Empresas podem obrigar funcionários a fazer "dancinhas do TikTok"?
Por Douglas Ribas Jr. |
*Escrito em coautoria com Roberta Paiva
Em tempos de presença marcante das empresas nas redes sociais, seja através de postagens dinâmicas, stories, reels e lives, no caso do Instagram, seja com as famosas dancinhas e alguns slogans no TikTok, com as diversas finalidades, sobretudo divulgação de marcas, de produtos, sem se falar nas live shops que unem entretenimento e venda, é inegável que o papel que se esperava dos colaboradores tenha sofrido mudanças.
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Hoje as empresas querem ser notadas e, muitas vezes, até mesmo “vender” sua forma de atuação, com dicas de gestão e o uso de jargões.
A pandemia do novo coronavírus foi o motivo crucial para que as marcas se reinventassem e se tornassem mais presentes no mundo digital. Para aquelas que já tinham presença digital, o processo se aprimorou e novas ferramentas foram adotadas. Para os novatos, um mundo se abriu.
Nos dois casos, porém, algo em comum: tendo em vista que as marcas são representadas por pessoas, com a forte presença digital, rostos e falas é que acabam por materializá-las.
O fato é que a propaganda e a comunicação mudaram! Dancinhas, falas engraçadas, hashtags, slogans, frases motivacionais e storytelling buscam engajamento e proximidade ao consumidor.
Não há problema nesse dinamismo trazido pelos novos tempos, porém, não se pode esquecer que por trás das câmeras dos celulares das empresas e lojas existem colaboradores que merecem, acima de tudo, tratamento respeitoso.
Dancinhas para engajamento no âmbito da empresa ou fora dela
Fala-se muito em “clima organizacional”, “pertencimento à empresa”, “vestir a camisa”, “gerar desejo da marca” e dentro desse universo de anseios das empresas, encontra-se o plano de ação: rituais, encontros, adoção de slogans, gritos de guerra, jargões, dancinhas para as redes sociais — como a febre do funk da Ultragaz em 2017.
Há algum limite para o empregador? O funcionário pode ser obrigado a cantar hino motivacional, por exemplo?
Neste ano, a Justiça negou pedido de indenização de trabalhador que alegava ter sido obrigado a cantar e dançar diariamente em reuniões internas das equipes. A decisão da 5ª Câmara do TRT da 12ª Região foi unânime em afastar a ocorrência de dano moral por entender que a prática de manter cantos motivacionais no ambiente de trabalho não representa ofensa quando a atividade não ultrapassa o limite de promover o engajamento da equipe.
Na régua para saber se o limite foi superado está a provocação de humilhações e constrangimento ao funcionário.
No caso ocorrido, um empregado de hipemercado ingressou com ação judicial para receber indenização por danos morais sob a alegação de que se sentia constrangido ao ter que cantar e dançar diariamente nas reuniões internas.
A empresa, por sua vez, alegou que a participação era opcional e o objetivo seria gerar engajamento da equipe com o clima de alegria que se almejava trazer para a organização. Em 1ª e 2ª instâncias, o entendimento foi unânime de que não houve qualquer humilhação ao funcionário, não tendo o empregador excedido o seu poder diretivo.
Em outro caso, porém, houve decisão penalizando rede de supermercado que adotava as segundas-feiras como o dia oficial do evento motivacional em que se verificou a superação do limite acima, trazendo vexame e vergonha para funcionária submetida a danças e rebolados.
Ainda, em outra situação, quando se verificou que o pano de fundo para engajar funcionários no canto do hino nacional era a penalização e humilhação desses, a Justiça logo entendeu que, uma vez mais, o limite havia sido superado, não se podendo consagrar lobos em pele de cordeiro. É o que se viu no caso de um vendedor submetido pelo supervisor ao gesto de entoar o hino nacional sob os olhares dos colegas quando chegava atrasado ao trabalho. O assédio moral da empregadora restou amplamente caracterizado.
Conclusões
O fato é que, tanto no ambiente interno, como no trato com os clientes e com o público em geral, considerando o amplo alcance da atuação por meio das redes sociais e canais de vendas, é importante ter cautela, mesmo diante do dinamismo e da velocidade que as atuações exigem.
O funcionário não pode ser exposto à situação vexatória e de humilhação. Isso, porém, nada tem a ver com timidez e constrangimento no sentido do desafio profissional de precisar se expressar em público e até mesmo nas redes sociais do empregador.
O constrangimento a que nos referimos é aquele grave que fere a dignidade da pessoa humana e traz sofrimento e sensação de desprezo.
Ambiente interno
Para os gestores, principalmente para a equipe de RH, é importante pensar em eventos e slogans que, de fato, se relacionem com os valores da empresa e tragam o diferencial que tanto almejam. Envolver os funcionários nesse projeto pode ser um bom caminho para acabar trazendo o pertencimento que as empresas valorizam.
Abrindo a janela
Para segurança, tanto do empregador, como do empregado, a transparência é uma boa aliada, na medida em que garante que o trabalhador saiba exatamente o seu job description, com as possibilidades de atuação inclusive em frente às câmeras de celulares, explorando a atuação da empregadora e marcando a sua presença digital.
Assim, logo na fase de abertura de vaga e entrevista, o empregador poderá dizer o que espera do candidato e este saberá exatamente o que deverá fazer em seu trabalho rotineiro.
Para o empregador, a recomendação é que as possibilidades de atuação digital do colaborador sejam descritas no documento de contratação, ainda que de forma resumida, não esquecendo de obter a autorização para uso e divulgação da imagem e voz do funcionário em razão da atuação nas redes sociais e canais em geral, principalmente em razão da finalidade comercial.
Com transparência e respeito, dificilmente estará caracterizado algum abuso e ofensa aos direitos do trabalhador nas infinitas possibilidades de atuação digital, com o emprego de imagem e voz, e presencial, nos eventos e rotinas.