Crítica | Esquadrão 6 é mais forte do que um energético, só não dá asas
Por Sihan Felix |
Um bilionário forja a própria morte e, a partir de então, torna-se um fantasma para o mundo. Reunindo uma equipe de profissionais tão invisíveis para o sistema quanto ele, parte para a missão de derrubar um ditador em um país ao leste. Esse país fictício, o Turgistão, funciona como uma fusão de países reais que supostamente esperam pela libertação (a salvação americana diluída em uma equipe aparentemente cosmopolita). E não importa o nome do lugar – nem mesmo para algum personagem que não consegue pronunciá-lo –, o que importa é cumprir a missão, a meta.
Se, no final das contas, der para encaixar uma reviravolta mais íntima, um plot twist com um personagem discursando sobre a validade de salvar a vida de um companheiro depois de bandidos e inocentes voarem pelos ares durante a tal missão, melhor ainda: fica tudo mais emocionalmente satisfatório. Porque não são somente explosões e pancadaria, tem coração também, tem sentimentos nascidos de um trauma de guerra.
Cuidado! Daqui em diante a crítica pode conter spoilers!
Uma demonstração imersiva de TDAH
Por mais que os dois primeiros parágrafos tenham um nível irônico, não dá para fechar os olhos para o fato de que Michael Bay (dos cinco primeiros live-actions de Transformers) tem uma assinatura óbvia. Não importa se os roteiros da maioria dos filmes dirigidos por ele são pobres e rasos – como um personagem aqui ao avaliar politicamente a situação mundial dizendo: “O mundo está um loop de merda!”. No universo de Bay, o que vale é a unidade estilística. Nesse sentido, parece mais adequado transformar a experiência do público em uma montanha-russa hiperativa que se sustenta na competência em desviar a atenção do roteiro para a forma.
Em Esquadrão 6 (filme original da Netflix disponível no catálogo do serviço), no caso, o que menos importa é a política envolvida – abertamente explorativa de uma região marcada pela pobreza e pela crueldade de tiranias. A força da linguagem literalmente explosiva do diretor está em conseguir retirar toda a atenção do tema, fazendo do resultado uma espécie de TDAH para todos, por meio do qual trabalha pelo déficit de atenção – apostando na força estética – e insere a hiperatividade como ferramenta-chave. Assim, uma mãe-figurante com um bebê no colo e dois cachorrinhos ganham mais destaque – claro que para fazer comédia – do que os tantos que poderiam morrer com a ameaça de gás sarin.
Por esse lado, a sequência inicial – que dura quase 20 minutos – é uma preciosidade dentro da filmografia de Bay. É nela que ele espreme a sua forma ao máximo: carros capotando e sendo partidos ao meio, tiroteios vindos de todos os lados, bandidos sendo atropelados graficamente... Tudo é muito consciente. Inclusive, parece que o diretor brinca com a questão de ser sempre duramente criticado pela quantidade de explosões gratuitas em seus filmes, fazendo os tantos carros que são destruídos permanecerem imunes aos estouros. Além disso, essa redução (gastronomicamente falando) é realizada até o ponto de sobrar somente a forma de fato: com letreiros surgindo e concebendo os personagens pelas suas funções (médica, motorista, espiã, o cara do parkour...) e batizando-os por números.
Um Megazord possuído pelo Tigrão
É engraçado, ao mesmo tempo, o jeito que Bay tenta dar voz às mulheres, transformando a personagem francesa de Mélanie Laurent em uma espécie de John McClane (Bruce Willis na quadrilogia Duro de Matar). Isso fica claro já na dita sequência inicial, com Cinco (Adria Arjona) fazendo uma cirurgia em Dois (Laurent) sem anestesia e dentro de um carro em alta velocidade e em fuga enquanto os dois homens nos bancos da frente gritam mais pelo horror a sangue do que pelo medo da morte iminente. Pior (ou melhor): a paciente, esguichando sangue, sai do carro em câmera lenta para usar uma metralhadora. É tudo tão espetacular e exagerado que fica clara a inversão programada pelo diretor, que nada daquilo corresponde ao que ele pensa, mas ao que ele se forçou a fazer (e não deve ser difícil imaginá-lo gargalhando durante as filmagens desse tipo de transposição – e se achando esperto demais).
A irresponsabilidade social e política de Esquadrão 6 é tanta que, se observado por esse viés, o filme é uma catástrofe em si mesmo. Isso porque, por ter o roteiro (de Paul Wernick e Rhett Reese – ambos de Deadpool) claramente inspirado em situações atuais – mesmo que criando um país fictício –, existe um compromisso que é necessário ao todo. A partir disso, enquanto demonstra um carinho cômico pela mãe com seu bebê e pelos cachorrinhos, Bay faz questão de mostrar com seriedade crianças morrendo em guerras ao mesmo tempo em que exibe religiosas fazendo gestos obscenos somente para tentar provocar a comédia – além, claro, de mulheres de curvas e belezas padronizadas comercialmente que surgem em slow motion e com direito a comentários como amo a Itália. Tudo, claro, maquiado por piadas e situações impossíveis (que são, dentro do universo do filme, mais do que válidas) montadas com a efusividade da montagem de um trio (Roger Barton, William Goldenberg e Calvin Wimmer – todos do departamento de edição de Transformers: A Era da Extinção) que mais parece um Megazord possuído pelo Tigrão (o impulsivo, hiperativo e desastrado amigo do Ursinho Pooh).
Muito ruim, mas muito bom
A verdade é que a dita irresponsabilidade do filme é tão descarada que, no fim, o que sobra é o sumo de Michael Bay, a essência do seu cinema. E este é um show de ilusionismo para quem quer acreditar nas ilusões mais cínicas. É tanta informação visual, tantas situações frenéticas, tantos diálogos que dão corda à ação, tanta ação regida pela montagem efusiva e pelas canções loucamente desconexas que, numa mesma sequência, passeiam de Dig Down (por Muse) e Wannabe (pelas Spyce Girls) a O Fortuna (da cantata cênica Carmina Burana, de Carl Orff) – e tudo é tão consciente do caminho escolhido que, apesar de ser muito ruim, Esquadrão 6 é muito bom.
No fim, o desfecho emotivo serve para acalmar os ânimos e trazer de volta à realidade. Não tem força, mas tem a noção de um diretor que, ao seu modo, é autoral na criação de uma unidade estilística. Michael Bay assina o que é seu como se estivesse sendo eletrocutado enquanto segura a caneta, mas isso tem sua legitimidade saudável quando se busca algo mais forte do que cafeína, taurina, inositol ou guaraná. Só não dá asas.