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Crítica | Guns Akimbo é tosco com sabor de sinceridade

Por| 20 de Março de 2020 às 09h45

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Saban Capital Group
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Frente a um filme, normalmente criamos ligações maiores com a história que é apresentada: o caminho percorrido pelos personagens – especialmente por quem protagoniza –, as pessoas e seres que são encontrados pelo caminho... Tudo parece chamar mais atenção (e prender esta) quando esquematizado dentro do monomito, que é um conceito de jornada cíclica presente em mitos de acordo com o antropólogo Joseph Campbell.

A Jornada do Herói, como também é conhecido o monomito, foi trabalhada, posteriormente, pelo roteirista Christopher Vogler, prevendo 12 etapas claras para o desenvolvimento de ideias. É interessante perceber como muitas vezes estamos à mercê dessa relação com a contação clássica de uma história. Por mais que o processo seja repetido, nunca chega à exaustão.

Dentro dessa perspectiva, geralmente a forma acaba ficando em segundo plano, mas é ela que pode dar validade e contextualização ao monomito explorado pelo roteiro. Muitas vezes, um texto simples pode ganhar força por meio da exploração que o diretor faz do material. Se tem validade a história de um homem que parte sozinho para se vingar da máfia porque o filho do chefão desta matou o cachorrinho que a falecida esposa havia lhe deixado é porque a direção construiu uma aura de importância, atestou que aquele universo é válido e construiu uma lenda com a forma. Isso para permanecermos em um filme de ação.

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Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

Consciência de estilo

Guns Akimbo é a transformação da forma em um espetáculo visual genérico onde o universo criado parece mais interessado em causar alguma espécie de choque. Jason Lei Howden (do brilhantemente tosco Deathgasm, 2015) procura, em alguns momentos, desnortear o espectador com câmeras lentas à la Guy Pearce (de Sherlock Holmes, 2009) e giros quase psicodélicos para reforçar o desconforto de Miles (Daniel Radcliffe), mas é possível que o resultado seja um exagero sem tantos propósitos funcionais.

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O filme tem sua força dissolvida por não se entregar de uma vez ao seu lado kitsch (como o citado Deathgasm) e, às vezes, parece querer ser sério demais mesmo com os acontecimentos pendendo para o oposto. Nesse sentido, o pano de fundo da personagem de Samara Weaving (a Nix), que envolve explosão e fogo, é algo que ultrapassa a linha da breguice – especialmente por ser revelado de maneira completamente repentina e preguiçosa.

Talvez seja exagero levar em consideração tantos fatores em um filme que, supostamente, não se leva a sério. Mas, ao implantar dramas reais (como o de Nix), valorizá-los (mesmo que preguiçosamente) e resolvê-los por meio de uma redenção heroica, Lei Howden (que também escreveu o roteiro) demonstra certo empenho em subverter alguns pontos da Jornada do Herói. Há nada de contestável na subversão dos valores, mas a seriedade com ares de perturbação com que o diretor aplica os conflitos funciona mais como máscara para a fragilidade da história e de sua própria consciência de estilo.

Tempero de sinceridade

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É verdade que Lei Howden tem uma carreira considerável na área dos efeitos visuais, tendo trabalhado em filmes como Os Vingadores (de Joss Whedon, 2012), O Homem de Aço (de Zack Snyder, 2013) e Planeta dos Macacos: A Guerra (de Matt Reeves, 2017), mas, talvez por essa parcela em superproduções, seu trabalho em Guns Akimbo tenha procurado essa proximidade quase claustrofóbica com a computação gráfica. Assim, alguns momentos, que soam mais artificiais do que muitas das piadas visuais, fazem Corrida Mortal (de Paul W.S. Anderson, 2008) parecer uma obra-prima – o que, pessoalmente, quase acho mesmo.

Mas, contraditoriamente (ou não), Guns Akimbo pode divertir. Seja pela montagem espertinha; seja por ver Radcliffe com pantufas enormes e de cueca samba-canção correndo pelas ruas; seja por ver Nix exterminando dezenas de homens e ainda soltando frases de efeito contra o machismo; seja por transformar o eterno Harry Potter em um meme... de algum modo, o filme tem uma força curiosa. De repente por indícios de que o diretor de Deathgasm está ali. É uma incógnita.

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No final das contas, nada pode cobrir um monomito desestruturado e com um antagonista tão caricato (Riktor – interpretado por Ned Dennehy), mas um diretor tentando se encontrar pode contaminar o resultado com uma falta de identidade artística muito clara sem deixar de lado a identidade pessoal quase tão clara quanto. Deve ser por isso que Guns Akimbo tem alguma sobrevida: a pitada de tempero particular de Lei Howden, mesmo no panelão do todo, tem algum sabor de sinceridade.