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Crítica Ruído Branco | Uma cacofonia deliciosa, mas que não é para todos

Por| Editado por Jones Oliveira | 30 de Dezembro de 2022 às 19h30

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Assim como a casa superpopulosa de Jack Gladney (Adam Driver), Ruído Branco também parece ser essa coisa caótica em que muitas vozes falam ao mesmo tempo e em que nada é compreensível ou parece fazer sentido. É aquela cacofonia que parece impossível de ser entendida, mas que revela uma série de discursos à medida que você aprende a isolar cada um deles. E é nesse jogo de compreensão que está o verdadeiro charme do filme.

Por isso mesmo, é impossível apontar uma única leitura para o novo filme de Noah Baumbach. Na verdade, o longa apresenta e desenvolve diferentes temáticas entrelaçadas em uma história que flerta com o absurdo e mistura drama e humor para falar desde relacionamentos humanos e o medo da morte até crítica ao capitalismo e do próprio comportamento da sociedade diante de momentos de crise.

É tanta coisa acontecendo e sendo dita ao mesmo tempo que é muito fácil se perder. E o próprio roteiro sabe disso e brinca com essa confusão ao nos apresentar a chave de leitura necessária para entender que há por trás dessa profusão de vozes: em meio ao caos, a gente precisa procurar o mínimo de normalidade para nos apoiar. É sobre transformar tudo o que não é importante em um ruído branco que passamos a ignorar.

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Em busca de uma aparente normalidade

Depois do sucesso de História de um Casamento, Baumbach retorna à Netflix com um estilo de história bem diferente, mas que ainda guarda algumas semelhanças ao longa que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2020. Embora troque o tom mais mundano e dramático por um humor calcado no absurdo, Ruído Branco ainda segue bastante introspectivo e extremamente pessoal.

Parte disso é fruto da obra original. O filme que chega à Netflix em 30 de dezembro é a adaptação do livro de Dan DeLillo, que já carrega parte desse estilo mais caótico em sua escrita e que é muito bem transportado para as telas por aqui. O mérito de Baumbach, portanto, está em traduzir o estilo e de atualizar o conceito em uma história que tem muito a nos dizer nessa virada de 2022 para 2023.

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A começar pelo fato de que é impossível não traçar um paralelo entre Ruído Branco e o mundo pós-pandêmico que nos encontramos. A história do longa começa a partir de um acidente de trem que espalha uma nuvem tóxica em uma pequena cidade, fazendo com que seus moradores tenham que aprender lidar com essa ameaça invisível que paira ao redor de todos.

Só que isso não faz dele um filme-catástrofe, como a sinopse básica pode dar a entender. Na verdade, o cerne do roteiro está justamente nas relações que orbitam a tragédia. E isso inclui a tentativa da sociedade de se apegar a uma falsa sensação de normalidade diante do absurdo como também os impactos que essa experiência de quase morte tem em cada um de nós.

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É por essa razão que é impossível extrair um único significado de Ruído Branco. A partir desse episódio que rompe com o normal, Noah Baumbach vai explorar diferentes questões que não estão diretamente conectadas, mas que dialogam com o fato central. Assim, temos esses vários discursos acontecendo em paralelo e que cabe ao espectador isolá-los para entender o que está sendo dito.

E é isso que causa a tal cacofonia que faz com que o filme possa não ser para todo mundo. Como um caleidoscópio em que você enxerga coisas diferentes a depender do modo como olha, ele transita entre um drama pesado e uma comédia bastante particular que pode surpreender (ou decepcionar) quem esperava um roteiro mais convencional deste ou daquele gênero.

De forma muito inteligente, ele contesta justamente essa busca por uma normalidade que o roteiro apresenta. Da mesma forma que Jack tenta manter a calma e mostrar que não há nada de excepcional nessa fumaça que se espalha pela cidade, a gente também tenta encaixar a trama em uma caixinha e se sente desconfortável quando percebe que ele não é nem uma coisa e nem outra.

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É o que faz com que o nome Ruído Branco faça total sentido. É essa tendência que temos de ignorar todo o barulho à nossa volta para nos focar em um único ponto que nos faça sentido ou que nos dê uma (falsa) sensação de segurança diante do caos que nos rodeia. E isso é satirizado dentro da história, que mostra como usamos o capitalismo para isso — representado aqui pela ordem que um supermercado tem a oferecer — ou mesmo o cinema, que vai retirar a violência e a brutalidade de um acidente para transformá-lo em uma constante na qual podemos nos apegar.

Experiências que nos transformam

Da mesma forma, Ruído Branco também explora o quanto esses episódios traumáticos nos transformam, embora nem sempre esse apego a uma normalidade nos impeça de ver isso.

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Não é preciso muito esforço para ver como o acidente químico funciona como essa alegoria para a pandemia de covid-19 com a qual convivemos por tanto tempo. Só que o importante para a história é justamente o que vem depois — tanto que ele não perde tanto tempo mostrando como foram aqueles dias apocalípticos na cidade.

Como dito, Jack e todos à sua volta estão sempre apegados a essa rotina típica do estilo de vida americano. Apesar da família do protagonista não ser nada comum, a imagem que eles têm de si é a mesma de qualquer comercial de margarina. E é quando eles são confrontados com essa experiência quase cataclísmica é que esse normal passa a ruir.

A vida ideal do protagonista passa a ser assombrada, por exemplo, por um medo da morte que sempre existiu, mas não de forma tão latente quanto agora. E isso passa a movimentar o personagem em direção a questões que nunca foram problemas para ele até então e que vão abalar com a normalidade que ele sempre prezou. O mesmo pode ser dito das crises existenciais, dos picos de ansiedade e de todos esses reflexos que tanto os personagens quanto nós passamos a compartilhar.

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É uma sátira bastante precisa de algo que todos nós passamos a encarar em maior ou menor escala e que dá a Ruído Branco um sabor mais do que especial. Apesar do humor bastante particular, é impossível não se reconhecer nas paranóias do professor ou na sua crescente insegurança diante das incertezas desse mundo que se provou tão fora do seu controle.

Um estilo para poucos

O grande ponto é que, apesar de ter tanto a nos falar, Ruído Branco é um filme não muito palatável para o grande público. Mais uma vez, a sua estrutura não se encaixa naquilo que a gente espera de um drama ou uma comédia e essa fuga do comum pode causar estranhamento em quem procura algo mais comum.

Só que é nessa estranheza que está o coração do longa. Adam Driver entrega uma interpretação incrível desse professor tão peculiar e que se julga tão normal que é apaixonante. Da mesma forma, Greta Gerwig vive Babette, uma dedicada esposa que precisa lidar com seus próprios medos e demônios enquanto busca sustentar a família ao seu modo.

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Em paralelo ao casal, temos vários outros personagens que dão sua contribuição à caótica cacofonia e que, cada um do seu jeito, ajuda a dar uma ordem nessa bagunça toda. Dos professores da universidade em que Jack trabalha aos próprios filhos do casal, é tanta gente com tanta coisa para dizer que é muito fácil se perder — e essa é a verdadeira graça da coisa toda.

Ruído Branco está disponível exclusivamente na Netflix.