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Crítica | Sombra Lunar tropeça ao tentar uma ficção científica complexa

Por| 09 de Outubro de 2019 às 09h00

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Netflix
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Atenção! Esta crítica pode conter spoilers.

Tempo é um assunto delicado, sobretudo quando é parte de uma narrativa que tem muito a dizer em apenas alguns minutos. A Netflix arriscou o tema com o original Sombra Lunar, uma ficção científica com poucos momentos de futurismo (ainda que o filme comece em 2024), mas que aposta no roteiro para segurar o espectador que procurou ver o filme por interesse no gênero.

Já na primeira sequência, Sombra Lunar tenta capturar o espectador com a imagem de uma Filadélfia completamente destruída em um futuro próximo. Os mais atentos talvez reparem que a bandeira que vemos cair não é a dos EUA (nem da Filadélfia, nem da Pensilvânia), mas sim uma bandeira fictícia. No entanto o que mais chama a atenção é a baixa qualidade do trabalho digital na cena, que só não chega a incomodar de fato porque a sequência é curta e seguida pelo que realmente parece interessante: as atividades cotidianas de um pianista, um cozinheiro de junk food e uma motorista de ônibus, que de repente começam a sangrar e morrem. As mortes, muito bem fotografadas, são o principal mistério do filme: Como essas pessoas morreram? Por que elas e não outras?

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Personagens

As três mortes, que são praticamente simultâneas, introduzem os personagens centrais do filme e é aí que as coisas começam a desandar, tudo isso em menos de dez minutos. O protagonista Locke (Boyd Holbrook) é um Sherlock Holmes improvável que quebra hierarquias sem problema algum e faz parecer que qualquer policial pode fazer qualquer coisa em uma suposta cena de crime/acidente, inclusive contaminá-la. Seu principal problema no trabalho é o cunhado, Holt (Michael C. Hall), que ocupa o cargo sonhado por Locke, o de detetive. Holt, no entanto, não se parece nada com alguém que investiga, sempre diminuindo qualquer prova a algo normal: três furos com sangue ao redor e que formam um triângulo na nuca de uma pessoa com o crânio vazio e o cérebro derretido são interpretados pelo detetive como uma possível marca de nascença ou alergia.

As insinuações de que Locke é um melhor detetive e de que a única função de Holt na trama é atrapalhar as investigações do cunhado se intensificam ao longo da história e se tornam cada vez mais cansativas, assim como as tentativas dos maquiadores de fazer Locke parecer mais louco ou mais velho, quando na verdade o problema é que a atuação permanece idêntica do início ao fim, independente das décadas que passaram.

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Tempo

Quando um roteiro se aventura em tramas temporais, é necessário que não existam pontas soltas ou espaço para questionarmos pressupostos básicos. A ideia de que Rya (Cleopatra Coleman) viaja a um passado cada vez mais distante, matando pessoas específicas para evitar um evento futuro é excelente e cria espaço para reflexões filosóficas necessárias, mas ignora os questionamentos que são criados a partir disso.

Por que fazer Rya viajar sozinha a cada nove anos, se poderiam ser enviadas várias pessoas, cada uma com uma viagem para um ano diferente? Como foram definidas as pessoas que deveriam morrer? Porque ativar as mortes de um ponto no futuro, se os alvos poderiam ser assassinados por Rya durante a viagem no tempo? Isso fora a série de paradoxos temporais criados e deixados para o espectador refletir sobre, o que não chega a ser um problema, mas, dado o tratamento que outros assuntos tiveram, pode soar como preguiça de pensar sobre questões mais profundas e filosóficas, como fazem grandes títulos do gênero: Interestelar (2014, de Christopher Nolan), Minority Report: A Nova Lei (2002, de Steven Spielberg) ou livros do Isaac Asimov.

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Boas intenções

Apesar de bastante falho, Sombra Lunar é preenchido de boas intenções. A direção faz questão de deixar bem claro que algumas ideias devem ser destruídas ao mostrar os livros que alguns dos assassinados estavam lendo: biografias que exaltavam o patriotismo de presidentes dos EUA.

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Há também a inserção do movimento negro, que protesta a morte de Rya, mas que é inserido em um momento do roteiro no qual defendemos a atitude do policial, o que enfraquece uma possível representatividade e abertura de espaço político na trama.

Com tudo isso, o diretor Jim Mickle adiciona ao currículo mais um filme que provavelmente não irá sobreviver à prova do tempo, o que pode ser dito também dos roteiristas Gregory Weidman e Geoffrey Tock. Apesar disso, não devemos ignorar que dos grandes aos menores filmes alguns assuntos têm sido recorrentes e que a arte está tentando, por uma ou outra via, abrir nossos olhos.