Crítica | The Banker tenta estabelecer noções de igualdade
Por Sihan Felix | 01 de Abril de 2020 às 07h00
Há algumas semanas, escrevi sobre Luta por Justiça (de Destin Daniel Cretton, 2019). Naquele filme, a ideia da direção parece ter sido deixar a questão racial o mais clara possível – ainda mais em uma sociedade que tende a negar seus atos falhos. Dentro dessa perspectiva, existe uma dinâmica interessante entre o preconceito que é mostrado, o desenvolvimento dos personagens e a abordagem de planos do diretor, algo que é bem equilibrado por mais que seja expositivo.
Por outro lado, The Banker (disponível no Apple TV+) parte por um viés mais centrado em um único personagem e, a partir dele, constrói relações com os demais. Não que o filme de Cretton não tenha esse tipo de centralização (que é a personagem de Michael B. Jordan), mas, se aqui cada passo e decisão de Bernard Garrett (Anthony Mackie) influencia diretamente a vida dos demais e cada atitude externa influencia os passos de Garrett, no filme de Cretton o advogado Bryan Stevenson (Jordan) é uma espécie de interlocutor: ele não tem comando sobre a história.
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Cuidado! A crítica pode conter spoilers!
A cor do dinheiro
A partir da premissa, The Banker assume uma abordagem um tanto quanto limitante e passa a depender da habilidade da direção, o que influencia diretamente o trabalho do elenco. Não há tempo, por exemplo, para que seja apresentado o desenvolvimento de Bernard, para torná-lo crível. Inicialmente, ele é uma criança negra que se interessa por números e, então, passa a bisbilhotar reuniões financeiras de brancos ricos. Sozinho, aparentemente sem escola e até sem o apoio do pai – claramente pessimista pelo passado dolorido –, o menino acaba tornando-se uma espécie de gênio.
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Assim, o tratamento dado pela direção de George Nolfi (de Os Agentes do Destino, 2011) é simplório. Isso porque, mesmo com o filme sendo baseado em fatos e com a existência da possibilidade de Bernard ter aprendido e se desenvolvido sem auxílio direto algum, Nolfi pode alimentar a suposição perigosa de uma meritocracia solitária. E, aos poucos, parece ser exatamente isso que The Banker procura: estabelecer noções de igualdade sem mencionar a equidade, algo socialmente controverso talvez.
Por outro lado, existe uma preocupação do roteiro – escrito por Nolfi e três debutantes na função (Niceole R. Levy, David Lewis Smith e Stan Younger) – em não trazer um personagem branco simpático para quebrar o gelo dos brancos racistas. Há uma profundidade que vai além dessa caricatura exposta até mesmo em Histórias Cruzadas (de Tate Taylor, 2011) e Estrelas Além do Tempo (de Theodore Melfi, 2016). Existe, sim, o branco que se torna parceiro da dupla formada por Bernard e Joe Morris (Samuel L. Jackson), mas sua função não parece superficial: Matt Steiner (Nicholas Hoult) carrega um racismo oculto, do tipo que pode ter boas intenções e acabar tornando-se agradecido, mas que se denuncia desde o princípio, quando diz que o que importa para si é a cor do dinheiro e não a da pele – mas o dinheiro, no caso, estava no bolso dos brancos.
Cavalo de Troia no sistema
Ainda, é interessante como essa relação de Bernard e Joe com Matt é quase como uma alusão à estratégia do Cavalo de Troia, com a dupla preparando tudo para adentrar no esquema por meios invisíveis. A primeira vez, inclusive, em que a personagem de Hoult parte para a compra de um grande imóvel é das mais interessantes de The Banker; é quase como estar presenciando uma ação – algo que Nolfi, além de Agentes do Destino, realizou em A Origem do Dragão (de 2016).
Essa empolgação mais forte, infelizmente, talvez só seja sentida em mais uma única oportunidade, quando Bernard esquece a sua carapuça de raiva contida (bem descoberta por Joe) e expõe toda a opressão sistêmica diante de um tribunal cheio. Assim, as cenas do filme vão se intercalando, uma a uma, e, de repente, pode ser perceptível a importância do talento de Jackson. Seu personagem malandro contrapõe totalmente a morbidez do protagonista – até ofuscando a atuação quase monocórdica de Mackie.
Mas são os subtextos que dão alguma sobrevida a The Banker. As diferenças entre Bernard e Joe são fundamentais para uma exploração que tangencia as questões de classes sociais dentro da própria comunidade negra. Essas questões são mais expostas quando é Bernard quem precisa ensinar ao branco como se portar e parecer um homem rico. Nesse sentido, há uma visão relativamente mais profunda sobre a influência da classe social no mundo dos negócios e sobre como pequenos detalhes comportamentais – fúteis até – acabam por definir algum futuro (seja no micro ou no macro), o que foge da superficialidade de um filme como Green Book: O Guia.
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Nolfi, no final das contas, não realizou um filme esquecível. Há, sem dúvida, uma unidade na composição do todo em The Banker que é muito familiar: a coloração sépia para remeter a um passado real; a guia imposta pela trilha sonora de H. Scott Salinas, que, se vez ou outra soa com um peso dramático exagerado, parece acompanhar o excesso da situação (ou tentando desviar do atoleiro que são os números bancários); e, enfim, a tentativa de transformar tudo em uma história simples e digerível – por mais que, para isso, acabe deixando de lado a complexidade que é não ser um agente dentro das regras, mas alguém que, para entrar nelas (nas regras) e nas normas humanas, precisa ser uma exceção de fato e quebrar o sistema.