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Batman é herói ou alguém realmente desequilibrado?

Por| Editado por Jones Oliveira | 28 de Fevereiro de 2022 às 18h00

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Reprodução/DC Comics
Reprodução/DC Comics
Bruce Wayne

O novo The Batman chega aos cinemas com a proposta de trazer uma versão bastante crua do personagem clássico. Ao longo das várias entrevistas e declarações dadas pelo diretor Matt Reeves e pelo ator Robert Pattinson, que vive o herói, sempre foi destacado que essa nova interpretação do Homem-Morcego o mostraria em início de carreira e, por isso mesmo, em uma área bastante ambígua sobre o que realmente é ser um herói.

Em entrevista recente, Pattinson chegou a comentar que o seu Batman teria um espírito quase criminoso, vivendo além das leis para pôr em prática seu senso de justiça. Contudo, nessa mesma fala, ele levantou um ponto que sempre foi bem marcante nas histórias do Cavaleiro das Trevas, mas que nunca foi explorado nos cinemas: a sua sanidade.

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Segundo o ator, ele vê Bruce Wayne como alguém que realmente gosta de se vestir de morcego para sair espancando pessoas nas ruas — ou seja, que é algo que vai além desse dever com a cidade, é um tipo de prazer próprio nascido do trauma da perda dos pais.

“Ao socar alguém, sua mente esvazia e ele se acalma, chegando quase a um estado de plenitude”, explica. “Tenho certeza que, em suas lutas, ele se convence de que todo cara na sua frente é quem matou sua mãe e isso permite que ele desconte toda sua raiva".

E essa é uma visão que faz muito sentido tanto para a abordagem que The Batman promete trazer para questionar o que é justiça e o que é vingança quanto para a própria persona do herói. Afinal, até que ponto o Homem-Morcego é realmente um herói ou apenas alguém desequilibrado batendo em todo mundo na rua?

Discussão antiga

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O debate sobre a sanidade de Bruce Wayne não é nada novo e há tempos é alvo de discussão entre os fãs de quadrinhos e as próprias histórias da DC já levantaram essa questão, deixando realmente uma enorme interrogação sobre a situação psicológica de seu mais icônico herói.

Não foram poucas as vezes em que o herói foi mandado para o Asilo Arkham como paciente, seja como um engano ou parte do plano de algum vilão. Além disso, um dos maiores clássicos do herói, A Piada Mortal, termina justamente colocando que não há muita diferença entre a loucura do Coringa e a do Cavaleiro das Trevas.

E o principal argumento que muita gente traz para isso é que realmente não é muito saudável um adulto se vestir de morcego para combater o crime de forma bastante questionável nas ruas durante a noite, ainda mais levando em conta que ele poderia combater a criminalidade de forma muito mais efetiva com a sua fortuna do que com seus punhos.

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A razão as motivações do Batman são claras e fazem parte tanto da sua gênese nas HQs quanto das diversas versões que o personagem recebeu nos cinemas. Essa sua obsessão contra o crime em Gotham nasce justamente do seu trauma de ter testemunhado a morte dos pais enquanto ainda era criança. Em resumo, ele sacrifica o próprio bem-estar para impedir que outras pessoas passem pela mesma dor.

Ao mesmo tempo, a própria DC já admitiu que não há nada de normal nisso. No arco Eu Sou Suicida, assinado pelo roteirista Tom King, o próprio Batman se mostra ciente de sua condição e imagina como os seus pais veriam suas ações, rindo do absurdo e do ridículo de ver Bruce pendurado em prédios esperando um crime acontecer, como se pudesse limpar o mal na base do soco.

Toda essa cena é bem interessante, pois mostra como o próprio herói sabe que ele faz algo que é completamente ilógico e, mesmo assim, segue nessa cruzada vazia como se fosse mudar algo. Em determinado momento, ele admite que tudo isso é infantil e que ele próprio segue preso a esse voto que fez enquanto ainda era uma criança assustada e traumatizada.

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É claro que os fãs do personagem vão questionar e dizer que não é nada disso, que o juramento que Bruce fez e o tanto que ele se sacrifica pelo bem de Gotham mostram o quanto ele é determinado em suas convicções. Mais do que isso, que toda a racionalidade, os planos mirabolantes e a mente sempre afiada mostram que não há nenhum resquício de insanidade e que ele é apenas alguém obsessivo, paranoico, depressivo e com grandes tendências suicidas.

Contudo, não há como negar que a visão apresentada por Robert Pattinson em relação a The Batman faz muito sentido. A instabilidade do personagem não precisa passar pelo mesmo nível de insanidade doentia do Coringa e que o simples fato de ele adotar um comportamento completamente ilógico — e que ele sabe muito bem disso — é um forte indício de que ele não está nada bem. Basta lembrar que Hannibal Lector é considerado insano, apesar de toda a sua racionalidade.

Correndo o risco de entrar em um debate social sobre um universo que não existe, é muito estranho que alguém tão rico quanto Bruce Wayne acredite que a única maneira de limpar Gotham da violência seja a partir de mais violência do que usando esse dinheiro para extirpar o crime organizado que toma conta da cidade.

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É quase como se, como o próprio Pattinson destacou, ele gostasse de ir às ruas bater em quem ele julga estar fazendo o mal — ou seja, projetando os assassinos de seus pais em trombadinhas, mafiosos e grandes vilões. E isso não é nada heróico. Na verdade, é quase um prazer sádico de pura e simples vingança.

Tanto que esse deve ser o questionamento levantado por The Batman. Como os trailers sugerem, toda a jornada do personagem deve passar por uma evolução da forma com que ele encara o problema da cidade. Assim, enquanto começa a sua vida de vigilante como esse alguém que quer se vingar de uma ideia de criminalidade, Bruce deve perceber que ele e sua família são responsáveis pelo que aconteceu e que, por isso, há um débito com Gotham — ou seja, a justiça que ele busca é a da redenção e não a da pureza.

Isso é algo que algumas histórias já tentaram abordar e que chega a ser apontado no filme Coringa. Afinal, e se a família Wayne não fosse essa coisa maravilhosa e perfeita idealizada por um Bruce infantil, mas pessoas ricas, influentes e com conexões bastante questionáveis e que lucravam em cima da decadência de Gotham?

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Ao se dar conta dessa realidade, as ações do Batman passam a fazer um pouco mais de sentido. Sob essa perspectiva, ele passa a ser movido por um dever moral de reparar a cidade que sua família tanto prejudicou — ainda que socar pessoas seja a forma menos eficiente de fazer isso.

A relação com o Robin

Outro ponto que volta e meia é levantado para questionar a sanidade do Homem-Morcego é sua relação com o Robin. Se formos olhar de maneira bem fria para a Dupla Dinâmica, nada mais temos do que um homem adulto que sai por aí aliciando menores vulneráveis para colocá-los em situações de quase morte com relativa frequência. Em alguns casos, de morte mesmo.

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O caso mais claro disso é com Dick Grayson, o primeiro Menino Prodígio. Ele fazia parte de uma família de trapezistas que é morta e Bruce praticamente adota o garoto órfão e passa a treiná-lo para lutar contra o crime. Basicamente, é como se ele se visse no garoto e, a partir disso, o treinasse para se tornar um Batman, alguém nessa cruzada vazia contra uma ideia de criminalidade.

Esse é um paralelo que pesa muito contra a sanidade do herói. Afinal, se a ideia é realmente proteger as pessoas, não há sentido algum colocar um menor de idade com roupas coloridas na linha de tiro contra a máfia e vilões ainda mais loucos. Aliás, esse é um ponto que chega a ser questionado na série Titans, em que o Robin desiste de ser o parceiro do Homem-Morcego por ver o quanto seu antigo mentor parecia estar descontrolado.

A coisa fica ainda mais fora de controle quando vemos que esse não foi um episódio isolado e que ele recrutou outras crianças para assumirem esse papel de ajudante mirim. E nem mesmo o fato de um deles ter sido morto a golpes de pé-de-cabra pelo Coringa o fez acreditar que seguir nessa estratégia era uma péssima ideia. Ninguém em sã consciência faria isso.

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É claro que as histórias já mostraram Bruce questionando até que ponto faz sentido ter um ajudante só para arriscar sua vida e os roteiros sempre mostram que são os próprios Robins — e o restante da bat-família — que se dispõem a esse papel, mas isso não tira o peso da responsabilidade do herói nesse ponto. Ainda mais quando ele chega a colocar o próprio filho, de apenas 10 anos, na função.

Outro lado da moeda

Outro argumento que sempre é levantado para falar sobre como o Batman não bate muito bem das ideias é justamente sua galeria de vilões. Há uma tese entre muitos fãs de quadrinhos de que os melhores inimigos de um herói são aqueles que complementam de alguma forma o personagem, quase como um outro lado da moeda.

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Um exemplo bem claro disso é o Homem-Aranha, cuja maior parte dos inimigos estão relacionados a essa característica animalesca que o personagem carrega. É o Rhino, o Escorpião, o Abutre e até mesmo o Venom, que nada mais é do que uma aranha do mal. São todos animais, como o próprio Peter, mas que se debandaram para o lado do mal justamente por não terem o altruísmo que caracteriza o herói.

É basicamente a ideia de tese e antítese. Enquanto o herói é essa figura iluminada e que representa o que há de bom, os vilões são um espelho negativo dessa imagem, trazendo elementos semelhantes, mas com valores opostos. Da mesma forma, temos alguém como Kraven, o Caçador, que nada mais é do que essa figura que antagoniza com a ideia do animal de Peter Parker.

E, com o Batman, a relação acaba sendo a mesma. Coringa, Arlequina, Chapeleiro Louco, Duas-Caras, Zsasz e Professor Porko são apenas alguns dos inimigos do Cavaleiro das Trevas cuja maior característica é serem justamente loucos — e não por acaso todos são presos no Asilo Arkham, um manicômio e não uma prisão comum.

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É quase como se as histórias nos mostrassem que, na verdade, o Batman combate a própria insanidade enfrentando a de outros, de gente que é muito pior do que ele e muito mais perigosa. Apesar de todos os poréns, Bruce ainda tem um senso de moral e ética que o impede de ultrapassar a linha que esses vilões deixaram para trás há muito tempo — e seria a partir dessa relativização que ele se veria como alguém sem qualquer tipo de problema.

Da mesma forma, há outros vilões que funcionam na mesma lógica de oposição que temos com Kraven e o Homem-Aranha. Afinal, é realmente estranho ver a quantidade de inimigos que o Homem-Morcego coleciona que estão ligados à ciência e à própria psicologia e psiquiatria. O Espantalho e Hugo Strange são os nomes mais óbvios dessa lista, mas que também tem o Senhor Frio e a Hera Venenosa.

Por trás da dúvida

A grande verdade é que essa é uma questão que está bem longe de ter uma resposta fácil — se é que um dia vai ter alguma. Isso porque é justamente nessa ambiguidade em torno do Batman que há o seu maior charme e que faz dele um personagem tão interessante.

Da mesma forma que é possível ver um belo resquício de insanidade nessa cruzada contra o crime, há também uma imagem quase poética de alguém que se entrega de corpo e alma (e mente) em uma luta que sabe que não pode ganhar, mas que faz mesmo assim por ser o único capaz. Quase um Sísifo moderno e essa rocha que insiste em descer ladeira abaixo dia após dia.

Por isso mesmo, é muito provável que os fãs sigam discutindo se o Batman é herói ou alguém realmente desequilibrado, da mesma forma que as próprias histórias da DC vão corroborar ou discordar dessa interpretação. A dúvida faz parte da essência do personagem e é a partir dela que nascem as melhores histórias. A Piada Mortal está aí para nos mostrar o quanto isso é verdadeiro e, ao que tudo indica, The Batman pode seguir pelo mesmo caminho.