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Crítica | Ninguém Sabe que Estou Aqui é a natureza forte e romântica da vida

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Filmes de estreia são, geralmente, mais complicados. Há uma certa necessidade de provar a que veio, uma pressão de fazer bem para conseguir ecoar com outros trabalhos. Dentro desse contexto, o título Ninguém Sabe que Estou Aqui (disponível na Netflix) é até simbólico, como se o diretor Gaspar Antillo estivesse abrindo a porta de um novo mundo de maneira silenciosa e tímida. Não é difícil que o primeiro filme de uma carreira seja o que carrega a maior carga íntima do seu criador e, ao assinar também o roteiro – junto a Josefina Fernández (de Mi Amigo Alexis) e Enrique Videla (de Ventana) – Antillo abraça justamente uma história de iniciação traumática, de um homem que, quando criança, foi vítima do bullying e de uma indústria cruel.

Ao mesmo tempo, a abordagem do diretor é muito segura ao flertar, em alguns momentos, com o realismo fantástico. Esse affaire acaba por ceder dois efeitos: o mais evidente é que o filme não demora para se transformar em um estudo de personagem, com Memo (Jorge Garcia) presente em todas as cenas. Ele é o centro de tudo, seja nos planos mais abertos, seja nos médios ou nos closes, o protagonista não deixa de estar em destaque. Mas existe também uma construção que evita tratar a personagem de Garcia como se ela fosse uma exceção, o que é conseguido por meio da linguagem imagética.

Cuidado! A partir daqui o texto pode conter spoilers.

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Abraço da natureza

Nesse sentido, Antillo optou por uma proporção de tela (aspect ratio) claustrofóbica, mais estreita que o comum 16:9, como que prendendo aquele homem já aprisionado por um trauma. Essa escolha, inclusive, faz com que o obeso Memo não só esteja em todas as cenas do filme, mas preencha partes consideráveis da tela. Em contrapartida, esse tratamento também deixa ainda mais exposta a causa de o personagem ter sido privado de colher os frutos de sua própria voz: é evidenciado o motivo da rejeição para mostrar ao espectador o quanto grita a ditadura da beleza antes de tudo.

Ainda, se no cinema, assim como na vida, a imagem tende a ser uma espécie de cartão de visita, a direção do chileno concede rimas visuais que ultrapassam qualquer beleza fútil. O início, por exemplo, ao ser junto à natureza, parece querer dizer da beleza de tudo aquilo que é natural – como a voz do talentoso jovem Memo. Essa mesma natureza, inclusive, quando exposta nos planos mais abertos, parece manter ele (Memo) centralizado, como que abraçando-o carinhosamente.

Que é para sempre

A estética, além disso, é o principal elemento de flerte com o realismo fantástico, com o diretor de fotografia Sergio Armstrong (de No) utilizando luzes vermelhas que criam ou dão vida à felicidade soterrada daquele homem traumatizado. Não importa, por essa perspectiva, se o que acontece debaixo daquela iluminação vermelho-sonhadora é a força da imaginação de Memo ou a vida se revelando em pequenos lapsos.

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Tudo, enfim, deságua em um final que é sólido, romântico e satisfatório, com Memo sufocando o pai que vendeu sua voz, expondo a verdade de quem se aproveitou dela (de sua voz) e repousando ao lado de quem viu a sua beleza natural – a que é verdadeira e para sempre.

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Tudo sem estar banhado pela luz vermelha, porque, a esse ponto, a vida é mais do que realista; porque ele está livre do seu passado. No final das contas, aquele homem pode descansar, na horizontal, completo no frame, repleto e cheio de amor.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech