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Crítica | Amulet acerta em cheio ao criar uma nova mitologia dentro do terror

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Com gosto de clássico, Amulet é um belíssimo terror para fãs do gênero, mas pode ser decepcionante para quem busca por medos exacerbados e sustos constantes. A cineasta estreante Romola Garai, que tem uma extensa carreira como atriz, parece ter tido liberdade suficiente para explorar sua autoralidade tanto como roteirista quanto como diretora, o que nos proporcionou um tipo de terror que é pouco revisitado pelos realizadores contemporâneos.

O terror, aqui, é um suspense crescente que deságua em um gore dramático e sensível, e, por fim, em uma fantasia. Todo esse processo é muito bem encadeado e imprevisível, já que o espectador é conduzido por uma via que o engana quase no mesmo ritmo em que o protagonista é também enganado. Ao falarmos de terror fantástico é difícil não pensar em H.P. Lovecraft e há algo de lovecraftiano em Amulet, sobretudo no objeto que dá nome ao filme: um amuleto que tem a forma de uma criatura ancestral bizarra e misteriosa.

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Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

Evidências

Conhecemos Tomas (Alec Secareanu) trabalhando sozinho no meio de uma floresta e, em seguida, o descobrimos vivendo em situação de rua, não demorando para que desenvolvamos empatia por ele. Na floresta, o enquadramento faz questão de mostrar como Tomas é pequeno diante da natureza, em contraste com a altura dos pinheiros (o que será muito mais significativo ao final). O personagem também aparece enquadrado com headroom acentuado, aumentando a sensação de isolamento e solidão de Tomas, o que contribui ainda mais para que desenvolvamos uma certa estima por ele.

Garai, no entanto, trabalha muito o roteiro no sentido do que o nosso ditado popular “quem vê cara, não vê coração” diz. É sem pressa que gradualmente nos é revelado que Tomas não é exatamente uma pessoa pura como aparentava e que sua relação com a filosofia foi incapaz de o fazer mais ético (ou talvez ele tentava recuperar sua moralidade através da leitura de, por exemplo, Hannah Arendt, que fala justamente sobre a banalidade do mal e as consequências da guerra).

Amulet também nos confunde ao inserir pistas que conduzem o espectador a mitologias já conhecidas, criando, no final, um universo próprio. O amuleto lovecraftiano do início do filme só retorna no desfecho. Durante o desenvolvimento da trama, a inserção de uma figura religiosa indica possessão demoníaca. A direção de arte indica que talvez a própria casa seja amaldiçoada. Outros detalhes se somam como em um filme de vampiro: a criatura que está no último andar faz mais barulhos à noite e não suporta luz, Magda tem a marca de uma mordida no braço e, enfim, surge um morcego sem pelos no sanitário. Mas nenhuma dessas teorias estão certas. Será um filme de bruxa? Talvez.

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Já que se trata de um protagonista filósofo, não é demais imaginar que o fato de Tomas encontrar a criatura dentro do sanitário seja uma referência à teoria de Slavoj Žižek, segundo o qual o vaso sanitário simboliza o desejo do personagem de se livrar de um segredo, apoiado na ilusão de que, assim como os excrementos, o segredo desapareceria. Assim como os excrementos vão para a rede de esgotos ao invés de sumirem magicamente, também não somem os segredos, que vêm a tona na metáfora do vaso sanitário entupido e que, eventualmente, transborda.

Potência

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Garai cria um terror que se desenvolve em grande parte a partir do suspense, sustentado pela nossa ignorância acerca da terceira pessoa que habita a casa. Quando o segredo é revelado, o impacto visual talvez não atinja o espectador contemporâneo, já que a maquiagem é um misto de referências ao clássico e ao gore, que evolui para um excelente body horror quando somos expostos à imagem de um homem tendo que dar à luz ao morcego demoníaco.

É lindo como, aos poucos, a paleta de marrons abre espaço para uma fotografia mais criativa, com luzes verdes inundando o espaço sem a necessidade de uma justificativa, o que lembra muito os giallos, subgênero do horror italiano. Quando isso acontece, o filme ganha outra camada e é possível notar que a estrutura de Amulet é muito semelhante à de Suspiria, de Dario Argento, um dos maiores expoentes do giallo. Com isso, talvez Amulet realmente se assuma como pertencente ao subgênero focado em bruxas.

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Essa semelhança não deve ser compreendida como cópia. Longe de ser um plágio do estilo, Amulet é um resgate do horror clássico transmutado em uma linguagem muito contemporânea. Ainda além, Garai arriscou a criação de uma mitologia própria, com uma personagem com potência para uma franquia ao nível de Hellraiser e com seus próprios ícones: a entidade, o amuleto e a concha (que aparece em seus diversos formatos ao longo do filme).

É uma pena, no entanto, que talvez o espectador contemporâneo não esteja muito aberto a esse tipo de novidade que faz uma grande reverência a clássicos conhecidos muito mais pelos entusiastas do gênero. Além disso, o espectador de hoje está muito mais condicionado a filmes de terror paranormal que prometam pesadelos por uma semana. Amulet, infelizmente, também não é autoral o suficiente para entrar no hall de filmes como os produzidos por Ari Aster ou Robert Eggers. Amulet provavelmente é uma pérola que vai passar despercebida e muito dificilmente ganhará o reconhecimento merecido.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.