Por que o Coringa de Joaquin Phoenix é tão diferente? Nós explicamos
Por Claudio Yuge |
Desde que o projeto do novo filme do Coringa foi apresentado, quem acompanha de perto a indústria estava ansioso por conta da abordagem. Partindo dos detalhes da produção, passando pela interpretação de Joaquin Phoenix e chegando à ideia de transformar o personagem em algo que transcende sua própria mortalidade, tudo se alinhava para um grande sucesso — e é o que tem acontecido. Mas qual é o grande charme dessa versão do Palhaço do Crime?
Em primeiro lugar, a postura da Warner Bros/DC Films mudou após os fracassos na tentativa de mimetizar um universo compartilhado e mais sincronizado, como o do Marvel Studios. Os executivos finalmente caíram em si e perceberam algo óbvio: que o grande diferencial da DC Comics é justamente as inúmeras interpretações de seus mesmos heróis e vilões em 52 Terras paralelas e infinitas linhas temporais.
Além disso, a Warner, uma empresa quase centenária, tem em sua folha de pagamento mensal algo que o Marvel Studios não tem: os melhores profissionais do mercado em todos os quesitos técnicos, desde figurino e logística até fotografia, roteiro, direção, entre outros. Então, a ideia foi fazer um filme nos moldes tradicionais — e não um de gênero, como a seara do super-herói se tornou.
Eis que chegamos a um olhar peculiar sobre a Nova Iorque dos anos 70 — Gotham é baseada na Big Apple dessa época, com influência noir de Chicago da década de 30 —, com bênção do especialista nesse assunto, Martin Scorsese. O comando ficou por conta de Todd Phillips, veterano que, embora seja conhecido por comédias (como Se Beber Não Case ou Um Parto de Viagem), vem da escola novaiorquina de cineastas — com uma visão mais crua e urbana, influenciada por filmes de ação como Operação França e Taxi Driver.
Some a isso ao interesse de Phoenix por uma narrativa mais intimista, um estudo de personagem, algo libertador e ao mesmo tempo desafiador — um parque de diversões para todo grande ator, que sabe o ônus e o bônus que vêm com isso tudo.
A mortalidade de Batman
Uma das coisas que mais atraem os fãs do Homem-Morcego é essa sensação de ele sempre está próximo da morte, afinal ele é apenas um ser humano comum entre vários deuses. Mas, ao longo do tempo, isso precisou ser remodelado para uma nova audiência.
Veja bem, os adolescentes pré-internet acreditavam que um “Y” chamado de “capacitor de fluxo” nos levaria para o futuro. Bem, hoje os jovens são bem diferentes e essa audiência precisa de uma explicação mais real para o que acontece nas histórias em quadrinhos.
Assim, o diretor Christopher Nolan repensou o personagem para “explicá-lo” melhor. E como transformar, no cinema, um homem nesse herói adorado por décadas? A resposta: torná-lo um símbolo. Essa é a jornada de mortalidade do personagem em sua trilogia e, na segunda parte, o Coringa sabe que sua maior derrota reside justamente nesse fato, o de não conseguir destruir o que Batman representa.
A Corte das Corujas e o “Homem Pálido”
Scott Snyder, roteirista que revitalizou toda a mitologia do Batman e da própria DC Comics nesta década, aproveitou essa ideia para também rever o passado do Coringa. No arco da Corte das Corujas, o Homem-Morcego descobre que um “Homem Pálido”, bem parecido com o Coringa, já teria sido visto por aí séculos atrás.
Vale destacar que o Palhaço do Crime foi baseado na figura do filme O Homem Que Ri e criar essa imagem, de um mito urbano com um aspecto aterrorizante, tornaria o background do vilão bem mais interessante.
Snyder acabou explicando as coisas de uma maneira mais ampla com o Universo DC, mas esse conceito levou o Coringa a outro patamar — a um nível imortal.
Os três Coringas e Gotham
Logo após isso, Geoff Johns e Snyder revelaram a existência de três Coringas na atual continuidade DC. Isso foi o que Batman descobriu quando teve a chance de fazer uma pergunta para a onisciente Cadeira Mobius, de Metron. E quem são esses eles?
Isso ainda está para ser mostrado, em uma edição especial atualmente em produção, mas suspeita-se que sejam o mais recente, da saga Morte da Família; o da época de A Piada Mortal; e um que pode ser várias versões — talvez seja um curinga, com o perdão do trocadilho, para o próprio Coringa.
Essa possibilidade chegou a ser explorada na série Gotham, em que vimos os gêmeos Jerome e Jeremiah Valeska se tornarem também o Palhaço do Crime.
Coringa como um símbolo e o tom certo
Eis que chegamos então ao Coringa de Todd Phillips e Joaquin Phoenix. A Nova Iorque dos anos 70, a interpretação imersiva de Phoenix, os filtros frios que dão à cidade-personagem sua própria identidade e a proposta de tornar o vilão em um símbolo — assim como seu nêmesis — podem explicar bem a razão deste ser um antagonista completamente diferente de suas encarnações anteriores.
A partir deste filme, ele deixa sua mortalidade de lado e também mostra que se tornou uma ideia, uma amostra de tudo o que a sociedade pode produzir de ruim se não cuidarmos uns dos outros. Afinal, nem sempre teremos um certo Homem-Morcego para transformar vingança em justiça.
Cesar Romero, Jack Nicholson, Mark Hammil e Heath Ledger, abram passagem: esse Coringa tem todo o direito de estar ao lado de vocês no hall das melhores versões de um dos vilões mais adorados de toda a cultura pop.