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Crítica | Last Moment of Clarity é suspense sem suspense em um drama sem drama

Por| 08 de Junho de 2020 às 08h00

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Lionsgate Films
Lionsgate Films

Às vezes, o mais complicado para um filme é conseguir estar satisfeito dentro de um gênero. Ater-se a uma meta, ter um foco e não querer abraçar o mundo pode ser um sinal de confiança, de qualidade. Isso pode ser exposto em outras funções da vida. Seria complicado, por exemplo, viajar tranquilo se quem pilota o avião parece ter insegurança na função. Pode ser uma analogia estranha, mas Last Moment of Clarity ("Último Momento de Clareza", em tradução livre, já que ainda não há título nacional) me despertou a pensamentos do tipo. Isso porque a direção de Colin Krisel e James Krisel não parece ser somente insegura, mas perdida, como se o piloto não fosse somente hesitante, mas estivesse há dois dias sem dormir.

Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

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Uma ideia genial

O filme, inicialmente, tenta provocar o espectador com as sensações de Sam (Zach Avery). Para isso, a dupla – que também roteirizou – utiliza artifícios um tanto quanto amadores, não somente tentando desviar a atenção para o sofrimento de perda do protagonista, mas buscando ligá-lo a um homem mais velho (interpretado por Brian Cox) e possivelmente sábio. Enquanto a provável morte de Georgia (Samara Weaving) é tratada em flashbacks que tentam ser misteriosos – como o tiro que acerta o cano de gás –, cada fala de Gilles (Cox) parece adornada de uma bondade e de uma sabedoria quase artificiais e sintéticas.

Essa mesma forma inorgânica encontra par na estética idealizada pelos Krisel: as cores escuras parecem adornar uma seriedade boba demais, como se a cada passo Sam se aproximasse de algo que já é um tanto quanto óbvio para o espectador. Alguns momentos, como uma breve discussão no banheiro de um restaurante entre ele e Lauren Clerk (Weaving), tentam desestabilizar a noção do público sobre o que está acontecendo, mas pode surtir uma sensação desconfortável, como se, mesmo diante de todas as evidências factuais sobre algo, alguém aparecesse dizendo: “Para mim o E.T. Bilu existe. Você precisa acreditar”.

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Nesse sentido, o thriller – gênero em que Last Moment of Clarity se identifica – tende a perder todo o seu sentido. Não existe suspense quando o elemento suspensivo está somente na cabeça de um personagem e não causa (ou quase isso) incômodo a quem acompanha a história. É como assistir a uma versão bem simplificada de O Sexto Sentido (de M. Night Shyamalan, 1999) ou de Psicose(de Alfred Hitchcock, 1960), filmada sem um terço do talento estilístico e sabendo do desfecho. Ou seja: não é como assistir a um bom thriller, a um bom suspense. É, em resumo, uma aventura boba e previsível (sem nada para prever) filmada por quem acredita ter tido uma ideia genial.

Per Amore

De todo modo, a mesma confiança que os Krisel têm, de repente, validam a existência de Sam. Este, sendo o único perdido da história que se importa com isso – incluindo, talvez, quem assiste ao filme –, faz tudo seguir em frente devido à sua persistência. Toda a seriedade textual do roteiro aliada aos planos sisudos da direção, por mais que possam retirar todo o carisma do personagem e transformá-lo em um tonto sem graça, revelam algumas camadas atraentes de quem está ao seu redor. Aparentemente sem que a dupla de diretores tenha pensado nisso, Kat (Carly Chaikin) acaba por se transformar na pessoa mais válida dos 90 minutos de duração. Sua personalidade autodepreciativa é mais complexa do que o fio central da história e daria um filme à parte, uma espécie de spin-off.

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Weaving, por outro lado, faz o possível para tornar Georgia e Lauren interessantes, mas tudo parece segurá-la, como se houvesse um peso dramático em um suspense fútil. Ao esboçar o plano de uma personagem se esconder da máfia pintando o cabelo e se tornando atriz de cinema em Hollywood, Colin e James Krisel acharam a ideia realmente extraordinária ou apostaram em uma situação de comédia. Em ambos os casos, existe uma inconsistência principal: não há qualquer elemento da direção que transforme a máfia em um bando de trouxas. Pelo contrário: a própria presença de Ivan Demisovski (Udo Kier) traz uma credibilidade aos criminosos que não é levada a sério.

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No final das contas, Last Moment of Clarity está para o suspense assim como Felipe Dylon ou Suzana Vieira estão para o canto. Nada que muito estudo e a prática não resolvam toda a insegurança, afinal, arte vai muito além do supervalorizado talento, é trabalho e conhecimento. Se a insegurança deles não estiver estampada em seus espelhos, o primeiro passo pode ser não acreditar que estão arrasando. Aqui, e enfim, mesmo esse sendo o primeiro trabalho dos Krisel, talvez não seja interessante duvidar da capacidade deles em evoluir. Mas, per amore... que evoluam.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech