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Crítica | Luta Por Justiça desenha para expor o racismo

Por| 21 de Fevereiro de 2020 às 18h45

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Warner Bros. Entertainment
Warner Bros. Entertainment

Ontem mesmo, durante uma viagem, eu e mais duas companhias conversávamos sobre o racismo e o quanto a nossa sociedade é moralmente falha e corrupta. Falávamos sobre o quanto o preconceito racial tem sido velado, varrido para debaixo do tapete e tratado como se as melhoras fossem significativas quando, na verdade, não são. Talvez seja verdade a existência de uma certa adequação social a favor das tentativas de igualdade de oportunidades, mas, quando se pensa em equidade, há uma ruptura – há um ciclo vicioso que parece corromper qualquer progressão nesse sentido e faz retornar o poder para os poderosos.

Dentro desse esquema, as ações mais relevantes partem dos oprimidos, daqueles que, se hoje detêm algum poder, um dia nada tiveram. Esse, além de ser um dos pontos do lugar de fala – termo que tem a melhor explanação no livro Lugar de Fala, de Djamila Ribeiro –, pode revelar o quanto a autoridade pode ser falha quando exercida por quem não vivenciou aquilo que diz defender (e, às vezes, até tenta defender mesmo). Pior: esse controle da moral, dos princípios mais humanos, pode acabar sendo destituído exatamente de humanidade quando quem rege qualquer área tem seus valores centrado no próprio umbigo.

Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

Para que os fatos cheguem

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Luta Por Justiça parte dessa história cíclica do racismo e do livro escrito por Bryan Stevenson para propor, portanto, uma visão já sabida dos fatos. E pode ser revelador entender o porquê de algo já tão exposto (especialmente na literatura e no cinema) necessitar de mais trabalhos a respeito. A direção de Destin Daniel Cretton (de O Castelo de Vidro, 2017) demonstra compreender essa necessidade da repetição de uma forma quase inusitada, não atendo-se aos acontecimentos em si, mas reforçando-os com planos repetitivos.

Se o roteiro do próprio Cretton e de Andrew Lanham (também de O Castelo de Vidro) insere explicações didáticas sobre o tema, inclusive com personagens conversando sobre navios negreiros, Cretton procura ressaltar justamente esse didatismo, quase permitindo que o próprio Bryan (o advogado que escreveu o livro originário – interpretado por Michael B. Jordan) e Eva (Brie Larson) atuem como professores para um público que, ainda, necessita conhecer e reconhecer os absurdos do preconceito racial.

É uma decisão arriscada que, de algum modo, diminui o filme. Não existe, aqui, uma marca como a de Alan Parker para Mississipi em Chamas (1988) por exemplo. Cretton está, aparentemente, um tanto indiferente ao valor do seu trabalho por si só. Ele quer denunciar, fazer coro com Bryan, dar as mãos à causa e isso, de repente, porque em sua posição de maori ele entende as questões de minorias e do preconceito e percebe a necessidade urgente de que os fatos sobre o racismo cheguem a um público de cinema que é majoritariamente branco.

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Desenhando para a compreensão

Por outro lado, por mais que Luta Por Justiça desenhe as situações e contenha pequenas aulas de conscientização – inclusive com alguns dos dados verídicos sobre os personagens surgindo após o término (antes dos créditos de fato) –, existe uma subtrama construída com muita sensibilidade: cada personagem que é escutado por mais tempo durante o filme carrega um trauma e são essas aflições do passado que movem suas decisões do presente.

É, dessa forma, um caminho válido para abrir a discussão sobre quem você é a partir de quem você teve a oportunidade de ser. Enquanto Bryan é tratado como uma exceção – o menino pobre que conseguiu ingressar em Harvard mesmo sendo negro –, os demais recebem um tratamento de situação. Cretton e Lanham deixam claro que enxergam o advogado como uma exceção da realidade imposta justamente ao dar voz para que os demais falem de momentos traumáticos que viveram.

Nesse sentido, Ralph Myers (Tim Blake Nelson) é uma figura central: seu medo do fogo o fez colocar um inocente no corredor da morte, mas foi a supressão do medo que o fez despertar para a empatia quando, não vendo o seu opressor (bloqueado pela personagem de B. Jordan), conseguiu ver como semelhante oprimido Walter McMillian (Jamie Fox). É, metaforicamente, uma cena de tribunal das mais ricas em um filme, que, pelo didatismo do todo, perde sua força dentro de um universo plausível para Luta Por Justiça, mas ganha em necessidade.

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Porque quando progressões sociais perdem força para uma moral que prefere posar do que ser humana, talvez estejamos todos carentes de enxergar no outro a nós mesmos; parece que, em um mundo que busca facilidades sempre – desde os primeiros humanos –, falta alguma predisposição para que alcancemos a igualdade através da equidade. Nada mais acertado, então, que Cretton desenhe para fazer a sua parte.