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Por que será que as assistentes pessoais virtuais são quase sempre femininas?

Por| 06 de Abril de 2016 às 08h56

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O ano é 2016 e funções como empregada doméstica, faxineira, cozinheira, babá ou secretária ainda são encaradas como tipicamente femininas - como se mulheres tivessem nascido para servir. E esse conceito torto de que mulheres devem serventia à sociedade está tão enraizado no nosso meio que seus reflexos podem ser vistos até mesmo nas mais modernas invenções da tecnologia, como as assistentes pessoais virtuais e inteligências artificiais.

Acha que é exagero? Bom, vamos lá: Siri, assistente pessoal dos iPhones e iPads, tem voz de mulher; Google Now, assistente pessoal de dispositivos móveis do Google, também responde como mulher; Cortana, a assistente pessoal do Windows Phone, também responde com voz de feminina; Alexa, a assistente pessoal do Amazon Echo, também é representada como mulher; Xiaoice, inteligência artificial da Microsoft na China, também é feminina; ou ainda Tay, a inteligência artificial adolescente da Microsoft, também foi criada nos moldes de uma garota.

Representação gráfica da assistente Cortana no jogo "Halo" mostra a figura feminina bastante sexualizada (Reprodução: Divulgação)

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Esses “serviçais” do século XXI não poderiam ser chamados de “eles” no plural não somente por emitirem uma voz com tonalidade feminina, mas especialmente porque todos os exemplos citados acima foram programados para terem também uma “persona” feminina - e vale ressaltar que os membros das equipes de desenvolvimento são predominantemente do gênero masculino. No entanto, o público final que faz uso dessas assistentes é bastante diversificado: qualquer pessoa, de qualquer gênero, utiliza tais serviços.

A vida não está imitando a arte tão bem assim

Enquanto isso, na ficção científica, é muito mais fácil lembrar de robôs e inteligências artificiais representados por figuras masculinas. J.A.R.V.I.S, o assistente de Tony Stark em “Homem de Ferro”, é homem. KITT, da série “Knight Rider”, também era masculino. E quem não se lembra de HAL 9000, a inteligência artificial masculina de “2001 - Uma Odisseia no Espaço”?

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HAL 9000, a inteligência artificial de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (Reprodução: Divulgação)

Claro que também podemos citar rapidamente, assim “de cabeça”, personas femininas, como por exemplo VIKI, a inteligência artificial que comanda as instalações da US Robotics em “Eu: Robô”, ou Maria, a maschinenmensch do clássico “Metropolis” do expressionismo alemão. Também vale a pena citar a IA do filme “Ela”, de 2013, em que o personagem principal se apaixona pela assistente pessoal de seu computador.

O supercomputador Viki, de "Eu, Robô", cuja "lógica é inegável" (Reprodução: Divulgação)

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Ou seja: pelo menos no cinema e nas séries de televisão, a diversidade na construção das inteligências artificiais, robôs e assistentes pessoais é indubitavelmente maior do que a da vida real, em que, ao menos por enquanto, estamos cercados por personas quase que exclusivamente femininas nos serviços à nossa disposição.

Discrepância no mercado de trabalho tecnológico

Também não seria exagero traçar uma relação entre a predominância de assistentes virtuais femininas e a predominância de pessoas do gênero masculino no desenvolvimento de produtos e serviços das grandes empresas de tecnologia. De acordo com dados de 2015, a presença masculina na Microsoft é de 83%, número parecido com o do Google, que tem 80% de homens na sua relação de funcionários. Enquanto isso, 79% dos funcionários da Apple são homens, número que cai para 61% ao analisar o quadro de empregados da Amazon.

A ótica masculina no sentido mais tradicional do termo é marcante também ao analisar o conteúdo que as assistentes virtuais têm ao seu alcance para atender às demandas dos usuários. Por exemplo, a Apple levou mais de quatro anos para adequar as respostas da Siri a perguntas sobre serviços abortivos, ao passo que a assistente do iPhone já veio programada para pesquisar rapidamente por serviços de prostituição e fornecimento de medicamentos contra a disfunção erétil. Quer dizer, na hora de construir a assistente, questões de necessidade feminina nitidamente ficaram em segundo plano em comparação a questões de interesse masculino.

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Diversidade e inclusão são questões delicadas, mas o debate é necessário

Alguns leitores podem pensar “mas e se os assistentes pessoais fossem masculinos, as mulheres reclamariam de falta de representatividade”, com certa razão. Realmente, se os assistentes de gadgets e smartphones fossem todos representados por homens, estaríamos aqui elaborando um texto sobre a falta de diversidade de gênero nos produtos tecnológicos. Falaríamos sobre o mesmo sexismo, mas por uma outra ótica - a ótica de que, para os desenvolvedores, em sua maioria homens, seria mais “fácil” criar personas masculinos, e criticaríamos a ausência de representatividade feminina nesses serviços. No entanto, provavelmente estaríamos criticando a mesma construção das personalidades dessas IAs para preferir assuntos que interessem mais ao universo masculino do que às mulheres (como o exemplo das pesquisas sobre abortos em comparação à pesquisa sobre Viagra).

O questionamento que fica no fim das contas é: por que, então, desenvolver serviçais digitais com gênero? Afinal, gênero é uma característica associada a questões biológicas - além de ser uma construção social -, e robôs e IAs não têm naturalmente seu gênero determinado logo após seu “nascimento”, como acontece com os seres humanos. Por que não construir um assistente pessoal agênero, capaz de contemplar e atender às necessidades de qualquer pessoa - seja homem ou mulher, cisgênero ou transgênero?

Com informações de ZDNet, Cult of Mac, Telegraph