Eis como o universo "perdeu" a chance de gerar vida logo após o Big Bang
Por Daniele Cavalcante • Editado por Patricia Gnipper |
O Sol e o Sistema Solar são relativamente jovens, em escalas cósmicas. Em “apenas” 4,5 bilhões de anos — contra 13,8 bilhões de anos do universo —, a Terra evoluiu e usou os componentes orgânicos, também conhecidos como “blocos de construção dos seres vivos”, para formar e fazer prosperar a vida. Claro, o mesmo pode ter ocorrido em muitos outros mundos universo afora, mas as primeiras estrelas não poderiam abrigar formas de vida.
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Quando disse que “somos poeira das estrelas”, Carl Sagan estava sendo bastante literal. As estrelas são as grandes “fabricantes” de carbono, oxigênio, ferro, e muitos outros elementos necessários para formar os blocos de construção dos seres vivos. O curioso nessa história, no entanto, é que as estrelas só se tornaram necessárias para fabricar matéria orgânica (compostos por carbono e hidrogênio, por exemplo) por causa de um único elemento que apareceu logo após o Big Bang. Não fosse ele, as primeiras gerações de estrelas poderiam ter feito a vida proliferar.
Os primeiros segundos após o Big Bang
Durante os primeiros segundos após o evento que chamamos Big Bang, muita coisa aconteceu. O universo inicial era formado apenas por uma imensa quantidade de energia quente, densa, em expansão exponencial. Cada quanta de energia viajava muito menos, em relação aos dias atuais, antes de colidir com outros quanta, porque a densidade era algo absurdo.
Graças às leis da física que hoje conhecemos, é possível deduzir o que aconteceu naqueles momentos. Por exemplo, a fórmula E = mc² diz que toda aquela energia, viajando a velocidades indistinguíveis da luz e colidindo, proporciona uma chance de criar pares de partícula-antipartícula. Esses pares, por natureza, acabam se anulando, criando partículas sem massa (como fótons) no processo. Enquanto o universo estiver nessas condições, os quanta poderão preencher todo o espaço com todos os tipos de partículas e antipartículas possíveis.
Mas o universo não mantém essas condições, por “culpa” da expansão rápida que faz as partículas terem que viajar mais antes de uma colisão. Com a expansão, as ondas de luz se esticam, desviando-se para o vermelho. As partículas massivas perdem energia cinética e as colisões diminuem, logo, a taxa de criação de partículas através desse método também sofre uma queda. Por outro lado, as partículas e antipartículas continuam se aniquilando à mesma velocidade de antes, trazendo partículas como fótons.
O resultado é um pouco esquisito e não muito esclarecido pela ciência — o universo fica cheio de radiação, com pouca matéria (prótons, nêutrons e elétrons) restante, mas agora em desigualdade com a antimatéria. Ainda não se sabe ao certo como, ou porquê, mas as partículas, que deveriam se eliminar com as antipartículas, passam a existir em maior número.
Mas o que nos interessa para entender como o universo falhou em criar vida no início é que ainda havia densidade o suficiente para que os prótons e nêutrons remanescentes começassem o processo de fusão nuclear. Em uma fusão nuclear, novos elementos são criados, mais ou menos como em uma evolução de Pokémons: elementos leves se fundem para formar elementos mais pesados da tabela periódica.
Pela lógica, o universo deveria ter feito exatamente isso. Os primeiros átomos — hidrogênio — poderiam se fundir para formar hélio, e depois o hélio para formar carbono, e assim por diante. Os átomos poderiam se lidar em todos as maneiras possíveis por conta própria para formar moléculas orgânicas abióticas. Assim, quando o resfriamento permitisse que a matéria fosse atraída gravitacionalmente para formar as primeiras estrelas, já haveria chance de surgir vida. Mas havia um problema: o deutério.
O elemento que quebrou a cadeia
Deutério é um isótopo pesado do hidrogênio, mais estável que um próton livre e um nêutron isolados. Cada vez que um próton e um nêutron se encontram, eles se fundem para formar um deutério, que por sua vez libera 2,2 milhões de elétron-volts de energia. Para o azar desses átomos, os fótons têm mais de 2,2 milhões de elétron-volts de energia e, quando eles colidem com um deutério, eles o explodem. Para complicar ainda mais, havia uma quantidade incrível de fótons: mais de um bilhão para cada próton e nêutron
Isso significa que a cadeia de fusões nucleares necessária para criar elementos fundamentais para a vida era quebrada logo no início, antes da formação do carbono. Por isso, toda a matéria do universo era essencialmente hidrogênio e hélio, uma composição que os astrônomos chamam de “baixa metalicidade” (isso implica que qualquer outro elemento mais pesado é chamado de “metal”, curiosamente).
Por isso, o universo teve que esperar por um resfriamento, mas quando isso aconteceu — cerca de 200 segundos após o Big Bang —, a densidade havia ido embora, assim como a energia de cada partícula, que agora precisava se movimentar muito mais. Sem toda a energia cinética inicial e sem a densidade, as colisões não conseguiam mais superar a força repulsiva entre os núcleos de hélio. Fim da linha para a cadeira de fusões.
Foram necessários alguns milhares de anos, até que as primeiras estrelas surgissem. Depois disso, outros milhares para que elas começassem a fundir elementos mais pesados que o hélio e explodissem para espalhá-los pelo universo. Gerações após gerações de estrelas se passaram para haver o material necessário para os processos bioquímicos. Mesmo que algum planeta se formasse antes disso ao redor de uma delas, não poderia formar a vida como a conhecemos.
Por isso, as estrelas responsáveis pelos elementos presentes na Terra tiveram que existir e explodir em supernovas, para podermos estar aqui. Este era o único momento possível para nós, e, felizmente, a Terra prosperou — prosperou tanto que, hoje, parece haver organismos em cada pedacinho de chão, em todos os rios e oceanos, no topo das montanhas e por todo o ar. A Terra é uma explosão de vida porque, mesmo que o universo não tenha uma vontade própria, de certa forma, ele esperou o suficiente.
Fonte: Starts With a Bang