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Crítica | Projeto Gemini: brega ou visionário?

Por| 16 de Outubro de 2019 às 09h19

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Paramount Pictures
Paramount Pictures

O mais difícil quando o caminho da imparcialidade é escolhido e traçado por tanto tempo é se deparar com algo que é genuinamente bom por um lado e dolorosamente ruim por outro. Como pesar um contraste tão divisor? Se um filme é tão consciente do que é, com indícios de que sabe de sua completa falta de profundidade, qual seria o melhor caminho?

Cuidado! Daqui em diante a crítica pode conter spoilers!

Do cafona ao brega

A verdade é que a história de Projeto Gemini, que levou mais de 20 anos para encontrar a melhor forma de ser trabalhada para o cinema, parece entregue a um tom que apela para uma cafonice típica dos clichês de ação mais rasos e com um prólogo tão extenso e vazio que se salva somente pelo magnetismo do protagonista e pela utilização da tecnologia promovida por Ang Lee (de As Aventuras de Pi, 2012). Como se não bastasse, essa mesma introdução – que dura por quase toda a primeira hora de filme – ganha contornos ainda mais bregas, como a lamentação de Henry Brogan (Smith) ao dizer que não consegue se olhar no espelho e a interação mezzo romântica entre ele e Danny (a sempre carismática Mary Elizabeth Winstead).

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Obviamente, essa questão de se ver passa a ser central no filme a partir do aparecimento de Junior (o Smith mais novo), mas nada se aprofunda nesse sentido. O roteiro de David Benioff (de X-Men Origens: Wolverine), Billy Ray (de Operação Overlord) e Darren Lemke (de Goosebumps: Monstros e Arrepios), inclusive, pode dar a impressão de se acreditar denso demais com suas incursões melodramáticas que forçam uma carga emotiva praticamente inexistente. Parece que nada fecha: as situações, os diálogos e as reviravoltas tão previsíveis. O discurso paternal de Clay Verris (Clive Owen), por exemplo, assim como toda a situação que o envolve, pode ser capaz de causar vergonha alheia até no espectador mais resistente – tanto que sua morte rápida em nada é sentida.

Realidade virtual

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Em contrapartida, Projeto Gemini dá a entender que existe mais para o propósito da inovação visual do que para uma imersão de melhor qualidade narrativa. Nesse ponto, a competência de Lee como diretor é fundamental, dada a influência da tecnologia na dita imersão. Isso porque existe uma busca incessante por fluidez, seja ela durante uma mudança comum de planos e ou de ângulos ou na dissolução da própria linguagem do cinema. Neste último caso, podem ficar muito claras – muito mais para gamers – que a base das incursões na ação e, especialmente, nas aparições em primeira pessoa são os jogos que buscam a realidade como aliada.

Nesse aspecto, a primeira aparição de Junior pode ser tão intensa quanto estranha. Enquanto a tecnologia inovadora consegue conceber um Will Smith muito mais novo e com aparência real, a ação, ao procurar justamente a realidade, esbarra numa estética de game. E há uma explicação: mesmo que Lee tenha realizado o filme em 120 frames por segundo e em 4K – ou seja: para o olho humano captar 120 quadros estáticos por segundo e ter a ilusão de movimento mais ágil –, o cinema tem convencionado como padrão os 24 frames por segundo ––; já em um game, o padrão tem sido o de 60 fps, que é a taxa exata em que Projeto Gemini consegue ter exibição em algumas salas de cinema no Brasil.

Há, de fato, cenas tão bem realizadas que são quase sufocantes de tão intensas. Uma delas se dá na finalização da dita apresentação de Junior, com uma perseguição de motos que flui entre a tentativa de realidade e uma caracterização mais digital – e não por isso menos empolgante. A utilização da moto como prolongamento do próprio corpo durante uma luta é das peripécias mais interessantes do filme e pode ser até utilizada como paralelo metalinguístico: a máquina à frente do homem.

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Aliás, por mais que Projeto Gemini seja, óbvio, o trabalho de uma equipe humana, falta tanta alma a tudo que é visto que os feitos mais bonitos da tecnologia utilizada por Lee podem passar despercebidos. A direção de fotografia de Dion Beeb (de O Retorno de Mary Poppins), que é um dos profissionais do cinema mais engajados na estética digital, é de uma precisão assustadora ao aproximar o que é visto da forma de o olho humano enxergar no dia a dia. Ao reproduzir as imagens com uma profundidade de campo muito mais verídica, Beeb faz com que a atenção do espectador – mesmo direcionada a alguém ou a algo – consiga perceber detalhes no entorno. Junto a isso, a gama de cores parece mais ampla e a iluminação que experimenta o alto alcance dinâmico (o famigerado HDR) com muita competência faz tudo ficar mais texturizado e, por isso, real.

A ainda necessária aparência de sonho

O problema, afinal, é que não há tecnologia que supere uma boa história – não por enquanto. A incursão desenfreada do cinema na busca por imersão e interatividade tem ido por caminhos onde os games já passaram ou já estão (vide Black Mirror: Bandersnatch). Ao mesmo tempo, a busca pela realidade nos games tem levado estes a uma estética bem cinematográfica. Não dá para saber ao certo se existirá um momento onde ambas as artes acabarão se tornando uma só para alguns nichos. De fato, a mistura entre cinema e jogos pode ser bem interessante, mas pode ser ainda bem perigoso fundamentar um no outro: porque o cinema – focando no que me diz respeito – ainda necessita de sua aparência de sonho.

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Projeto Gemini pode vir a ser um divisor de águas e, por isso, causar algum desconforto ao ser pensado no presente. Como Lee, responsável por filmes tão narrativamente intensos, embarcou nessa história? Talvez o futuro responda e, enfim, esse filme em questão possa ceder ao seu diretor um adjetivo tão mal usado ultimamente, mas que caberia bem a depender do tempo: visionário.