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Crítica | Coda é sobre a fragilidade da existência

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1976 Productions
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Coda pode não ser um filme que resistirá na memória. Talvez, seja somente um filme passatempo, desses que tentam emocionar – e até conseguem –, mas que logo são soterrados por novas experiências e acabam sendo esquecidos. Por outro lado, raramente me volto para questões pessoais ao escrever uma crítica, ainda mais em filmes recentes, mas, neste caso, eu não seria verdadeiro se optasse pelo distanciamento da temática.

A história, dirigida pelo estreante Claude Lalonde, segue Henry Cole (Patrick Stewart), um pianista famoso que, após dois anos longe dos palcos, retorna aos concertos, sendo acompanhado por constantes crises de ansiedade. Sua inspiração para continuar acaba sendo uma jornalista, Helen Morrison (Katie Holmes), que se integra à sua vida de maneira muito presente.

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Coda, nesse sentido, poderia ser um gatilho para desencadear uma crise forte sobre algo que, intimamente, eu sinto que superei – e comentar sobre isso abertamente já não é muito difícil. De todo modo, o filme, sem fazer muito esforço, construiu relações entre aquele pianista e quem eu sou que vão além do instrumento e do ofício.

Por essa perspectiva e em paralelo, enquanto a calma daquele homem que luta contra si mesmo parece constantemente prestes a sumir (e até some rapidamente durante uma partida de xadrez), sempre escutei de alunos, colegas e amigos sobre quão grande é a minha paciência. A ansiedade, então, vem para minar essa provável qualidade de uma forma que ela (a paciência) é exterminada. Acontece que a única que acaba de verdade é aquela consigo mesmo.

Perde-se, assim, o autoequilíbrio. Este, por sua vez, consome a autoestima – “Você realmente gostou do concerto?”, Henry pergunta para Maya (Letitia Brookes) quando ela lhe pede um autógrafo. O fim do amor-próprio, finalmente, acaba por ser uma parcela do que de pior pode acontecer para o desenvolvimento pessoal.

Assim parece

A direção de Lalonde não busca intensificar o que quer que seja. Existe um tom quase banal demais na relação do diretor com tudo aquilo que ele filma. O peso dramático do roteiro de Louis Godbout (de Monster – filme de 2019), aliás, pode não demorar a ser escondido pela exposição praticamente televisiva, com os cortes rápidos da montagem de Claude Palardy (de Mont Foster, 2019) buscando espaço para inexistentes comerciais e algumas cenas potencialmente simbólicas sendo subaproveitadas.

Sem muito espaço para respirar, as sensações de Henry começam a ser normalizadas, o que não aconteceria se os momentos sãos fossem aproveitados com um ritmo menos acelerado. Isso, ainda, pode ser sintomático de um filme que parece buscar uma sobrevivência comercial evitando ser menos apressado.

Quando Coda finalmente começa a aproveitar suas cenas e relaxar – o que acontece nos minutos finais –, pode ser tarde demais. Encostado na enorme pedra com milhões de anos de existência, a personagem de Stewart parece em outro filme. A natureza, enfim, é muito maior e, especialmente, muito mais duradoura do que aquele homem. A rocha, desprezada pela maioria mesmo estando presente ali desde sempre, acaba tendo um significado que transcende a situação.

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Por isso, sentado para observar aquela formação, Henry não só fundamenta a simbologia daquilo tudo, mas retorna ao início do filme e à narração daquela que o fez, justamente, parar naquele local: "Sem a música, a minha vida teria sido incompleta, como se eu não tivesse amigos ou lembranças". A música – o piano especificamente – é quem possui as melhores memórias de quem tanto se doou para ser o que é. E chega um momento em que elas (as boas memórias) são o universo mais necessário para que a vida siga seu caminho.

Assim termina

Eu nunca saberia dizer se a vida seria um erro sem a música. Talvez Nietzsche tenha postulado essa afirmação como uma hipérbole do quanto a primeira de todas as artes está presente em nossas vidas. Hoje, minha vida musical está restrita às aulas que continuo lecionando, ao ofício de compositor e ao de ouvinte cotidiano. Mas foi a música que me voltou para o cinema, quando, há 14 anos, criei um blog para escrever, entre poemas e textos aleatórios, críticas musicais (ou algo parecido). Logo, aliado a um passado de muitos filmes (algo que comentei na crítica sobre O Poderoso Chefão), acabei me voltando para o cinema, passando a exercer a função de crítico da área em 2008.

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No final das contas, é óbvio que nunca cheguei ao nível de Henry. Acredito que eu estava em um caminho parecido com o de Daniel (filho de Maya – interpretado por Drew Davis), admirando em êxtase quando conhecia os maiores. Cheguei a ter aula com Paul Rutman e Eric Huebner, já em uma fase que as dores eram companheiras que eu ocultava. O ano era 2003 e eu, com 18 anos, não sabia (ou não queria saber) que parar sem esquecer poderia ser o melhor caminho.

Logo, Coda, enquanto filme, pode sumir de minha memória muito em breve. Na prática, nada da forma pensada por Lalonde consegue ter força para prolongar por muito tempo a minha experiência enquanto espectador. Mesmo assim, as palavras iniciais de Helen ficarão bem marcadas em mim: “Até já tentei ser uma pianista uma vez, até perceber a fragilidade que é tocar piano...”.

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Acaba que a maior fragilidade é existir.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech

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