Crítica | Wrong Turn revitaliza o slasher e ensina o terror a criar vilões
Por Laísa Trojaike |
Desde a sedimentação do slasher como gênero, os estereótipos de colegiais ou jovens adultos são atualizados, mas raramente a escolha de quais seriam os estereótipos escolhidos mudava. Personagens clichês como a patricinha promíscua, a virgem, o idiota e o capitão do time, de certa forma adorados pelo público, apenas tiveram seus estereótipos contemporaneizados ao longo dos anos. Um deleite para os nerds que viam os bullies sofrer no cinema, numa vingança a la Nelson Rodrigues. A primeira coisa que vemos em Wrong Turn, é a subversão desse esquema clássico.
Assim, o filme logo de cara já mostra o que é: uma homenagem a todos os tipos de slashers, mas uma homenagem às avessas. Longe de ser uma sátira inteligente e elogiosa como foi A Babá: Rainha da Morte (que faz propositalmente uma atualização dos clássicos estereótipos), Pânico na Floresta - A Fundação (título nacional) é um elogio a todos os desdobramentos do slasher e uma tremenda reflexão sobre novos estereótipos, originais dos nossos tempos. Além disso, o filme ainda faz uma belíssima correção do “caipira” estadunidense, inúmeras vezes tratado de forma bastante ofensiva pelos filmes de terror.
Wrong Turn consegue homenagear, atualizar e corrigir um sub-gênero do terror que é considerado praticamente canônico. É uma pena, no entanto, que o longa não tenha caído nas mãos de mentes criativas mais autorais, porque, ouso dizer, em termos de ideia e homenagem, ele não está distante de filmes como Pânico ou os novos Halloween. Pânico na Floresta 7 (como também vem sendo chamado) também se aproxima do pastiche tarantinesco ao emular clássicos do terror de uma forma que vai muito além da simples referência, apropriando-se também de estéticas, linguagens e ideias.
Atenção! A partir daqui a crítica pode conter spoilers.
Reviravoltas
Wrong Turn começa sem pressa e se aproveita dos estereótipos e clichês impregnados nas nossas mentes ao mostrar Scott (Matthew Modine) procurando a sua filha em uma pequena e aparentemente hostil cidade. Até então, podemos entender os moradores locais como vilões e estamos autorizados pela própria história do slasher a pensar isso. Em contrapartida, Wrong Turn não deixará de nos mostrar o enorme preconceito que há por trás dessas representações, o que acaba sendo consertado pelo próprio filme no final, quando os locais se tornam heróis incompreendidos e salvadores (um recurso deus ex-machina que podemos aceitar tranquilamente).
Quando finalmente começamos a acompanhar o tradicional “grupo de jovens”, seus estereótipos são quase caricaturas dos militantes virtuais, pessoas com conhecimento, entendimento e empatia pelas causas, mas que provavelmente nunca enfrentaram uma ameaça real. Assim, a protagonista, novamente “a mais inocente”, ao invés de ser uma virgem (estereótipo retrógrado), é uma privilegiada defensora dos direitos humanos.
Chamados de "mimados idiotas", os jovens não ficam quietos e expõem seus currículos: Darius faz trabalho voluntário, Milla é oncologista (e a responsável por não deixar pessoas feridas guiarem o roteiro), Adam é um desenvolvedor de apps, Gary e Luis são donos de bistrôs em Nova York, enquanto Jen (Charlotte Vega) ostenta com não muito orgulho dois títulos de mestrado.
Com isso, A Fundação já estabelece personagens completamente diferentes, o que automaticamente extermina os clichês derivados dos estereótipos. Mesmo o “idiota” que fala quando não deve, personificado em Adam, é bastante diferente e não é simplesmente uma pessoa acéfala, mas uma pessoa que tem uma personalidade profundamente moldada por discussões de internet. Se os antigos slashers funcionavam como um espelho para os espectadores, este filme também convida à reflexão através dos seus personagens.
Quando a Fundação entra na trama, tudo começa a ficar mais tenso, claro. A inserção desse núcleo é no mínimo interessante. Pânico na Floresta 7 tem inúmeras referências e elas não estão muito escondidas. A Bruxa de Blair, Midsommar, A Vila, Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado, Evil Dead e até mesmo a animação Como Treinar o Seu Dragão ganham espaço entre as inúmeras referências, inspirações e homenagens de Wrong Turn.Este é, na verdade, uma espécie de reboot, remake ou "sequência espiritual" de Pânico na Floresta ("Wrong Turn", no original), clássica franquia escrita por Alan B. McElroy, mesmo roteirista desta nova entrada na franquia.
Citando sem copiar, o filme consegue prestar uma homenagem ao legado, mas sem cair nos mesmos problemas dos antigos slashers, que é a calcificação do gênero: o slasher é original e empolgante quando surge, mas se torna enfadonho quando o gênero é comercialmente engessado. Wrong Turn, um terror indie, consegue fazer malabarismos com o clichê e a consequência disso é um filme que instiga justamente por seguir caminhos que não somos capazes de antecipar.
Até o último segundo
Inicialmente, parece que vamos ficar acompanhando o grupo de amigos caminhando na floresta, enquanto são subtraídos um a um, até que o pai de Jen chegue e salve a filha, única sobrevivente. Ainda que isso aconteça de certa forma, Wrong Turn acaba com essa linha de narrativa em pouquíssimo tempo. A sequência de abertura nos indica que Jen e seus amigos estão desaparecidos e, quando enfim começamos a acompanhar a história deles, tudo se desenrola bastante rápido e não demora muito para que o grupo tenha sido completamente capturado, além de já ter tido algumas baixas.
As mortes não são perfeitamente previsíveis e acontecem pelos mais diversos motivos, o que traz mais camadas e complexidade para a história. O roteiro ainda chega a nos colocar em uma posição de dúvida bastante interessante ao inverter os papéis de vilões e mocinhos durante o julgamento promovido pela Fundação, uma excelente estratégia para remover o maniqueísmo da história.
Não é através do ponto de vista dos protagonistas que entendemos os membros da Fundação como maus, mas por suas próprias atitudes, sobretudo aquelas que limitam a liberdade dos membros do grupo. Podemos até entender que eles tenham uma ética e uma justiça próprias, que vivam segundo seus próprios valores, como acontece em Midsommar. Ao contrário do filme de Ari Aster, no entanto, o líder da Fundação é tirano com seu próprio povo, revelando a si mesmo como vilão.
Ao final, quando ele encontra Jen e sua família longe da floresta, o personagem enfim adquire ares de psicopatas como Charles Manson, cujo grupo foi inspiração para inúmeros filmes sobre “hippies do mal”, como Mandy: Sede de Vingança, outro tremendo elogio aos slashers. Na floresta, no entanto, a Fundação lembra outra cultura, pouco familiar dos brasileiros até muito recentemente, quando vimos as chocantes imagens da invasão ao Congresso dos EUA. Os chifres e peles de animais da ficção e da vida real, não devem ser mera coincidência, ainda que Pânico na Floresta 7 leve esses personagens ao extremo das suas próprias caricaturas.
Quem é fã de slashers e está contaminado por todos os códigos do gênero provavelmente irá se divertir como qualquer outro espectador ao ter suas expectativas frustradas pelas guinadas da trama. A imprevisibilidade se torna tão grande que ficamos grudados na tela até os segundos finais, quando contemplamos os mortos ao redor do veículo acidentado enquanto Jen e Ruthie caminham, somem do quadro e os créditos sobem. Ficamos atentos a cada detalhe até que a imagem se torna uma tela preta com a logo da Constantin Film. Nada mais aconteceu, mas fomos fisgados.
Entre referências, quebras de expectativa e muitas imagens gráficas de crânios esfaqueados, amassados e quebrados, Wrong Turn consegue criar um filme que parece refrescar o slasher de uma forma que ainda não tínhamos visto. Sem uma direção claramente autoral, que tornaria este um clássico instantâneo, o longa corre o risco de passar despercebido não apenas pelo público em geral, mas também pelos fãs de terror, o que seria uma pena. Wrong Turn não apenas merece reconhecimento, como também oferece toda uma nova possibilidade de exploração do gênero, algo que não vemos surgir todo dia.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech