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Crítica | Como SCOOBY! O Filme deu tão errado é o verdadeiro grande mistério

Por| 01 de Junho de 2020 às 09h39

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Warner Bros.
Warner Bros.

Adaptações são sempre complicadas, sobretudo quando envolvem personagens muito queridos pelo público. William Hanna e Joseph Barbera produziram fórmulas que puderam ser repetidas ao longo de anos, diversos desenhos animados nos quais acontecia sempre a mesma coisa e, mesmo assim, entretinham. SCOOBY! O Filme tinha pela frente um papel difícil: ganhar uma nova geração que não é familiarizada com os antigos desenhos, ser minimamente nostálgico para as crianças que hoje são adultos e, enfim, atualizar a série para o público contemporâneo. Difícil, mas não impossível.

A Warner Bros errou feio, como se não fosse produtora de grandes títulos de animação. Scooby-Doo acabou nas mãos do diretor Tony Cervone, que tem experiência em animações como Looney Tunes e Tom e Jerry, e o roteiro foi escrito por quatro pessoas a partir de um argumento de outras três. É difícil entender como tantas mentes juntas conseguiram estragar algo cuja fórmula era simples. Ou talvez as muitas cabeças sejam justamente o problema, o que combina perfeitamente com o Cérbero que acaba aparecendo na trama.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

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Um crossover com Dick Vigarista é uma excelente ideia e trazê-lo como um vilão que não é tão vilão, porque está atrás do Muttley, seu melhor amigo, ajuda a deixar a trama complexa e com boas intenções. Mas de modo geral, SCOOBY! O Filme é um completo desastre.

De animação para animação

Scooby-Doo, a série, se aproxima muito do formato das sitcoms e abusa da comédia física, além de ter uma estrutura voltada para pequenos episódios. Ainda que SCOOBY! O Filme seja uma animação, há grandes diferenças entre formatos 2D e 3D, assim como o roteiro de um episódio tende a ser bastante diferente do roteiro de um longa.

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Produzido pelo Warner Animation Group, SCOOBY! O Filme parece o primo pobre de produções realmente incríveis, como Uma Aventura Lego (2014) e o sensacional Space Jam: O Jogo do Século (1996), cuja sequência já está a caminho. A animação 3D de Scooby-Doo deu errado em muitos sentidos: a mecânica de movimento dos personagens é estranhamente artificial, as adaptações faciais são pouco nostálgicas, o Dick Vigarista está longe de ser a figura que víamos em 2D e a equipe não parece ter entrado em consenso quanto ao movimento dos cabelos, que às vezes têm algum movimento, mas raramente de acordo com a movimentação do personagem.

Muito do que funcionava em uma animação 2D se perde completamente no 3D, que quase tem o efeito de um live-action quando posto ao lado de animações tradicionais. Assim, as movimentações exageradas do desenho animado parecem deslocadas na computação gráfica e o humor físico, geralmente ligado à violência, perde a graça (exceto para a faixa etária que tem isso como humor em quase qualquer situação). Inclusive, Space Jam é um filme que apresenta uma solução incrível para isso ao submeter o mundo real às leis físicas do universo animado: a violência ali não tem consequências graves, por isso ela é permitida. Mas quando Dick Vigarista arranca a cabeça de um robô e faz questão de ressaltar que isso irá doer, isso é um nível de violência que não deve estar em filmes que têm crianças como público alvo. Aliás: é coisa da minha cabeça ou Dick é Meu Malvado Favorito e os robôs são os Minions?

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Por falar em coisas inadequadas, a inserção do Falcão Azul parece ter sido muito mais em prol dos trocadilhos que pelo crossover dos Hanna-Barbera. Na dublagem original em inglês, “F-Bomb” é discutida por Salsicha e pelo super-herói como se fosse um palavrão e há momentos em que “Falcon” soa muito como “fuc***g”. Completamente inadequado e de mau gosto, uma piada que funciona pouco, seja com as crianças, seja com os adultos.

Cadê a noção, meu filho?!

Embora o argumento seja interessante, o desenvolvimento do roteiro é fraco. Há vários momentos em que a verdadeira essência da série se perde em prol de levar os personagens por um certo caminho. É difícil imaginar que Daphne, Velma e Fred precisariam de uma aventura inteira para entender a importância de Salsicha e Scooby para a equipe, afinal eles têm praticamente o mesmo super-poder que Dominó (Marvel): a sorte. A conclusão de que são o coração da Máquina do Mistério, embora tente ser um momento terno, na verdade só soa como um prêmio de consolação.

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SCOOBY! O Filme é, enfim, um desperdício de esforço e ideias. Acredito na adaptação de obras como Scooby-Doo, mas é preciso um roteiro mais arriscado, alguém que compreenda a essência de comédia e mistério da série para transportar as coisas certas para um longa, como fez Turma da Mônica: Laços (2019, Daniel Rezende), que é a adaptação de uma adaptação: para chegar onde chegaram, os personagens já haviam passado do processo de gibi para graphic novel e, posteriormente, live-action. Que SCOOBY! O Filme sirva como exemplo do que não deve ser feito, afinal mesmo filmes ruins têm muito a ensinar.