíssem pessoas com deficiência visual nas visitas ao observatório”, relata Silvia Lorenz-Martins, professora de Astronomia da UFRJ e coordenadora do Universo Acessível.
Cadernos e objetos 3D
Para cada caderno grafotátil desenvolvido pelo Observatório do Valongo, é criado, paralelamente, um objeto 3D. Os textos são elaborados por alunos de Física e Astronomia da UFRJ, enquanto as imagens são adaptadas por estudantes de Design.
Após a aprovação dos conteúdos pela coordenação do projeto, o material segue para o Instituto Benjamin Constant. Lá, os materiais didáticos são analisados inicialmente pelos professores Aires Silva — docente de Química — e Priscila Marques — docente de Ciências Físicas e Biológicas —, ambos coordenadores do projeto Ciência ao Alcance das Mãos.
“Posteriormente, o material é transcrito para o sistema Braille e passa por uma revisão feita por um revisor cego do IBC, que verifica possíveis erros na escrita braille, na diagramação e na compreensão das figuras em relevo”, explica Aires Silva.
O texto em Braille é então incorporado ao caderno e submetido ao processo de termoformagem — técnica usada para produzir materiais em relevo por meio do aquecimento e moldagem de folhas plásticas. O resultado final é um caderno com páginas de acetato transparente contendo Braille e figuras texturizadas, sobrepostas a folhas com texto e imagens em alto contraste.
Recepção dos alunos
Todo o material desenvolvido segue as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e é adaptado de acordo com as disciplinas ofertadas em cada série do ensino fundamental, o que facilita a assimilação dos conteúdos pelos alunos.
“Eles adoram! Ficam felizes e, muitas vezes, parecem se surpreender com as produções realizadas. Perguntam como é feito, são extremamente curiosos. Também se impressionam com o conteúdo, dizendo, por exemplo, que não tinham ideia de como era a Lua, um cometa ou a proporção entre os astros”, comenta Aires.
O sucesso dos materiais sobre a Lua também é destacado por Silvia. Ela relembra uma experiência imersiva realizada com turmas do IBC, utilizando um objeto 3D que representa o satélite natural da Terra.
“Levamos a Lua ao IBC e testamos em turmas do 5º e 6º ano. Inicialmente, falei sobre a Lua, sua formação e suas crateras. Depois, deixamos os alunos tocá-la enquanto ouviam Clair de Lune, de Debussy, para tornar a experiência mais imersiva. Eles adoraram saber que a Lua era esférica, pediram que fizéssemos o Sol, e alguns até disseram que pretendem seguir carreira acadêmica”, relata a docente.
Desafios e resultados
Segundo Lorenz-Martins, o maior desafio enfrentado pelo Universo Acessível é a falta de recursos, em especial a escassez de bolsas de extensão para os alunos da UFRJ que participam do projeto. A professora admite que a ausência de incentivo pode ser desanimadora em muitos momentos.
Apesar disso, destaca que todo o material desenvolvido é disponibilizado gratuitamente no site da iniciativa (universo-acessivel.vercel.app) — uma plataforma construída com recursos de acessibilidade — para uso em escolas públicas. No site, é possível acessar manuais com orientações para criar, por exemplo, uma Lua tátil ou representar a superfície de Marte.
Ao longo dos 13 anos da iniciativa, já foram produzidos quatro cadernos grafotáteis, quatro livros falados, três jogos e inúmeros objetos 3D — como modelos da Lua, de Marte e de constelações. Recentemente, o projeto firmou uma parceria com o Planetário de Maricá (RJ), mostrando que ainda há muito espaço para crescer.
“Seguimos tentando alcançar cada vez mais pessoas, a fim de reduzir desigualdades e ampliar a inclusão no acesso ao conhecimento científico”, afirma Silvia Lorenz-Martins.
“Projetos como o Universo Acessível são fundamentais para promover um ensino baseado na igualdade de oportunidades para todos”, complementa Aires Silva.
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