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Crítica | Archive explode tarde demais

Por| 02 de Agosto de 2020 às 14h15

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Independent
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Em meio a um dos primeiros diálogos de Archive, George (Theo James) parece iniciar a primeira reflexão a ser desenvolvida: “Arquivando tudo o que faço, nunca terminarei nada.” De fato, a personagem de James tem internalizada essa vontade praticamente inabalável de finalizar um trabalho pessoal. Para isso, ele armazena absolutamente nada durante seu trabalho. Apenas cria, desenvolve e, durante o processo, acaba por dar vida a duas robôs. Cada uma permanece em um limbo de existência eterna, em uma fase de vida muito específica. J1 é a que tem a inteligência artificial comparável à de uma criança de seis anos de idade e J2 a de uma adolescente de 16.

Nesse ponto, são tantas as discussões possíveis sobre ética que esse primeiro trabalho em um longa-metragem do roteirista e diretor Gavin Rothery pode ter um paralelo com o excepcional Ex_Machina: Instinto Artificial (de Alex Garland, igualmente em seu primeiro filme, de 2014). Por essa perspectiva, George demonstra ter uma personalidade, até certo ponto, parecida com a de Nathan (Oscar Isaac) na produção de 2014. Acontece, porém, que, enquanto Garland consegue impor uma visão muito específica sobre seu roteiro e construir um interesse crescente pelas situações, Rothery cria uma atmosfera um tanto genérica, como se estivesse interessado mais em contar a história do seu roteiro do que dar força para ela (para a história).

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Cuidado! A partir daqui o texto pode conter spoilers.

Uma caixa blindada

Por outro lado, existe um dimensionamento claro da relação do protagonista com suas robôs e, ainda, uma relação bem próxima com questões sobre responsabilidade emocional. Nesse sentido, J1 e J2, por mais que tenham sentimentos e pensamentos de seres humanos, recebem um tratamento próximo-mas-com-restrição do seu próprio criador – algo que, com algum esforço, pode causar reflexões sobre a paternidade. Elas (as robôs), também, são um caminho para algo maior; são projetos inacabados e, por saberem disso, sentem algum nível de desprezo – com George falando abertamente que esqueceu de fazer os braços de J1. Essa relação entre criador e criaturas acaba por desenvolver um nível de melancolia quase empática nela (J1) e, na adolescente J2, sintomas da depressão, o que culmina em um fim trágico.

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Mesmo assim, não existe uma relação forte o suficiente com a linguagem, por parte da direção, para que os momentos tenham impactos coerentes. Na verdade, não há força dramatúrgica no trabalho de Rothery. O diretor, que parece evitar closes a todo custo, permanece entre planos gerais (que mostram a solidão e a frieza externa do local) e planos médios (que, de algum modo, podem dar a sensação de ilustração do roteiro). Com essa carência de planos, Archive sofre de uma maneira implosiva: há uma potência enorme no roteiro que parece implorar para explodir, mas o diretor prefere fechar toda a força do próprio filme em uma caixa blindada.

Sem apego

Ainda, a ginoide J3 (Stacy Martin – que também cede sua voz para J2) surge com novas possibilidades e, novamente, volta a lembrar Ex_Machina: Instinto Artificial e Ava (a personagem de Alicia Vikander). J3 é, enfim, o trabalho praticamente finalizado de George. O problema, então, é que, perdido no caminho que ele mesmo escreveu, Rothery, talvez, não consiga construir uma relação simpática entre espectador e protagonista. Dessa maneira, o filme pode dar a impressão de que não sai do lugar ao mesmo tempo que se encaminha para o final.

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E é justamente no fim que a carga implosiva de Archive solta uma faísca e parece que vai transformar o marasmo anterior em um contraste necessário para uma resolução explosiva. E até que existe a explosão, com J3, munida das memórias de Jules (Martin), servindo a uma discussão sobre controle, realidade e até pós-morte...

Mas, no final das contas, tudo é soterrado, com toda a energia da história de Rothery sendo revelada como uma enorme mentira. Em um plot twist rápido, com o maior jeito de ter saído de um curta-metragem – mas quase que inserido displicentemente –, o filme chega ao fim sem muito apego às quase duas horas desenvolvidas anteriormente: porque, para quem fica naquele universo, elas nem existiram.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech