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Crítica | Seberg Contra Todos parece ser contra ele mesmo

Por| 13 de Março de 2020 às 13h14

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Universal Studios
Universal Studios

Alguns filmes biográficos, como Frida (de Julie Taymor, 2002), conseguem abraçar tanto a vida, a construção da personalidade e as relações – profissionais ou não – de quem é protagonista; outros, como Capote (de Bennett Miller, 2005) preferem investir com mais força em um ponto, em quem é o ser retratado ali. Existem, ainda, as cinebiografias que apostam no inusitado para pluralizar a complexidade de uma figura conhecida, como é o caso de Não Estou Lá (de Todd Haynes, 2007). Seberg Contra Todos, por sua vez, tem um pouco de cada e, ao mesmo tempo, nada.

Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

COINTELPRO

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Não demora a ficar claro que o roteiro de Joe Shrapnel e Anna Waterhouse (que já escreveram outros filmes juntos – como o recente Consequências) não quer ir por um caminho óbvio, o de percorrer a vida da atriz Jean Seberg (Kristen Stewart) e sua chegada ao sucesso. O texto, muito menos, vai pelo caminho da redenção e morte. Existe uma trava na fuga das obviedades que parece comprometer o desenvolvimento da história. Além disso, o filme parece praticar uma espécie de autossabotagem ao contornar os contextos sociopolíticos da época ao mesmo tempo em que vai cercando elementos da vida da atriz.

Essa abordagem acaba por alimentar a curiosidade, mas nunca saciá-la. Não há elementos que deem ritmo ao que é visto. Cada acontecimento planejado por Shrapnel e Waterhouse é solto, uma causa sem motivo evidente que possa guiar os minutos. A direção de Benedict Andrews (de Una, 2016) procura dar relevância às atitudes da atriz, ao seu sentimento de estar sendo vigiada, mas falta substância.

Dentro do contexto de Seberg Contra Todos, a cinebiografia demonstra ser hermética em algum nível. Nesse sentido, as menções a Hoover soam praticamente soltas e a inserção dos Panteras Negras acaba por ser uma nota de rodapé descompromissada. Enquanto o então diretor do FBI (J. Edgar Hoover) permanecia em um embate histórico com aqueles que ele dizia serem a maior ameaça à segurança interna do país (os Panteras Negras), seus agentes atuavam em um programa secreto de contraespionagem (o COINTELPRO). Esse esquema federal tinha o planejamento de desacreditar e criminalizar os Panteras, acabar com sua mão-de-obra e, inclusive, foi acusado de assassinar membros.

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Novela genérica

Shrapnel e Waterhouse, por outro lado, pincelam os acontecimentos, caricaturizam alguns personagens – como o agente Carl Kowalski (Vince Vaughn) – e a direção de Andrews permanece sem visão ou atitude. Tudo o que se passa durante os 102 minutos do filme pode dar a impressão de ser marginal ao que de fato importa. O ápice do tom de novela genérica está na importância dada à relação extraconjugal de Seberg com o ativista Hakim Jamal (Anthony Mackie). Em certo ponto, parece não haver importâncias maiores no entorno dessa relação e, no ápice dessa investida um tanto kitsch, a então esposa de Jamal (Dorothy – interpretada por Zazie Beetz) desconta a traição quebrando a vidraça da casa da “rival” (?).

Se não estava claro até essa exploração emocional completamente tosca, a verdade é que Seberg Contra Todos é alimentado por dados periféricos da vida da personagem de Stewart e pelo mesmo tipo de informações sobre as lutas sociopolíticas que a cercavam. Está tudo ali e, ao mesmo tempo, nada é aprofundado.

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A fogueira das fake news

No final das contas, um filme de super-herói como Pantera Negra consegue ser tão mais profundo e tão mais relevante em tantas camadas que, se colocado ao lado de Seberg Contra Todos, talvez seja visto como obra-prima. A importância dada ao passado, a força e a representação para a comunidade negra e, ainda, a energia cedida para a causa feminista são quase que inversamente proporcionais. Não porque o filme de Andrews não tem ferramentas para ser relevante, mas porque ele (o filme em si) demonstra uma falta de envolvimento com praticamente tudo o que poderia ser potencialmente interessante – e isso vai da escrita à direção.

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A história trágica de Jean Seberg, tão cheia de rimas com a atualidade, é muito mais do que uma relação estética entre ter se queimado em uma fogueira durante as filmagens de Santa Joana (de Otto Preminger, 1957) e ter sido colocada em uma fogueira metafórica durante a vida. O fogo que Andrews acende é morno – às vezes até gelado. O ativismo hoje tem outros rostos, claro, e, do lado oposto, vivem figuras prontas para desacreditar a necessidade da luta por direitos. Seberg foi vítima de um esquema federal. O que hoje é bem conhecido como as fake news, foi o que queimou a vida de uma mulher até ela, aos 40 anos de idade, cometer suicídio.