Crítica O Samaritano | Stallone de volta aos anos 90
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Como todo ator, Sylvester Stallone tem seus altos e baixos na carreira. O ator começou com alguns clássicos, como Rocky: Um Lutador e Rambo: Programado para Matar, mas também se enfiou em algumas roubadas ao longo da década de 90 para retornar, já no final dos anos 2000, com o que todo mundo achava que seria uma despedida no auge. Pois bem, não foi o que aconteceu.
Um dos ícones do cinema de ação de Hollywood volta às telas com Samaritano, novo filme do Prime Video que leva o eterno Rocky mais uma vez ao universo dos quadrinhos. Desta vez, porém, interpretando um personagem independente e completamente desconhecido. É uma clara tentativa de mordiscar esse gênero tão lucrativo da indústria, mas que leva o ator direto para um tipo de produção que não se faz mal.
Apesar de carregar todas as assinaturas dos longas recentes de Stallone, Samaritano parece ser um filme de 1993 filmado em pleno 2022. E não apenas pela simplicidade do seu roteiro ao nível Stallone Cobra ou mesmo O Demolidor, mas por trazer toda uma estética e um espírito que remete a essa época não tão brilhante do ator.
Revirando o lixo
Ali na virada dos anos 1980 e 1990, o cinema adotou uma estética bastante específica. Refletindo os altos índices de violência nos grandes centros dos Estados Unidos, filmes como Robocop, Vingador do Futuro e O Juiz trouxeram futuros distópicos que sintetizavam esse sentimento de desesperança. Eram histórias ambientadas em cidades completamente cinzas, sujas e engolidas pelo crime — e somente um herói com mão de ferro poderia resolver isso.
E embora o zeitgeist de Hollywood tenha mudado e essa não seja mais uma imagem que povoa o imaginário do cinema, é a ela que o diretor James Avery recorre em Samaritano. Só que mais do que ser um aceno nostálgico a um estilo que não se vê mais, o resultado é apenas de algo que soa deslocado e fora de seu tempo.
Isso fica claro não só no visual da cidade e na meia dúzia de cenários usados. Na verdade, o clima noventista salta aos olhos quando ele se apoia em todos os maneirismos que marcaram aquele período e que não fazem mais sentido hoje. As gangues, os criminosos com visuais exagerados e a interpretação caricata desses bandidos, que confundem o ameaçador com o maluco, são coisas que cheiram a naftalina e têm som de VHS velho.
E esse resgate não acontece como uma homenagem a esses clássicos e tampouco aos filmes que o próprio Stallone fez nesse estilo, como o Stallone Cobra. Na verdade, parece que essa é muito mais a referência que o diretor tem do que é uma cidade corrompida do que um aceno ao saudosismo.
Mas qual o problema? Isso tudo faz com que Samaritano patine em uma direção bastante pobre que soa muito mais como um pastiche de um passado que ficou para trás por razões óbvias e que está muito longe de ser a Era de Ouro do cinema de ação — e tudo isso se sobrepõe aos acertos que o longa oferece. Tanto que, até aqui, falamos muito sobre esses tropeços e quase nada de Stallone, que é o que segura o filme.
O herói escondido
Ainda que tenha um roteiro muito simples e até previsível — você mata a virada da trama já na apresentação da história —, ela funciona muito bem naquilo que Samaritano tem de mais moderno: o próprio Stallone.
Ao longo dos últimos anos, o ator embarcou em um tipo de papel bem específico: o brucutu do passado que vive à sombra de sua própria história e desacreditado de si mesmo. Foi o tipo de personagem que o trouxe de volta aos holofotes com Rocky Balboa e Creed e que ele reaproveitou sem o mesmo sucesso em Rambo.
Dessa vez, ele interpreta um herói que é dado como morto há 20 anos após uma luta mortal contra seu arqui-inimigo, mas que preferiu viver como um velho aposentado em um bairro decadente. Só que a sua rotina pacífica muda quando um menino fã do Samaritano descobre seu segredo e isso atrai a atenção de um líder de gangue que idolatra justamente o vilão derrotado no passado.
Não há muito mistério no modo como a história é conduzida e o próprio roteiro não tenta fazer grandes reviravoltas ou momentos impactantes. Ainda assim, a evolução desse personagem funciona bem porque esse tropo é algo que dialoga com a própria figura de Stallone, de modo que personagem e ator se misturam mais uma vez. É uma estrutura que já soa um pouco repetitiva, mas que ainda tem seus momentos interessantes.
Até porque há algumas alegorias ali que vão ecoar toda a jornada desse idoso ranzinza e sua relação com o passado. Toda a mensagem está focada na ideia de que não existem heróis bons e vilões maus, já que todo mundo é um pouco das duas coisas e tudo depende de escolhas. É um discurso piegas e clichê, é verdade, mas que é bem trabalhado em torno da figura do Stallone. Do seu hobby de reciclar lixo à crítica social timidamente trabalhada, Samaritano tem seus momentos interessantes.
Vale a pena assistir a Samaritano?
O grande problema nisso tudo é que todos esses pequenos acertos que te fazem simpatizar com o longa são soterrados por um monte de decisões equivocadas de direção que tentam transformá-lo em um filme noventista.
Mais do que soar datado e deslocado de seu tempo, esse aceno é algo que não faz sentido, pois leva a história, o filme e o próprio Stallone para uma época que todos os envolvidos fazem questão de esquecer. Estamos falando de um período em que a carreira do ator desandou em projetos bastante questionáveis e é incompreensível levar o longa nessa direção.
É inegável que o carisma de Stallone ainda segue forte. Não por acaso, ele é a melhor coisa por aqui. No entanto, como o bom senhor septuagenário que ele se tornou e como o seu próprio herói explica, há coisas que a idade não permite mais — e se enfiar em enrascada é uma delas.