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Crítica | No Coração do Mar é uma luta sintética entre homem e natureza

Por| 03 de Agosto de 2020 às 19h30

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Warner Bros
Warner Bros

A era dos streamings tem sido interessante para muitos filmes que, de repente, podem ter passado despercebidos por boa parte do público quando lançados nos cinemas há poucos anos. No Coração do Mar (disponível na Netflix), por exemplo, custou US$ 100 milhões e teve um retorno de bilheteria abaixo dos US$ 94 milhões. E o épico marítimo, baseado no romance homônimo de Nathaniel Philbrick sobre o naufrágio do baleeiro Essex, tem ferramentas de sobra para ser popular: é dirigido por um dos diretores mais queridos de Hollywood, trata de uma história bem conhecida – porque é a mesma que inspirou a criação do clássico Moby Dick (de Herman Melville) – e tem um elenco estelar, que vai de Tom Holland ao protagonista Chris Hemsworth.

Cuidado! A partir daqui o texto pode conter spoilers.

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Ron Howard, que dois anos antes havia lançado o excepcional Rush: No Limite da Emoção (de 2013), parece querer construir camadas para além da veia de ação e aventura do filme – a ideia intimista, inclusive, sempre está em suas obras. Acontece que, aqui, o universo não demora a ter um tom agigantado, pesado, o que começa a entrar em uma espécie de conflito com a dinâmica proposta pelo diretor. Existe, constantemente, a exposição de contrastes, sejam estes entre homem e natureza, entre a pobreza e a riqueza ou entre situações menos objetivas – como nos constantes embates sobre a relevância do mérito.

Luta sintética

De todo modo, o duelo entre a direção e a história não está sozinho e, pouco a pouco, começa a fundamentar o filme. Por essa perspectiva, Thomas Nickerson (Holland) resume com exatidão o roteiro de Charles Leavitt (de Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos) ao definir tudo em uma história sobre dois homens. Essa visão consegue direcionar a epicidade de No Coração do Mar justamente para as intimidades de George Pollard (Benjamin Walker) e, finalmente, para a personagem de Hemsworth (o heroico e ambicioso Owen Chase).

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Howard, então, ao mesmo tempo em que desenvolve as características pessoais e expõe a vida privada – e até romântica – dos seus protagonistas, começa a construir uma tensão crescente em volta da lenda (ou não) criada por uma história de pescador e, posteriormente, engrandecida por Melville. Tanto o diretor quanto o roteirista buscam fugir da obcecada luta do Capitão Ahab (homem descrito no romance do escritor) para fundamentar uma história centrada no homem e distanciada do monstro. O problema (caso seja um problema de fato) é que a busca por afastar as características grandiosas do que é contado para fermentar os homens com tanta humanidade acaba por não dar muitas dimensões claras à baleia, que, mesmo sendo um possível símbolo do troco dado contra a caça desumana, pode ser vista como uma vilã unidimensional.

Nesse sentido, toda a discussão sobre respeito à natureza pode soar artificial. Talvez por estar nas mãos de um diretor acostumado a discussões e situações que engrandecem o homem, o filme acabe se tornando burocrático em alguns momentos e, ironicamente, perca uma força que parece contida. A aparência sintética (de tanta computação gráfica envolvida) e escura de No Coração do Mar, assim, quase consegue retirar a crueza dos corpos pós-naufrágio – que, em comparação, perdem até para o solarmente iluminado Náugrafo (de Robert Zemeckis, 2000).

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Um acaso infeliz

Por outro lado, a estrutura dark pensada por Howard e posta em prática pela direção de fotografia de Anthony Dod Mantle (do citado Rush: No Limite da Emoção) cede uma atmosfera quase de terror, fazendo com que as perseguições sejam pontos altos da produção justamente por estarem construídas sob uma tensão e até regras de gênero. Fica faltando, porém, a solidificação (ou a transparência irrefutável) de que o homem, por mais que lute pela própria vida e por mais que tenha um coração romântico, também pode ser um vilão cruel.

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No entanto, No Coração do Mar ainda consegue ser um bom filme. Isso, a depender da disposição do espectador, deve-se ao fato de que o diretor de Splash: Uma Sereia em Minha Vida (filme de 1984) e Uma Mente Brilhante (de 2001) sempre consegue alcançar alguma emoção verdadeira. Ao mesmo tempo em que essa habilidade está em uma escolha de planos tradicional, ele (Howard) é um apaixonado em causar sensações e despertar sentimentos, o que torna a sua decupagem clássica extremamente direcionada. Além disso, por mais que não costume correr riscos, é um dos melhores diretores de elenco vivos, o que, enfim, consegue dar liga e consistência às atuações, criando uma unidade forte, apesar de convencional, que transforma o fracasso de bilheteria em um acaso infeliz (ou de mau marketing) para um filme que merece ser visto.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech