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Crítica | Medo Profundo: O Segundo Ataque incha como bicarbonato de sódio

Por| 21 de Novembro de 2019 às 23h30

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Paris Filmes
Paris Filmes

Desde o clássico Tubarão (de Steven Spielberg, 1975), os filmes protagonizados ou antagonizados por esses predadores tornaram-se um subgênero. Passeando do terror oculto do filme de Spielberg, pelas invencionices de Do Fundo do Mar (de Renny Harlin, 1999) – com seus tubarões geneticamente modificados e, por isso, bem inteligentes – e pelo trash descarado de Sharknado (de Anthony C. Ferrante, 2013) e suas sequências, a impressão é que tudo já foi abordado por esses filmes. Mesmo assim, há alguns sopros mais recentes de vida que beiram a originalidade, como Águas Rasas (de Jaume Collet-Serra, 2016).

Cuidado! Daqui em diante a crítica pode conter spoilers!

Uma surpreendente inteligência de peixe

Medo Profundo: O Segundo Ataque, dentro desse espectro, surge como uma continuação um tanto quanto sofrida. Se o antecessor já não era um filme-de-tubarão exatamente relevante e mesmo assim se tornou um hit a ponto de pensarem em um novo capítulo, este aposta em ser ainda mais inusitado. E é justamente na tentativa de se provar inusitado que o filme abraça descaradamente a falta de verossimilhança e parte quase que para uma igualdade de inteligências entre humanos e tubarões – funcionando, em um mundo paralelo, como uma segunda parte sem noção do citado Do Fundo do Mar.

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Com a premissa de reunir mulheres jovens de etnias diferentes em uma aventura por uma tumba submersa, fazendo-as se desviarem propositalmente de uma excursão escolar com a patricinha popular da escola, o roteiro de Johannes Roberts (o próprio diretor do filme originário, de 2017) e de Ernest Riera (de Do Outro Lado da Porta) cai em uma autossabotagem difícil de ser resolvida: a falta de inteligência das personagens é praticamente incapaz de gerar identificação junto ao público. Dessa forma, se, por um lado, um filme do subgênero ser protagonizado por mulheres é algo que mereça atenção e créditos – como Blake Lively no citado Águas Rasas –, a abordagem dada a elas parece soterrar as boas intenções.

Aqui, há um misto do filme protagonizado por Lively e aquele com tubarões inteligentes que chega a ser perturbador, porque, ao mesmo tempo em que existe o protagonismo feminino, existe também uma uniformização das inteligências. Não que os peixes tenham recebido capacidades cognitivas humanas, mas as atitudes das personagens humanas revelam uma surpreendente inteligência de peixe que dificilmente seriam exposta por meio de personagens masculinos.

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Nem isso

Ainda sobre o protagonismo feminino, é interessante perceber o quanto o recente Predadores Assassinos (de Alexandre Aja, 2019) esboça uma boa relação de causa e efeito, cedendo motivações minimamente sólidas para o desenvolvimento da protagonista. Por outro lado, Medo Profundo: O Segundo Ataque dá a impressão de que pouco se importa com esse trabalho de condução, tornando-se mais gratuitamente sanguinário e focado nas mortes do que em fundamentar algo razoável de algum modo.

Se a amizade entre aquelas que deveriam ser importantes para o público é apresentada de forma frouxa através de uma montagem espertinha entrecortada por canções animadas e não há qualquer aprofundamento que faça o primeiro ato do filme ser válido, a verdade dá as caras na entrada para a segunda parte. O tom claustrofóbico que passa a compor o filme e que é pouco eficiente na direção de Roberts – que mais parece um voyeur, assistindo ao desespero e não se esforçando para causá-lo – ao menos cede alguma tensão ao filme. A gana por sangue, que logo dá as caras em uma primeira vítima previsível, vem junto a uma crítica social tão rasa quanto a pretensa seriedade: Se ao matar um homem e seguir os matando – poupando, ao menos inicialmente, as mulheres – o roteiro assina a sempre válida questão feminista com ataques incisivos, tudo é perto de ser invalidado pela abordagem descerebrada (ou quase isso). Em resumo, a questão maior parece ser provar que as mulheres pensam mais do que tubarões e, no final das contas, nem isso sai como planejado.

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Medo Profundo: O Segundo Ataque é tão desrespeitoso nesse sentido que a fuga descoordenada das personagens é uma espécie de plano-piloto. Por mais que um dispositivo seja inserido para dar munição sonora para elas, logo ele é esquecido e tudo retorna à fuga metodicamente desorganizada. Talvez, o mesmo alarme que afasta os tubarões consiga repelir as moças com sua luz vermelha.

Bicarbonato de sódio

Apesar de tudo isso, existem momentos relevantes: a edição de som realista que se revela no início da submersão na tumba chega a ser inventiva, soando abafada pela água; a sana sanguinolenta dos tubarões é capaz de gerar alguns sustos inesperados; o final de tudo é tão brega que pode por em xeque toda a seriedade da direção de Roberts – atestando que tudo se passa de uma piada e elevando a moral do filme enfim –; e não há as reviravoltas insanas (apesar de divertidas) do seu antecedente, porque elas possivelmente nem caberiam.

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Mas tudo tem suas contradições: O som realista e abafado logo é substituído por peixes que gritam (literalmente); os sustos inesperados são substituídos por uma cansável tentativa de provocar jump scares; a cafonice dos minutos finais pode somente provar que Roberts não tinha a menor ideia do que estava fazendo – ou até tinha (o que é muito pior nesse caso) –; e plot twists exagerados, pelo menos, trariam uma sensação Sharknado para deixar tudo mais leve.

No final das contas, Medo Profundo: O Segundo Ataque incha o subgênero como bicarbonato de sódio em massa de pizza de rodízio incha o estômago. Vale a pena ser visto como vale a pena comer: no fim de tudo, cansado, com a proposta hipotética de desligar o cérebro e, enfim, para mastigar e engolir uma fatia e se sentir saciado por quase nada. E depois rir de tudo, dizer que nunca mais assiste ou come algo do tipo, mas, lá no fundo, já começar a aguardar as cenas do próximo capítulo ou uma nova noite na pizzaria ingrata.