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Crítica Mães Paralelas | Sobre tempo, amor e história

Por| Editado por Jones Oliveira | 21 de Fevereiro de 2022 às 21h00

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Quem vê Mães Paralelas de fora, pensa que o mais recente filme do premiado cineasta Pedro Almodóvar não passa de um novelão, ou mais um longa-metragem para a filmografia de Penélope Cruz. Se anexado ao trailer tivermos a citação do jornalista uruguaio Eduardo Galeano, que reflete sobre a história humana recusar-se a ficar calada, o filme pode parecer totalmente fora de contexto.

Não é como se um cineasta altamente consolidado com seu conceito e estética que marcam a história do cinema há duas décadas precisasse, de fato, se provar para alguém. Em Mães Paralelas, é nítida a liberdade criativa na escrita diante de todos os longas de Almodóvar. No entanto, o cineasta não se contenta com a zona de conforto que seu nome lhe traz.

Não é equivocado dizer que esteé, de longe, seu filme mais político. Entretanto, Mães Paralelas está longe de ser político em suas falas e diálogos. Almodóvar mostra que viver, por si só, já é um ato político. Assim como amar, sentir e existir. Para Almodóvar, esse tipo de manifestação vem do pessoal, e é por isso que ressoa de diferentes formas em cada um.

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Para transparencer isso, o cineasta escolheu não utilizar uma narrativa tão linear. Quando acompanhamos a história de Janis, vemos uma fotógrafa que está há muito tempo lutando para encontrar o cadáver de seu avô, enterrado numa vala comum a outros integrantes da oposição à Falange Espanhola, uma organização política inclinada ao fascismo.

Determinada a enterrá-lo com decência, Janis conversa com um antropólogo, e é nos diálogos entre eles que Almodóvar quebra a seriedade do assunto com romance e dá início ao seu novelão. As conversas passam de profissionais a flertes em apenas um corte, e é também numa elipse que o diretor interrompe uma tarde de sexo para nove meses depois, com Janis grávida na sala de parto.

Micro e macrouniversos

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Disposto a brincar e dançar com contrastes, Almodóvar choca dois mundos em um só ao apresentar Janis à Ana: aquela, uma profissional autônoma e financeiramente independente que desejou ter o bebê; esta, uma menor de idade e sem o mínimo amparo da família, grávida depois de uma violência sexual.

Ao estabelecer esse choque, Almodóvar procura refletir com o peso da presença, ao mesmo tempo que traça um paralelo daquele cenário particular de Janis para uma história que aconteceu há anos, durante a guerra civil espanhola.

Em pouquíssimo tempo, Janis encontra-se numa indecisão em que uma das escolhas podem resultar na mais vergonhosa hipocrisia. Ela, cuja profissão vive de eternizar momentos e criar história, agora segura o segredo que pode mudar completamente sua vida e de sua filha.

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Sem perceber, nos tornamos cúmplices de Janis, que agora tem em suas mãos o destino de sua filha Cecília. Esta batizada do nome cujo significado vem de "cega", escolhido a dedo caso seu futuro fosse não permanecer com sua mãe biológica, e sim com o que fora traçado para si a partir de um simples erro médico.

Janis se vê diante da possibilidade de apagar toda a história de Cecília, tal qual os fascistas que apagaram a de seu avô: uma mentira que pudesse transbordar seu coração de amor pelo resto de sua vida, mas que, no fundo, lhe traria o recalque do arrependimento e enganação.

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Almodóvar nas entrelinhas

E é no subjetivo que o cineasta acaba tendo seu ato mais político retratado nas telas. Cruz, que sempre cresce sob sua direção, traz aqui a reflexão do peso de uma escolha e como facilmente elas nos direcionam para o oposto de nossos princípios sem percebermos.

Mães Paralelas é mais uma obra de arte de Almodóvar, num roteiro sem amarras, mas ainda usando e abusando de sua doçura e paixão pelas cores na direção de arte. Penélope Cruz, que agora garante mais uma indicação ao Oscar, transparece a política por trás da maternidade, e eterniza o político de viver, mesmo que em suas entrelinhas.

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Mães Paralelas está disponível na Netflix.