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O universo pode ter o formato de uma "rosquinha", segundo este estudo

Por| Editado por Patricia Gnipper | 20 de Julho de 2021 às 18h00

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ESO/J. Law
ESO/J. Law

Ao contrário da Terra, cujo formato é comprovadamente esférico, os cientistas ainda não entraram em um consenso sobre o formato do universo — aberto ou fechado, finito ou infinito, plano ou em forma de sela de cavalo. Há vários modelos sustentados por dados observacionais, mas é difícil saber qual está correto. Um novo estudo, entretanto, usou a radiação cósmica de fundo para determinar que ele tem o formato de um toro, popularmente conhecido como “rosquinha”.

Entender as propostas de formato do universo pode parecer um pouco confuso — e é! O motivo é, basicamente, por estarmos dentro dele. Usando nosso planeta como analogia, seria muito difícil descobrir que ele é redondo se não houvessem referencias externas, como o Sol. Foi através da sombra causada pela luz solar que Eratóstenes descobriu a forma da Terra, cerca de duzentos anos a.C.

Sem esse referencial, e sem a possibilidade de voar para o espaço, poderíamos percorrer milhares de quilômetros em linha reta pensando que a Terra seria plana e infinita, até que, repentinamente, nos víssemos de volta ao ponto de partida. Nesse caso, teríamos completado uma volta ao mundo em muitos dias para descobrir que a linha imaginária percorrida é fechada em si mesma. Mas ainda assim, não poderíamos concluir que a Terra é redonda, porque só com essa informação, ela poderia ser um cilindro.

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Então, teríamos que percorrer uma segunda linha, perpendicular à primeira. Em outras palavras, dar a volta tanto em latitude quanto em longitude. Se alguém ainda insistisse que o estudo ainda estaria inconclusivo, o próximo passo seria percorrer em uma linha reta em um ângulo de 45°, ou seja, na diagonal entre a latitude e a altitude. Novamente, voltaríamos ao ponto de partida e em algum momento todos teriam que aceitar que todas as linhas retas imaginárias da Terra são fechadas em si mesmas. Uma esfera!

Mas não podemos percorrer o universo — mal conseguimos enviar naves para fora do Sistema Solar. Felizmente, quando dizemos ser difícil estimar o formato do universo, não significa ser impossível. Na verdade, há algumas ferramentas às quais os cientistas e físicos teóricos podem recorrer para fazer matemática complicada para no fim das contas nos mostrarem um desenho simples — como uma rosquinha, por exemplo. Em primeiro lugar, os astrônomos conseguem enxergar muito longe, e foi assim que eles descobriram a expansão acelerada do universo.

Eles também descobriram algo chamado radiação cósmica de fundo, que é um “flash” remanescente de quando o universo tinha apenas 380.000 anos, eventualmente apelidado de “fóssil do Big Bang”. Essa radiação é muito antiga e nos revela dados importantes do universo, e foi através dela que os autores do novo artigo chegaram a seus resultados. "Poderíamos dizer: agora sabemos o tamanho do universo", disse o astrofísico Thomas Buchert, da Universidade de Lyon, um dos autores da pesquisa.

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A segunda ferramenta importante é a Relatividade Geral, a teoria de Albert Einstein que nos mostrou que o espaço-tempo pode se curvar. É devido a esse fenômeno que um universo não plano é matematicamente possível. Entretanto, as observações até aqui indicam que o cosmos é, sim, aberto e plano. Por outro lado, isso nos leva a um problema probabilístico: um universo plano seria uma enorme coincidência, já que com apenas um pouco a mais ou a menos de massa e energia tudo poderia se curvar para um lado ou outro.

Então, examinando a radiação cósmica de fundo, os astrofísicos deduziram que nosso cosmos pode estar ser fechado em si mesmo em todas as três dimensões. Isso significa que em qualquer direção que percorramos em linha reta, sempre chegaríamos no ponto de partida. Esse universo seria, portanto, finito e apenas cerca de três a quatro vezes maior do que os limites do universo observável — que vai até cerca 14 bilhões de parsecs, ou 45 bilhões de anos-luz de distância.

Quando a tal radiação-fóssil foi emitida, nosso universo era um milhão de vezes menor do que é hoje e, portanto, se nosso Universo está de fato fechado em si mesmo, então seria muito mais provável que ele se envolvesse nos limites observáveis ​​do cosmos naquela época. Hoje, devido à expansão, é muito mais provável que o “envoltório” esteja em uma escala além dos limites observáveis ​​e, por isso, é muito mais difícil de detectar, caso realmente exista. As observações da radiação de fundo, nesse caso, são a chave para o mistério.

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Olhando especificamente para as perturbações na radiação cósmica de fundo, a equipe conclui que “em um espaço infinito, as perturbações na temperatura da radiação existem em todas as escalas. Se, no entanto, o espaço é finito, então faltam aqueles comprimentos de onda maiores do que o tamanho do espaço". Ou seja, deveríamos encontrar um tamanho máximo para as perturbações. Eles então examinaram uma boa quantidade de perturbações ausentes encontradas nos mapas da radiação feitos por instrumentos como o WMAP e o Planck.

Em seguida, eles fizeram simulações em computador com um modelo de universo no formato de toro, e compararam o comportamento dele com as observações feitas pelo WMAP e Planck. O resultado os levaram a concluir que as “ausências” encontradas na radiação cósmica de fundo não seriam encontradas em escalas além do tamanho do universo observável. Isso implicaria que o cosmos é fechado em si mesmo e finito nessa escala.

Em outras palavras, caso tenha ficado muito complicado, eles constataram nos modelos computacionais que um universo fechado cerca de três a quatro vezes maior que o nosso universo observável corresponde melhor aos dados observados. Então, se tivéssemos um foguete capaz de voar muito além da velocidade da luz, faríamos aquela volta na qual retornamos ao ponto de partida, não importa a direção que fossemos. Se ainda é difícil visualizar, o vídeo abaixo ilustra muito bem uma das propostas de universo em forma de toro.

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O que outros pesquisadores dizem

A proposta do universo fechado em todos os lados não é exatamente nova, mas traz novo fôlego para uma ideia apresentada há 18 anos. Desde aquela época, os cientistas conseguiram observações mais detalhadas da radiação cósmica de fundo e extraíram dela tudo o que nos é permitido enxergar. Até agora, tudo aponta para um universo plano, mas isso não significa que a proposta do toro deve ser descartada.

Por outro lado, o novo modelo traz implicações que precisam ser sustentadas por observações. Mas, de acordo com o astrofísico Ethan R. Siegel, essas implicações são apenas no sentido estatístico. Isso significa que, considerando as informações que podemos obter do universo, muito do que está proposto no novo artigo depende de um "chute", pois não há como saber o tamanho do universo para além do observável. Sem essas medidas em grande escala, faltam parâmetros para uma simulação realista.

Isso nos leva a um problema um tanto paradoxal, porque de um lado fornece boas explicações, mas, por outro lado, carece de parâmetros reais. Se o toro for apenas um pouco maior do que a parte observável de nosso universo, as previsões do novo estudo são até ligeiramente mais consistentes com as observações do que o modelo atualmente aceito, que é do universo plano. Entretanto, não há como saber o tamanho do toro, então o estudo não pode ser considerado conclusivo apenas porque funciona nas simulações computacionais.

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Um "chute" não é algo ruim ou errado, para deixar bem claro. Muitas vezes isso é necessário para pensar em novos modelos quando não há evidências observacionais conclusivas a favor de nenhuma das propostas. Nesse caso, o chute funciona matematicamente, mas, como Siegel explica, uma regra fundamental para novas ideias teóricas convincentes é não invocar um novo parâmetro para explicar uma observação imprevista. Mesmo que sua nova hipótese explique o universo melhor que as teorias bem estabelecidas, é necessário um "poder preditivo".

Em outras palavras, se um novo modelo invoca um novo ingrediente para o universo, como medidas em grande escalas, é recomendável atender a três requisitos: reproduzir todos os sucessos da velha teoria, explicar as observações que a velha teoria não conseguia e fazer novas previsões testáveis ​​que diferem das previsões da velha teoria. O novo estudo tem seu mérito porque consegue explicar flutuações inesperadas na radiação cósmica de fundo, mas não segue os critérios exigidos para que a hipótese seja uma "competidora" nesse debate.

Por outro lado, vale a pena manter a ideia na mesa, desde que não ocupe o lugar de hipóteses melhor fundamentadas. O método científico às vezes exige percorrer um caminho e abandonar uma ideia que parece mais interessante — e, convenhamos, um universo em formato de rosquinha é muito mais legal que um entediante cosmos infinitamente plano. Ainda assim, lembra Ethan, estudos como este são importante porque "força" os astrofísicos a pensar em modelos nunca antes imaginados. O problema está longe de chegar ao fim, mas é empolgante ter tantas possibilidades para explorar e tanto mistério para desvendar.

Fonte: ScienceAlert, Starts With A Bang