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Buracos negros podem ser deformados pela gravidade? Este estudo diz que sim

Por| Editado por Claudio Yuge | 05 de Maio de 2021 às 21h20

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Aaron M. Geller/Northwestern University/CIERA
Aaron M. Geller/Northwestern University/CIERA

Se podemos ter certeza de alguma coisa sobre o universo, é que os objetos estão sempre em movimento. Nada está parado, assim como nada está livre de influências gravitacionais, já que a matéria — comum e escura — está por toda a parte. Uma das consequências disso são os efeitos de marés, que podem distorcer quaisquer objetos, se determinadas condições forem atendidas. Mas será que isso inclui os buracos negros? Um novo estudo sugere que sim, mas a resposta é bem mais complicada que isso.

“Forças de marés” é o nome que se dá quando um objeto exerce um poder de aceleração gravitacional sobre outro corpo. Um modo fácil de fazer com que essa aceleração ocorra é levar um objeto, como o Sol ou a Lua, para mais perto da Terra. O resultado é uma deformação de algumas partes do nosso planeta, sem haver alteração na massa. Vemos esse efeito em ação sempre que vemos mudança no nível de rios e oceanos.

Podemos pensar nisso como uma esfera elástica sofrendo um poder de atração em um determinado ponto de sua superfície. Ela ficará achatada, pois aquele ponto específico da esfera recebe muito mais o efeito da gravidade do que o lado oposto do nosso objeto elástico. Com isso, a esfera torna-se um elipsoide. A extrapolação das forças de marés é o processo chamado “espaguetificação”, que é quando um objeto se aproxima de um buraco negro para além da distância segura.

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Pois bem, sabemos que buracos negros podem distorcer qualquer matéria que se aproxime deles. Mas será que eles também podem ser distorcidos pelo efeito das marés de outros objetos? Não há dúvidas de que um buraco negro pode orbitar um objeto massivo, como uma estrela — aliás, já sabemos que existem sistemas assim, como é o caso da estrela MWC 656 e seu companheiro, um buraco negro de 3 a 9 massas solares —, mas será que a gravidade que “liga” os dois objetos é capaz de deformar um objeto tão denso quanto um buraco negro?

Na visão dos cientistas, a resposta geralmente tem sido "não", porque esses objetos densos e invisíveis são muito rígidos para sofrer deformações em suas superfícies. Estudos anteriores também mostraram um resultado negativo, mas ainda não haviam sido realizados estudos com variáveis o suficiente para se poder "bater o martelo" na questão, ao menos na perspectiva dos pesquisadores Marc Casals, do Centro Brasileiro de Pesquisas Fisicas (CBPF), e Alexandre Le Tiec, do Observatoire de Paris- CNRS. Juntos, eles realizaram um estudo que acabou sendo publicado na revista Physical Review Letters.

De acordo com o pesquisador Marc Casals, um dos autores do estudo, a ideia para o artigo “surgiu em parte de algumas palestras durante a Conferência Internacional sobre Relatividade Geral e Gravitação (GR22) em 2019". Naquele evento, palestrantes discutiram a possível deformabilidade das estrelas de nêutrons por efeitos de maré, e mencionaram que “a deformabilidade de maré (estática) de buracos negros não rotativos é zero”, relata Casals. Isso levou o pesquisador a buscar saber se a deformabilidade de buracos negros em rotação também seria zero.

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Em comentário ao Canaltech, Casals esclareceu que o trabalho considera apenas o horizonte de eventos, que é o buraco negro em si. "Portanto não estamos considerando um disco de acreção (a não ser que o disco de acreção seja de fato a fonte do campo de maré, mas acho que nesse caso o campo de maré não seria relevante)", disse, lembrando que a singularidade também "não é uma parte fundamental do buraco negro: se ela existisse (provavelmente não existe em buracos negros astrofísicos) ela fica dentro do buraco negro e, portanto, não poderíamos observar ela de fora".

Como dissemos no início, nada fica parado no universo, e buracos negros dificilmente seriam uma exceção — ao contrário, os pesquisadores consideram que todos eles estejam girando, por isso é importante saber se os resultados mostrados durante a GR22 seriam os mesmos caso o estudo fosse replicado em um modelo que utilize buracos negros em rotação. Como esse tema já foi investigado algumas vezes, artigos anteriores deram algumas “pistas sobre quais métodos usar”. Acabaram por usar uma técnica “que envolve derivados do campo gravitacional (essencialmente mede a curvatura do espaço-tempo) e, crucialmente, satisfaz uma equação mais simples que foi derivada em um artigo anterior”, explica o pesquisador ao Phys.org.

A partir disso, eles puderam então obter o campo gravitacional, algo que depende de quem é seu “observador”. Em termos matemáticos, Casals e Le Tiec construíram quantidades independentes de coordenadas para poderem identificar a deformabilidade das marés de buracos negros em rotação de modo significativo. No geral, os cálculos mostraram que buracos negros em rotação podem, sim, se deformar sob um campo gravitacional externo, ao menos nos casos em que esse campo é estático.

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Quando perguntamos que tipos de objetos poderiam, na prática, causar uma deformação nos buracos negros, Casals explicou que, embora qualquer coisa com energia possa ser uma fonte de maré gravitacional, o campo gerado pode ter magnitude insuficiente para resultar na deformabilidade. "Em particular, um campo de maré relevante pode ser criado, por exemplo, por um segundo objeto, que pode ser um buraco negro numa inspiral [espiralando em direção ao centro] binária, que é a fonte principal das ondas gravitacionais observadas pelo LIGO".

No estudo, entretanto, não foi especificado uma fonte do campo de maré, apenas algumas características. Também não foi utilizado um buraco negro específico, mas os cálculos foram realizados para um campo de maré fraco e para um buraco negro em pequena taxa de rotação. O resultado abre caminho para futuros estudos sobre a deformabilidade de buracos negros giratórios, já que há ainda muitas variáveis que valem a pena ser inclusas nessa investigação.

A questão tem grande importância para a física, pois se os buracos negros puderem ser deformados por maré devido a um campo gravitacional externo, haverá implicações para muitas áreas científicas, incluindo física a fundamental, astrofísica, e o estudo de ondas gravitacionais, de acordo com os autores do estudo. Ao Canaltech, Casals comenta que o estudo permite "entender melhor as propriedades fundamentais dos
buracos negros, que são objetos muito importantes para a evolução das galáxias, do universo e para a física teórica em geral".

Ele também menciona que a deformabilidade pode ter um grande impacto na astronomia de ondas gravitacionais. "Numa inspiral binária de buracos negros, um buraco vai ser deformado pelo campo gravitacional de maré do outro buraco. Essa deformação vai ter uma assinatura nas ondas gravitacionais emitidas pela inspiral", disse o pesquisador. Essa assinatura seria fraca demais para ser observada pelo LIGO, mas "talvez possa ser observada pelo LISA", conclui Casals, referindo-se a um detector de ondas gravitacionais a ser lançado em 2034 pela ESA.

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Fonte: Phys.org