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Crítica | Oito Mulheres e um Segredo consciente

Por| 08 de Junho de 2018 às 11h03

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Warner Bros
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Antes de seguir adiante, cuidado! Esta crítica contém spoilers!

Há onze anos, quando lançava o famigerado 11 Homens e Um Segredo, Steven Soderbergh já era um diretor reconhecido pela fluidez com a qual tratava suas sequências mais ágeis. Seja em Sexo, Mentiras e Videotape, em Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento ou até mesmo na série Grey’s Anatomy, Soderbergh conseguia ser extremamente claro nas cenas mais fulminantes, saltando de um plano detalhe da bolsa de um personagem aos passos de outro para, em seguida, alcançar os olhos de um terceiro. Tudo sem se tornar incompreensível. Pelo contrário: dificilmente alguém deixa de entender as ações em seus trabalhos.

Com o filme de 2001 (e as duas sequências dele – 2004 e 2007), repleto de estrelas gabaritadas de Hollywood, Soderbergh quis e conseguiu elevar essa sua técnica ao extremo. Para isso, precisou de um roteiro leve com o qual pudesse desfilar sua técnica e que a fizesse agir totalmente a favor da história. Assim, aquele filme com George Clooney, Julia Roberts, Brad Pitt, Andy Garcia, Matt Damon, Don Cheadle e Casey Affleck tornou-se uma referência para os filmes “de roubo” que vieram posteriormente. Soderbergh não criou uma escola, mas a fez atingir um ápice.

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Windows Movie Maker e as rainhas absolutas

Gary Ross, diretor deste Oito Mulheres e um Segredo, segue a mesma cartilha. E tem sorte. Afinal de contas, ele não é Soderbergh. Sem ter a mesma habilidade em intercalar planos e sequências, Ross aposta em transições bem visíveis, dessas que têm cópias mais simples no Windows Movie Maker. Mas, ao contrário de deixar o filme exposto ao amadorismo, suas escolhas surgem conscientes e orgânicas.

Transparecendo humildade profissional, o diretor cede espaço para o elenco desfilar em detrimento de qualquer orgulho pessoal. Dessa forma, o que acaba faltando na pegada sobra na condução do elenco. Sandra Bullock, Cate Blanchett e Anne Hathaway desfilam como rainhas absolutas, quase reluzindo seus oscars, e, na construção do time, Helena Bonham Carter sobressai-se com seu papel corriqueiro cheio de excentricidade e pitadas de loucura.

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A tríade que tropeça e as décadas de um diretor

É nessa formação do time que a tríade roteiro-direção-montagem tem um deslize reprovável: com a soltura de Debbie Ocean (Bullock) da prisão e a sua rápida união à velha amiga Lou (Blanchett), inicia-se a concepção da equipe. A partir de então, o filme ganha ares de esquetes, tornando-se repartido, como se cada personagem recrutada fosse um mundo próprio. Por mais que se busque a interpretação plausível de que a união de mundos tão distintos em prol de uma meta pode formar uma galáxia que atua em conjunto, a verdade é que os esquetes apenas racionam o filme, que deixa muitas vezes de engrenar por permanecer nesse engessamento episódico.

O mais interessante é que, apesar dos pesares, o filme funciona. Não importam os tropeços da dita tríade ou até mesmo o peso do elenco oscarizado. Ross demonstra ter como atributo principal justamente um que é fundamental para filmes descompromissados como esse e seus antecessores (inclusive o de 1960 protagonizado por Frank Sinatra): leveza. Talvez, partindo de um sujeito que escreveu Quero Ser Grande (em 1988), escreveu e dirigiu A Vida em Preto e Branco (em 1998) e voltou a escrever outro filme singelo, O Corajoso Ratinho Despereaux (10 anos depois), a história possa estar premeditada. Ou seja: de 10 em 10 anos, pode-se esperar algo bem agradável de Gary Ross.

Ser mulher é essencial

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Ainda, com o roteiro escrito também por Olivia Milch, o feminismo estampado desde o princípio da ideia que subverte o gênero dos filmes anteriores (por mais que se veja Julia Roberts e Catherine Zeta-Jones no elenco – os três filmes predecessores são bem masculinizados) ganha força. Dessa maneira, mesmo sendo uma joia a ser roubada, os desejos de cada uma delas é o de realizar sonhos completamente diferentes umas das outras. Enquanto a hacker já fisicamente distante do estereótipo pensa em abrir um bar, sua colega pensa em chefiar um enorme galpão de mercadorias. São, de fato, mulheres tomando cargos de chefia, cargos que resistiram a milhões e são frutos de um sonho.

O jogo, inclusive, que é realizado com a questão do feminismo é de um criticismo extremamente válido até mesmo nos diálogos. A um ponto da discussão do plano, Debbie comenta sobre os motivos de não haver homens na equipe com uma frase certeira: “Se for ele, é notado. Se for ela, é ignorada.”. O plano, nesse caso, ultrapassa o filme e ganha dimensões representativas de fato. Não se trata de feminização dos filmes anteriores. A verdade é que, para o roubo do colar de mais de dois quilos e avaliado em 150 milhões de dólares, ser mulher é parte essencial.

Onde elas quiserem

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Não é à toa que, então, as únicas mulheres notadas durante o roubo são justamente aquelas ligadas a homens: Debbie, irmã do falecido Danny (George Clooney – que aparece em fotografia), que permanece à luz das câmeras com a intenção de criar seu álibi, e a estrela Daphne Kluger (Hathaway), com seu galã apático e cercada por seguranças.

Oito Mulheres e um Segredo é, por fim, um filme que tem seus tropeços, mas que se justifica e sabe onde está pisando. Com uma direção mais preocupada com a leveza do que com algum senso estético autoral, o filme perde em força e ritmo, mas permanece com carisma intocável. De fato, esse magnetismo só acontece devido à competência de um elenco confiante, mulheres que sabem dos seus lugares, tanto em cena quanto na vida real.

Elas sabem, e expõem isso sem medo – como deve ser –, que o lugar delas é onde elas quiserem.