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Crítica | Palm Springs é um dos melhores filmes sobre amor já feitos

Por| 24 de Julho de 2020 às 12h35

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Com mais de um século de idade, o cinema frequentemente repete temas. E está tudo bem. Os cineastas não são obrigados a inventar a roda o tempo todo. O importa é fazer de uma forma diferente, autoral, o tema que já se tornou clichê. A trama do personagem preso em um loop temporal tem uma de suas maiores representações no icônico Feitiço do Tempo e muitos dos principais títulos que vieram depois não são comédias, afinal, não é fácil seguir os passos de Bill Murray dirigido por Harold Ramis.

Palm Springs é o primeiro longa-metragem de ficção do diretor Max Barbakow, que trabalho o roteiro do também estreante Andy Siara. No elenco, o par romântico é interpretado por dois ícones de sitcoms: Andy Samberg, de Brooklyn 99, e Cristin Milioti, de How I Met Your Mother. A estética indie é um indício de que o filme é e não é despretensioso: há um muito de diversão, mas, ao mesmo tempo, é um filme muito bem pensado, sobretudo em como inovar dentro do clichê.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode ter spoilers.

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O todo

Quando um personagem entra em loop temporal, geralmente é uma espécie de castigo, um limbo no qual ele precisa passar por um processo de desenvolvimento até que finalmente é libertado da situação. Esse é o lado mágico. Na ficção científica, as especulações sobre o funcionamento do tempo entram em ação. Não tenho conhecimento, no entanto, de algum roteiro que tenha misturado ambas as situações. Nyles (Andy Samberg) entra sem querer no loop temporal e abraça a ideia de que é impossível sair dele. Sarah (Cristin Milioti) também entra sem querer no loop e tenta a redenção ao estilo Feitiço do Tempo, mas não consegue resolver o problema, precisando recorrer à ciência.

A rejeição do fantástico em meio a trama é um dos recursos que nos faz sair da linha de raciocínio do clichê. Com os personagens liberados da busca pelas boas ações, o roteiro se permite os momentos de curtir a imortalidade, as possibilidades de fazer absolutamente qualquer coisa e sempre sair ileso (pelo menos fisicamente). Humor e tristeza, no entanto, costumam andar de mãos dadas e Palm Springs provavelmente não seria um filme tão profundo se não se permitisse expor a depressão de Nyles.

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Ele e ela

É de uma tremenda inteligência a construção de Nyles. Não é de imediato que descobrimos que ele está inserido em um loop. Aos poucos, as revelações ficam maiores e mais assustadoras. Nyles já perdeu a noção do tempo e conhece tanto o mundo ao seu redor que, mesmo vivendo da forma mais non-sense possível, o cotidiano já adquiriu boas doses de monotonia. Além disso, a consciência pesada e as experiências de dor e sofrimento o transformaram.

A inserção de Sarah na trama possibilita que a história brinque com as duas possibilidades simultaneamente: a diversão dos primeiros tempos e o tédio após inúmeros dias. Ao final, Palm Springs tem muito a dizer sobre o amor de uma forma tão sutil quanto é sensível. Essas duas variáveis também dizem respeito aos ritmos distintos que as pessoas de um relacionamento podem ter. Quando Nyles fala sobre o entendiar-se com o outro, levando à conclusão de que isso é o melhor a se esperar, é possível sentir um soco no estomago e sentir as borboletas. Repentinamente, a rima de amor e dor brota com uma intensidade há muito não vista. Muitos são os romances, mas poucos são os filmes que têm sucesso ao falar de amor. Particularmente, os melhores são aqueles capazes de falar sobre o quão agridoce é amar: Amor, de Michael Haneke; O Lagosta, de Yorgos Lanthimos; e Border, de Ali Abbasi. Palm Springs consegue entrar nessa lista pesadíssima.

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As lições sobre o amor estão ao longo de todo o filme e tem outro de seus momentos mais fortes em mais uma quebra de clichê. Nyles não inseriu Sarah no loop, ela entrou porque quis, por suas próprias crenças, foi uma escolha, como deve ser um relacionamento, mesmo que a escolha de entrar tenha a ver com o reconhecimento de que não se sabe em que está entrando. A saída de ambos do loop temporal rejeita por completo a já esgotada imagem da mulher a ser resgatada. É Sarah quem se aventura nos estudos da física e é ela que escolhe arriscar a própria vida para tentar sair (é interessante, inclusive, como o recurso da cabra que desaparece insere mais imprevisibilidade à trama). Juntar-se a ela, também é uma escolha de Nyles. É lindo como o par está sempre lidando com as escolhas um do outro e como o estar junto é, acima de tudo, uma escolha.

Sem todo esse subtexto, ou qualquer outra interpretação que o espectador possa ter, Palm Springs não deixa de ser um filme atraente. Claro que ele se torna tão melhor quanto mais profundo conseguirmos percebê-lo, mas a superfície é autossuficiente também: assistir ao título como uma simples comédia-romântica é entretenimento de primeira para um leque bastante amplo de espectadores. Ele é inteligente e idiota, e a escolha dos atores potencializa isso, sobretudo com Nyles.

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Palm Springs é o tipo de obra que não surge a todo momento, porque demanda uma mistura de inteligência, reverência e habilidade que só surge de artistas que tem técnica e paixão igualmente elevadas. O equilíbrio perfeito entre o respeito pelo que nos precedeu e a necessidade de expressão pessoal. O resultado é um filme divertido e leve, mas repleto de possibilidades de leitura e reflexão.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech