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Crítica | Tom & Jerry: O Filme prova que ainda há espaço para mais da dupla

Por| Editado por Jones Oliveira | 12 de Março de 2021 às 21h00

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Warner Bros.
Warner Bros.

Em tempos de cancelamento do Pepé Le Pew pela própria Warner Bros, é interessante ver como Tom & Jerry: O Filme conseguiu revigorar o universo Tom & Jerry e ainda fez a justiça histórica merecida. Produzida entre os anos 1940 e 1960, a série Tom & Jerry hoje levanta polêmicas por episódios que têm a presença caricata de Mammy Two Shoes ou que representam os personagens com black face (sobretudo após serem queimados ou explodidos). Isso aconteceu e não podemos apagar (ou esquecer). Por outro lado, é inegável que crescemos assistindo a esses desenhos e que eles ajudaram a nos moldar.

Eu cresci assistindo a diversos episódios de Tom & Jerry e, graças a canais como Cartoon Network e Boomerang, pude ver episódios ainda em preto e branco e aquelas versões mais antigas coloridas, de quando eles ainda se chamavam Jasper e Jinx. Para além de Hanna-Barbera, vimos a dupla evoluir nas mãos de Gene Deitch e, meu favorito, Chuck Jones. Os personagens continuaram ótimos também sob as direções seguintes até que, depois de um tempo, algo começou a não dar muito certo.

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Seria preciso dar uma boa olhada na trajetória dessa animação para entender a fundo, mas muitos devem lembrar das temporadas em que Tom e Jerry se tornavam amigos, com Jerry usando uma gravata borboleta vermelha (e era no mínimo enfadonho). Sete vezes vencedor do Oscar e com curtas incríveis como “The Cat Concerto”, é triste ver a sutil decadência de Tom & Jerry ao longo dos anos.

Enquanto seguíamos assistindo aos curtas antigos, Tom & Jerry tentava conquistar as novas gerações com animações cada vez mais infantilóides. A partir dos anos 1990, começaram a surgir os longas-metragens com a dupla, mas só agora, com Tom & Jerry: O Filme, vimos pela primeira vez uma união realmente digna de todas as gerações de Tom & Jerry, com possibilidades fortes de os personagens se tornarem queridos das crianças que estão conhecendo a dupla pela primeira vez.

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Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

Ressignificando

Apesar do passado complexo da série, a Warner Bros. tem feito um bom trabalho ao varrer da animação esse racismo estrutural. O novo filme chega com direção de Tim Story, diretor responsável pelo sucesso do primeiro Quarteto Fantástico (2005), além de ser também o diretor de Uma Turma do Barulho e Táxi. Apesar de ter títulos tão criticados em sua filmografia, Story merece os louros por revigorar Tom & Jerry sem deixar de lado as raízes dos personagens.

Logo de cara conhecemos os pombos, que abrem o filme cantando “Can I Kick It?”, da banda A Tribe Called Quest, também referenciada recentemente por Soul. A música já dá o tom da mudança anunciada no trailer. Sem subúrbio ou campo, agora Tom e Jerry vão tentar viver na conturbada Nova York, uma cidade tão repleta de acontecimentos estranhos que Tom precisa fazer de conta que é cego, já que um simples gato tocando teclado parece ser comum demais para o cidadão novaiorquino.

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A relação de Tom com o piano, inclusive, é uma ótima retomada dos episódios clássicos. Um admirador de John Legend (que apareceu com seu piano também no recente Um Príncipe em Nova York 2), Tom agora tem um teclado e mesmo isso ele perde. O Tom do filme live action é muito menos um gato chato e muito mais uma criatura incompreendida e, agora, um artista sem dinheiro para comprar seu piano. Do outro lado, Jerry também busca uma casa digna do seu bom gosto e não aceita as “casas de rato” que lhe são mostradas. Ambas as trajetórias convergem para o Hotel, onde encontram a personagem de Chloë Grace Moretz.

Old but gold

Assim como nos filmes mudos, Tom e Jerry geralmente não têm voz e fazem amplo uso da mímica e da pantomima, sobretudo porque grande parte do humor físico dos personagens vem disso. Tom & Jerry: O Filme é excelente ao ressignificar a rivalidade de Tom e Jerry como a de irmãos, o que foi uma atmosfera muito bem criada ao longo dos anos nos desenhos animados.

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Na primeira parte do filme, roteiro e direção revisitam, com uma reprodução quase quadro-a-quadro, cenas clássicas do desenho como o momento em que Jerry engana Tom com algo que teria escondido em sua mão, desferindo um olho no golpe do gato quando este chega perto para saciar sua curiosidade felina.

Reciclar esses momentos clássicos em um contexto urbano ajuda a gerar identificação para quem está conhecendo os personagens agora. Com momentos como esse, Tom & Jerry: O Filme alça ares de originalidade sem precisar descobrir a roda: há uma imensidão de gags físicas a serem exploradas para os novos espectadores. É, provavelmente, um pouco arrogante esperar que as novas gerações conheçam tão bem desenhos dos anos 1940-1960, o que justifica bastante esse tipo de reciclagem.

Trazer o que há de mais genial nas antigas animações para uma versão repaginada não apenas é necessário para manter a franquia viva, como também facilita tremendamente o trabalho de construção do roteiro, que pode ser enxertado com elementos que já vimos, mas que, como sabemos, não saturam. E que atire a primeira pedra quem não viu o mesmo episódio de um desenho animado infinitas vezes ao longo da vida. Há algo nesses personagens que consegue nos deixar embasbacados diante da TV como ficavam as pessoas do comercial do Boomerang:

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Com os filmes anteriores, Tom & Jerry: O Filme parece ter entendido que é difícil manter a plateia instigada com versões longas do que eram os episódios. Claro que alguns filmes são engraçados e interessantes, mas remover o foco da briga de gato e rato ajuda o filme a ficar bem mais gostoso de ser assistido. A dupla, ao invés de ser o centro das atenções, divide a tela com outros personagens que irão criar as situações em que a dupla poderá, então, dar o seu melhor.

Detalhes

A trama envolvendo Kayla acerta em cheio a geração Y, que é também justamente a geração que cresceu assistindo Tom & Jerry na TV. Enquanto a personagem se estabiliza no emprego que “roubou” e vemos Tom fora do hotel implicando com Jerry, que está dentro, notamos como os personagens funcionam muito melhor se não dominarem tudo o tempo todo, como acontecia nos curtas.

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Daí em diante, a aparição de outros animais e personagens vão se somando para o ápice do caos, que acontecerá no primeiro casamento. A chegada de Spike (dessa vez livre da figura paterna que o colocava como um ícone masculino) é maravilhosa e é incrível ver o personagem não mais como um cão raivoso de bom coração, mas sim um cão raivoso, de bom coração e muito mimado. Toots também aparece, maravilhosa como sempre, para funcionar como interesse amoroso de Tom e executar outras funções importantes do roteiro, mas sem deixar Tom repetir atitudes como as do Pepe Le Gambá.

Os tradicionais anjinho e diabinho do Tom também aparecem e a dublagem (original em inglês) é excelente, muitas vezes sendo a principal responsável pelo humor ácido protagonizado pelo lado ruim do gato. O diabo, inclusive, é o personagem que pode deixar extrapolar o que havia de pior no desenho sem que pese a consciência de quem assiste.

Temos ainda aparição de outros personagens conhecidos do universo, como os gatos de rua liderados por Butch. As melhores aparições, no entanto, são rápidas. É preciso prestar a atenção para ver o calmíssimo Droopy surgir pelo filme como se fosse um grande psicopata. Em um outdoor, ele aparece como Coringa ao lado da icônica frase “Put on a happy face” e, depois, usando a máscara de Hannibal Lecter em Silêncio dos Inocentes, quando aparece preso no canil.

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Há também referências ao universo de super-heróis, sobretudo Batman, e a filmes como O Iluminado: Após uma sequência embalada por "Don't Sweat The Technique", de Eric B. & Rakim, vemos Tom acabar com a cara presa no buraco da porta, como uma versão desenho animado da clássica cena Here's Johnny!

Tom & Jerry: O Filme poderia ser melhor? Sim, mas isso não significa que Tom & Jerry: O Filme não seja ótimo. Divertido, leve e com responsabilidade psicológica, este é um filme capaz de resgatar o gosto por um tipo de animação que parece cada vez mais distante no tempo. Não é fácil fazer um filme tão cuidadoso com personagens que constantemente estão se machucando das mais variadas e complexas formas.